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Centro do saber, das bibliotecas e da filosofia, a capital do Califado Abássida foi símbolo de erudição e diversidade e destruída duas vezes pela guerra
A cidade que já foi o coração do conhecimento mundial e símbolo da resistência cultural do Oriente Médio / USACE/Wikimedia Commons
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Muito antes de Paris, Nova York ou Londres serem consideradas polos globais de conhecimento e cultura, uma cidade no coração do Oriente Médio já era chamada de “Cidade do Saber”. Trata-se de Bagdá, fundada em 762 d.C. pelo califa Al-Mansur, durante o auge do Califado Abássida, uma das mais influentes dinastias do mundo islâmico medieval.
Planejada em formato circular e cortada por avenidas concêntricas, Bagdá era conhecida como “Madinat al-Salam” — a Cidade da Paz, nome dado oficialmente à capital.
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No entanto, o nome “Bagdá” é mais antigo e remonta ao período pré-islâmico, possivelmente de origem persa: deriva de Bagh (“deus”) e dad (“dado” ou “presente”), significando “presente de Deus”. O termo já designava uma pequena vila agrícola na região antes da fundação da cidade abássida.
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Durante o chamado Período de Ouro Islâmico (séculos VIII a XIII), Bagdá se transformou no maior centro intelectual do mundo. O árabe tornou-se a língua universal da ciência, e foi ali que nasceu a lendária Casa da Sabedoria (Bayt al-Hikma), fundada por volta do século IX.
Financiada pelos califas Harun Al-Rashid e Al-Mamun, a instituição reunia estudiosos de diversas religiões e origens, que traduziam textos do grego, do sânscrito e do persa — preservando e ampliando o conhecimento da Antiguidade.
Entre os nomes que marcaram a história estão Al-Khwarizmi, considerado o pai da álgebra e da computação moderna (o termo “algoritmo” vem de seu nome), e Al-Razi, pioneiro da medicina experimental e da química.
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Outro destaque foi Hunayn ibn Ishaq, tradutor de Hipócrates e Galeno, médicos que ajudaram a formar uma medicina mais racional e sistemática.
Além da Casa da Sabedoria, a cidade abrigava observatórios astronômicos, hospitais, bibliotecas públicas e escolas que funcionavam como universidades. O modelo de ensino e pesquisa desenvolvido ali influenciaria diretamente o Renascimento europeu, séculos depois.
O Califado Abássida sucedeu os Omíadas e transferiu a capital do império de Damasco, na Síria, para a recém-fundada Bagdá, às margens do rio Tigre.
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A mudança foi estratégica: a nova localização aproximava o governo das antigas rotas comerciais da Pérsia e da Mesopotâmia, fortalecendo o império tanto economicamente quanto culturalmente.
Bagdá tornou-se um mosaico multicultural, onde árabes, persas, turcos, indianos, gregos e judeus conviviam e trocavam ideias. A tolerância religiosa e a valorização do saber tornaram-se marcas da administração abássida. Era comum que cientistas cristãos, judeus e muçulmanos trabalhassem lado a lado nas mesmas instituições.
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O esplendor da cidade terminou de forma trágica. Em 1258, o exército mongol liderado por Hulagu Khan, neto de Gêngis Khan, cercou e conquistou Bagdá. Após semanas de resistência, a cidade foi devastada.
Relatos de cronistas árabes e persas descrevem que o rio Tigre escureceu pela tinta dos livros jogados na água e pelo sangue dos mortos. Estima-se que centenas de milhares de pessoas tenham sido assassinadas e que séculos de conhecimento acumulado tenham se perdido para sempre.
Com a execução do califa Al-Musta'sim, o Califado Abássida chegou ao fim, encerrando uma era de mais de 500 anos de esplendor cultural e científico.
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Mais de sete séculos depois, em 2003, Bagdá foi novamente arrasada durante a invasão do Iraque pelos Estados Unidos. A cidade sofreu intensos bombardeios e viu seu patrimônio cultural ser dilapidado.
A Biblioteca Nacional do Iraque e o Museu Nacional de Bagdá foram saqueados e incendiados. Manuscritos abássidas, tábuas cuneiformes mesopotâmicas e artefatos de mais de 4 mil anos desapareceram. A UNESCO classificou o episódio como uma das maiores perdas culturais da história moderna.
Falando em artefatos saqueados, países têm pedido o retorno de peças históricas. O Egito, por exemplo, voltou a exigir do Reino Unido a devolução da Pedra de Roseta, após a inauguração de um novo museu.
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Apesar da tragédia, nos últimos anos o país vem promovendo projetos de restauração de acervos e digitalização de manuscritos antigos, com apoio de universidades estrangeiras e de entidades internacionais.
O viajante, Luca Bassani, mostra Bagdá após 20 anos da invasão americana:
Atualmente, Bagdá segue como um importante centro acadêmico e cultural. A Universidade de Bagdá, fundada em 1957, é uma das maiores do Oriente Médio e mantém programas voltados à preservação do patrimônio histórico. A antiga Universidade Mustansiriya, criada no século XIII, ainda funciona, sendo considerada uma das mais antigas instituições de ensino do mundo.
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O governo iraquiano, em parceria com a UNESCO, investe na revitalização de áreas históricas e na revalorização da identidade cultural da cidade. Projetos recentes buscam reconstruir a Casa da Sabedoria em formato moderno, como um centro de pesquisa e intercâmbio científico internacional.
Bagdá continua sendo um símbolo de resistência do conhecimento diante da guerra. Sua história lembra que, mesmo quando livros são queimados e cidades arrasadas, as ideias sobrevivem — e o saber sempre encontra caminhos para renascer.