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Por que a 'síndrome da garota sortuda' pode ser mais perigosa do que parece

Movimento viral ganhou milhões de adeptos com mantras de otimismo, mas psicólogos alertam para riscos de positividade tóxica

Luana Fernandes Domingos

Publicado em 31/08/2025 às 13:09

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A 'síndrome da garota sortuda' se tornou uma das grandes febres do TikTok nos últimos anos / Pexels

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A chamada “síndrome da garota sortuda” se tornou uma das grandes febres do TikTok nos últimos anos. A ideia, aparentemente simples, consiste em repetir mantras como “Tenho muita sorte, tudo dá certo para mim” e acreditar que o universo conspirará a favor.

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A criadora de conteúdo Laura Galebe foi uma das primeiras a divulgar o conceito em 2022, relatando que alcançava conquistas extraordinárias apenas esperando coisas boas acontecerem.

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Logo, vídeos de jovens compartilhando experiências semelhantes viralizaram com a hashtag #Luckygirlsyndrome, acumulando milhões de visualizações.

Para muitos usuários, a prática funcionaria como uma espécie de “atalho” para o sucesso, sem necessidade de grandes esforços além da mentalidade positiva.

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Raízes em velhas ideias de autoajuda

Embora pareça uma novidade da Geração Z, a síndrome tem origens em conceitos já bastante explorados. Ela dialoga diretamente com a lei da atração, popularizada no best-seller O Segredo (2006), e com a lei da suposição, proposta pelo filósofo Neville Goddard nos anos 1940 e 1950.

A lógica é semelhante: acreditar firmemente que algo já é seu aumentaria as chances de conquistá-lo, pois a mente passaria a enxergar oportunidades antes invisíveis.

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Psicólogos explicam que essa percepção está relacionada ao sistema de ativação reticular, rede de neurônios que filtra informações para confirmar crenças preexistentes. É o mesmo fenômeno que faz alguém perceber sempre o mesmo horário no relógio ou notar repetidamente um carro do mesmo modelo que deseja comprar.

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Quando o otimismo se torna tóxico

Apesar de parecer inofensiva, a tendência também traz riscos. Especialistas apontam que a síndrome pode reforçar a positividade tóxica, quando emoções negativas são sistematicamente ignoradas.

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Nesse cenário, pessoas que enfrentam dificuldades reais podem sentir-se culpadas por não alcançar resultados, acreditando que falharam por “não pensar positivo o suficiente”.

Esse raciocínio leva ao chamado “otimismo cruel”, conceito descrito pela teórica cultural Lauren Berlant: a crença de que é possível resolver problemas estruturais apenas com soluções individuais.

Na prática, isso transfere a responsabilidade de questões sociais complexas — como desigualdade, racismo e crises econômicas — para o indivíduo.

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O peso do privilégio

Outro ponto de crítica é o recorte social por trás da tendência. Grande parte das criadoras que popularizaram a síndrome são mulheres brancas, jovens, financeiramente estáveis e com padrões de beleza valorizados.

Assim, os “milagres” conquistados — desde passagens aéreas de última hora até ingressos para shows disputados — refletem privilégios já existentes, e não apenas a força do pensamento positivo.

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Para muitos críticos, a síndrome acaba mascarando desigualdades e vendendo a ilusão de que basta mudar a mentalidade para superar obstáculos, quando fatores estruturais ainda exercem papel central nas oportunidades de cada pessoa.

Benefícios reais, mas com ressalvas

Por outro lado, psicólogos não descartam totalmente os efeitos positivos da prática. Reformular pensamentos pode aumentar a autoestima, reduzir o estresse e melhorar a saúde mental. Estudos indicam que manter uma visão mais otimista ajuda no enfrentamento de desafios e fortalece a resiliência.

A diferença, segundo especialistas, está no como aplicar essa mentalidade. Técnicas validadas pela ciência, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC), também trabalham a substituição de padrões de pensamento negativos, mas com base em evidências e estratégias práticas, e não na crença de que o universo resolverá todos os problemas.

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Entre a motivação e a ilusão

No fim, a “síndrome da garota sortuda” se apresenta como uma faca de dois gumes. De um lado, pode servir como ferramenta de motivação e ajudar pessoas a acreditarem mais em si mesmas. De outro, quando levada ao pé da letra, corre o risco de gerar frustrações, transferir culpas injustas e invisibilizar desigualdades.

Especialistas recomendam cautela: pensar positivo pode ser saudável, mas não deve substituir esforço, planejamento e consciência crítica sobre fatores externos. Afinal, sorte e mentalidade ajudam, mas não explicam sozinhas o complexo jogo de oportunidades da vida real.

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