Sauá albino registrado no Parque Estadual do Rio Doce, em MG; caso é o primeiro do mundo e levanta discussões sobre isolamento genético e impactos ambientais / Primatas PERDidos
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Em meio à imensidão verde do Parque Estadual do Rio Doce, um registro inédito surpreendeu pesquisadores: pela primeira vez, um sauá albino foi identificado na Mata Atlântica brasileira, revelando um fenômeno jamais documentado para a espécie.
Pesquisadores do projeto Primatas PERDidos registraram um sauá albino (Callicebus nigrifrons), durante um levantamento populacional feito com drones equipados com câmeras, no maior fragmento contínuo de Mata Atlântica de Minas Gerais.
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A descoberta ocorreu quando os equipamentos detectaram o calor de alguns animais na mata fechada. Ao alternar para a câmera colorida, a equipe se deparou com um indivíduo completamente branco.
"A câmera termal detectou o calor de alguns animais, e quando passamos para a câmera colorida, vimos um indivíduo completamente branco", conta a bióloga Vanessa Guimarães, cofundadora do projeto, a BBC News Brasil.
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Surpresa com o que via, a pesquisadora lembra da reação imediata: "Na hora eu pensei: 'Que espécie é essa?'. Só depois, comparando com os outros indivíduos, percebemos que era um sauá. Foi um choque. É como encontrar uma agulha no palheiro."
Casos de albinismo em primatas neotropicais, espécies da América Central e do Sul, são extremamente raros, e até hoje não havia registros do fenômeno entre as 63 espécies da família do sauá.
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O monitoramento com drones, capazes de captar tanto o calor corporal quanto detalhes visuais, tem sido essencial para revelar animais em áreas pouco acessíveis. Segundo Guimarães, "O drone é uma ferramenta tecnológica muito eficaz para o levantamento de fauna. Ele nos permite acessar lugares onde não conseguiríamos chegar a pé, de forma mais rápida e com menos impacto sobre os animais."
Foi dessa forma que o sauá albino pôde ser observado em seu grupo. O indivíduo estava acompanhado de dois animais de coloração normal e apresentava comportamento totalmente integrado um comportamento considerado incomum, já que animais albinos podem ser rejeitados pelos pares.
"Ele parecia totalmente integrado ao grupo, o que é interessante, porque muitas vezes animais albinos são rejeitados ou atacados pelos seus pares. Nesse caso, o comportamento era tranquilo, natural", afirma a bióloga.
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Para os pesquisadores, o surgimento desse indivíduo raro é simbólico e aponta preocupações ambientais mais amplas. O fenômeno pode refletir consequências do isolamento populacional provocado pela degradação ao redor do parque.
"O Parque Estadual do Rio Doce é uma espécie de ilha verde cercada por áreas degradadas", afirma Guimarães.
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A bióloga lembra que "o entorno vem sofrendo há mais de 150 anos com a expansão urbana, a monocultura e as atividades agroindustriais. Isso afeta o fluxo genético das espécies e pode aumentar a endogamia, ou seja, a reprodução entre parentes próximos."
O isolamento reduz a variabilidade genética, o que pode favorecer o surgimento de mutações como o albinismo. Guimarães também destaca que agentes externos, como poluição atmosférica e uso de agrotóxicos, podem interferir na expressão genética dos animais.
"Estudos apontam que gases como dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre podem causar alterações na pigmentação", explica. "Não podemos afirmar que foi o caso do sauá, mas é uma hipótese plausível."
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O sauá, também chamado de guigó, é endêmico da Mata Atlântica e ocorre em Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. De hábitos diurnos e comportamento discreto, vive em pequenos grupos monogâmicos e é mais ouvido do que visto, graças ao dueto vocal característico realizado por casais para marcar território.
Frugívoro, ou seja, que se alimentam de frutas, o primata tem papel fundamental na dispersão de sementes, auxiliando na regeneração da floresta. Apesar de sua importância ecológica, está classificado como "quase ameaçada de extinção", de acordo com a lista nacional de espécies ameaçadas do ICMBio devido à perda e fragmentação contínua do habitat.
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O registro do sauá albino, além de raro, reforça a necessidade urgente de preservar e conectar os remanescentes florestais da Mata Atlântica, garantindo a sobrevivência genética e ecológica de espécies como o sauá.