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No YouTube e nas redes sociais, esse tipo de conteúdo acumula milhões de visualizações e comentários descrevendo a sensação como "satisfatória" ou 'viciante'
Vídeos de espinhas dividem opiniões, mas a ciência mostra que o prazer e a repulsa podem andar lado a lado / Gerado por IA/Gemini
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Uma das tendências mais controversas dos últimos anos é assistir videos detalhados de pessoas tratando em um dermatologista, clinícas de estética, ou até em casa, várias impurezas da pele, como: espinhas, cravos, comedões e cistos. Para muitos a reação desses videos é de nojo, porém videos desse tipo chegam a 10 milhões de visualizações.
O que para muitos causa repulsa, para outros é quase um passatempo relaxante. No YouTube e nas redes sociais, esse tipo de conteúdo acumula milhões de visualizações e comentários descrevendo a sensação como “satisfatória” ou “viciante”.
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Essa popularidade chegou a televisão, o canal Discovery Home & Health criou um programa para a dermatologista Sandra Lee, veja um episódio do programa:
Mas afinal, por que algo que provoca nojo em algumas pessoas desperta prazer em outras? Pesquisadores da Universidade de Graz, na Áustria, decidiram investigar a fundo esse fenômeno, e publicaram dois estudos que, combinando métodos de neuroimagem e análises de personalidade, ajudam a entender o que se passa na mente dos fãs de vídeos de espinhas.
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O primeiro estudo, publicado em 2021 na revista Behavioural Brain Research, utilizou exames de ressonância magnética funcional (fMRI) para observar a atividade cerebral de 80 mulheres enquanto assistiam a diferentes tipos de vídeos: espinhas sendo espremidas, fontes de água e limpezas a vapor. O objetivo era comparar reações a imagens consideradas “repulsivas” com outras visualmente dinâmicas, mas neutras.
Os resultados mostraram que o grupo que dizia gostar de vídeos de espinhas, chamado de “PPE_high” pelos cientistas, que apresentava um padrão neural diferente do grupo que sentia aversão. Entre as regiões analisadas, duas se destacaram: o núcleo accumbens, associado ao sistema de recompensa e prazer, e a ínsular, área envolvida na percepção de nojo e emoções corporais.
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Nos participantes que apreciavam o conteúdo, o núcleo accumbens mostrou menor desativação e uma conexão mais forte com a ínsula. Isso sugere que essas pessoas experimentam uma mistura única de emoções: sentem repulsa, mas também prazer e alívio. Já o grupo que detestava o conteúdo mostrava forte inibição dessas áreas, um padrão típico de resposta a algo aversivo.
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Segundo os autores, esse “prazer dentro do nojo” pode funcionar como uma forma de exposição controlada ao asco, uma maneira segura de lidar com emoções negativas. “Assistir a esses vídeos permite que as pessoas experimentem repulsa sem correr riscos reais, o que pode ajudar o cérebro a praticar a regulação emocional”, explicam os pesquisadores. Essa hipótese é semelhante ao que ocorre com fãs de filmes de terror, que buscam emoções intensas em um ambiente previsível e seguro.
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Três anos depois, os mesmos cientistas ampliaram a investigação para entender o perfil psicológico das pessoas que se interessam por esse tipo de conteúdo. O novo estudo, publicado em 2024 na revista Discover Psychology, analisou, aproximadamente, mais de 600 participantes e encontrou correlações entre o prazer em assistir vídeos de espinhas e certos traços de personalidade.
Os resultados apontaram que indivíduos com maior curiosidade mórbida, o interesse em situações ligadas a perigo, doenças ou até morte, tendem a se envolver mais com esse tipo de vídeo. Essa curiosidade, explicam os autores, é uma característica evolutiva: aprender sobre ameaças potenciais pode ajudar o ser humano a lidar com riscos no mundo real.
Outro traço relevante foi o chamado masoquismo benigno, conceito criado pelo psicólogo Paul Rozin, que descreve o prazer em experiências desconfortáveis, mas inofensivas, como comer pimenta, assistir a filmes tristes ou enfrentar uma montanha-russa. Nesse contexto, o desconforto físico ou emocional é acompanhado pela sensação de controle, o que transforma o sofrimento em prazer.
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Em resumo, o “vício” em vídeos de espinhas pode ser explicado como uma forma de entretenimento emocionalmente complexa: mistura nojo, alívio e curiosidade, ativando mecanismos cerebrais de recompensa enquanto o espectador observa algo potencialmente repulsivo, mas sem perigo real.
Os pesquisadores também notaram diferenças de gênero: as mulheres tendem a relatar maior interesse nesse tipo de vídeo, algo que pode estar ligado a uma atenção maior aos cuidados com a pele e à busca por informação estética.
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A junção de curiosidade, alívio e controle explica por que o ato de ver o pus sair de um poro se torna, para muitos, quase uma catarse visual. Trata-se de um ritual moderno de purificação, o mesmo prazer que há em ver algo sujo ser limpo, ou em assistir a vídeos de organização. O cérebro, dizem os neurocientistas, responde a esse tipo de resolução com a liberação de dopamina, o neurotransmissor do prazer.
Em tempos de redes sociais, esse tipo de conteúdo parece preencher uma necessidade humana antiga, com um novo visual na era digital: a de explorar o repulsivo de forma segura. No fim das contas, os vídeos de espinhas não são apenas sobre pele, são sobre o fascinante equilíbrio entre o nojo e o prazer, entre o que queremos ver e o que não conseguimos parar de olhar.
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