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Crimes marcaram o Brasil no fim dos anos 1990, revelando a face sombria de Francisco de Assis Pereira, o motoboy que seduzia mulheres com falsas promessas de sucesso
O Parque do Estado foi o local dos crimes que chocaram 1998 / Governo do Estado de São Paulo
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O ano de 1998 foi marcante: Fernando Henrique Cardoso havia sido reeleito; nos cinemas, Titanic, O Show de Truman e Central do Brasil dominavam as bilheterias; na TV, Torre de Babel ocupava o horário nobre; e, claro, nascia o Diário do Litoral.
Mas 1998 também foi um ano de horror para os brasileiros e decisivo para a crônica policial: foi quando os crimes de Francisco de Assis Pereira aterrorizaram as ruas de São Paulo.
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O motoboy, na época com 30 anos, ficou nacionalmente conhecido como o Maníaco do Parque, chocando o país com a brutalidade de seus crimes de estupro e assassinato de mulheres no final da década de 90.
Condenado a mais de 280 anos de prisão, Chico Estrela — nome pelo qual era conhecido como patinador profissional — deve ser libertado em 2028. Isso porque, na época de seu julgamento, a legislação limitava o tempo máximo de cumprimento de pena a 30 anos.
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Francisco de Assis Pereira, nasceu em São José do Rio Preto em 29 de Novembro de 1967 e trabalhava como motoboy. Sua personalidade era marcada por um contraste entre seu charme e sua psicopatia. “Ele era invisível, como todo psicopata, muito elogioso. Com muita educação, empático, nem parece que é o Maníaco do Parque, uma pessoa agradável com as mulheres” descreveu o jornalista Ullisses Campbell, autor de uma biografia sobre o criminoso, em uma entrevista à CNN. Era dessa forma que conquistava a confiança das vítimas.
Sua infância e adolescência foram repletas de negligência familiar e abusos. Ele foi rejeitado pela família e chegou a fazer xixi na cama até os 15 anos. Seu avô, que fazia rituais e bebia sangue de animais, teria dito que a mãe, quando grávida, estava gerando o "bebê do diabo". Francisco teria sido vítima de abuso sexual por uma tia materna (versão que a tia nega) e passou por experiências homossexuais forçadas com um de seus chefes.
Um aspecto crucial em sua personalidade assassina foi seu trabalho em um matadouro, matando bois com marretadas, onde viu os animais em posições que ele replicaria em suas vítimas.
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Francisco é considerado um serial killer, segundo a criminóloga e escritora Ilana Casoy, estes fazem várias vítimas com o mesmo perfil, seguindo um método específico para matar. Este é chamado de "Modus operandi", expressão em latim que significa "modo de operar".
Para o motoboy o processo se iniciava abordando suas vítimas — geralmente mulheres jovens, magras, morenas, de cabelos longos, e que pareciam tristes ou de "cabeça baixa" (sinal que ele usava para identificar baixa autoestima) — com a promessa de uma carreira de modelo ou de um ensaio fotográfico para catálogos de cosméticos.
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Depois de convencer as jovens a subirem na garupa de sua moto, ele as levava ao matagal do Parque do Estado. No local, humilhava-as, espancava-as e estuprava-as. O assassinato era geralmente por estrangulamento com um cadarço.
Os corpos de algumas vítimas foram encontrados ajoelhados, em posição de reverência, e com marcas de mordidas no corpo. A posição ajoelhada era semelhante à que ele via os bois abatidos no matadouro.
Os crimes ocorreram entre 1997 e 1998 e se concentravam no Parque do Estado, na zona Sul de São Paulo, o que originou seu nome midiático. Ele foi condenado pelo assassinato de sete mulheres e pelo estupro de mais de uma dezena de jovens, embora tenha confessado ter matado 11 mulheres ao todo.
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Segundo suas próprias estimativas, Francisco levou ao menos 200 mulheres ao parque ao longo de dois anos, assassinando nove delas. A polícia, porém, atribui a ele onze vítimas, embora tenha sido condenado por apenas sete homicídios. Francisco também confessou ter praticado necrofilia, beijando e tendo atos sexuais com os cadáveres.
O caso Maníaco do Parque chocou o Brasil e gerou um clima de medo e insegurança na população de São Paulo. O procurador Edílson Mougenot Bonfim relembrou, em entrevista ao G1, que o caso se tornou uma "verdadeira novela midiática", com a imprensa cobrindo os crimes em série, o que aconteceu em paralelo à cobertura da Copa do Mundo de 1998.
O público se demonstrou fascinado, tanto que uma pesquisa do Instituto Brasilrito de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) para o Ministério Público, em 2004, demonstrou que o caso policial era o mais lembrado pelos brasileiros, com um índice de 75%. O caso foi tão marcante que a Prime Video produziu um filme e um documentária com base em sua história:
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A investigação sobre o Maníaco do Parque, Francisco de Assis Pereira, começou de forma desarticulada, já que as primeiras vítimas foram registradas em diferentes delegacias de São Paulo. Cada homicídio era tratado como um caso isolado — até que o delegado Sérgio Luís da Silva Alves, do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), assumiu o inquérito e centralizou as apurações. Ele conectou os crimes a partir do modus operandi.
O avanço decisivo ocorreu quando Karina Oliveira, uma das vítimas que sobreviveu, colaborou com a polícia. Em 10 de julho de 1998, ela descreveu detalhadamente o agressor — nariz achatado, falha na sobrancelha, dentes amarelados e marcas de acne —, permitindo que a polícia civil elaborasse o retrato falado.
Dois dias depois, em 12 de julho, o desenho foi publicado na Folha de S.Paulo, no mesmo dia da final da Copa do Mundo de 1998, quando o Brasil perdeu para a França. No dia seguinte, uma mulher que havia sido abordada por Francisco reconheceu o homem do retrato e informou o nome verdadeiro dele à polícia, levando à descoberta de seu local de trabalho, a JR Express.
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Quando a polícia chegou à transportadora, Francisco já havia fugido, deixando um bilhete: “Infelizmente tem que ser assim. Que Deus esteja com todos nós.” Ele se escondeu inicialmente na casa do irmão, em Diadema, mas foi expulso pela cunhada ao ser reconhecido. Em seguida, embarcou na Rodoviária Tietê em um ônibus para o Paraguai, viajando até Assunção.
Durante a fuga, Francisco usou o nome falso “Pedro” e após passar por duas cidades do Paraguai, ir para Argentina e atravessar o rio Uruguai, se abrigou em uma colônia de pescadores no município de Itaqui, no Rio Grande do Sul, próximo à fronteira com o Paraguai.
Passou a trabalhar como ajudante de barqueiros, mas acabou sendo reconhecido por um pescador que viu seu rosto no Jornal Nacional. O dono da colônia verificou sua mochila e encontrou o RG verdadeiro com o nome “Francisco de Assis Pereira”. Em 4 de agosto de 1998, após 22 dias foragido, ele foi preso pela Polícia Civil gaúcha, em uma operação comandada pelo delegado Raul Fernando da Silva Bósio, e levado algemado para São Paulo.
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A confissão ocorreu logo após sua prisão, em agosto de 1998, no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Durante o interrogatório conduzido pelo delegado Sérgio Luís, ele admitiu ter assassinado várias mulheres no Parque do Estado, em São Paulo. Francisco afirmou: “Todos os crimes cometidos no Parque do Estado foram feitos por mim”.
Depois de confessar, ele levou os policiais até o local dos assassinatos, indicando pontos exatos por onde atraía as vítimas, o buraco no muro por onde entravam, e os lugares onde escondia os corpos. Segundo o delegado, o comportamento de Francisco mudava dentro da mata — de cabisbaixo e silencioso, passava a falar com empolgação e até certa altivez, como se revivesse os crimes.
Nos interrogatórios seguintes, ele insistia que uma “força maligna” o dominava, dizendo sentir-se possuído e incapaz de controlar seus impulsos.
Durante o julgamento, manteve a confissão, mas justificou os crimes com alegações sobrenaturais, dizendo que o “demônio” o transformava em um monstro. Mais tarde, orientado por suas advogadas, passou a recuar, afirmando não lembrar exatamente quantas vítimas havia feito — uma tentativa de alegar insanidade. Mesmo assim, suas declarações iniciais e o detalhamento dos locais e métodos foram fundamentais para sua condenação de 285 anos, 11 meses e dez dias .
Apesar de sua condenação de mais de 200 anos, na lei brasileira o limite máximo de cumprimento de pena é de 30 anos. Por esta razão, a data prevista para o término de sua pena é agosto de 2028.
A libertação não é automática. O processo penal exige a realização de novas baterias de exames psicológicos e laudos de psiquiatras para que a Justiça possa avaliar se ele tem potencial para cometer novos crimes.
Embora um laudo psiquiátrico (do psiquiatra Paulo Argarate Vasques) o tenha classificado como semi-imputável — reconhecendo que ele compreendia a gravidade dos crimes, mas não tinha controle total sobre suas ações —, os jurados e juízes o consideraram imputável em seus quatro julgamentos (entre 2001 e 2002), decidindo que ele deveria cumprir pena em uma prisão comum, e não em um manicômio judicial.
O risco de reincidência é o ponto mais alarmante para a sociedade e para as autoridades. O próprio Francisco afirmou aos delegados e ao juiz que, se fosse solto, acabaria matando de novo, atribuindo o desejo a uma "força maligna". Atualmente, Francisco de Assis Pereira cumpre pena em regime fechado na Penitenciária Orlando Brando Filinto, em Iaras (SP).
Elisângela Francisco da Silva, 21 anos — natural do Paraná, vivia em São Paulo há pouco tempo. Jovem tímida e sonhadora, havia abandonado os estudos na 7ª série para ajudar a família. Gostava de passear aos fins de semana e sonhava com um emprego estável que lhe garantisse independência. Saiu de casa dizendo que encontraria uma amiga, mas nunca mais voltou.
Isadora Fraenkel, 19 anos — estudante aplicada e apaixonada por aviação, sonhava em ser comissária de bordo. Vinda de uma família de classe média, era descrita pelos amigos como generosa e curiosa. Estava prestes a começar um curso de inglês quando desapareceu. Seu desaparecimento mobilizou colegas e familiares por semanas.
O pai de Isadora, Cláudio Fraenkel, foi a polícia porem não ignorada, porém a esperança reacendeu quando descobriu movimentações recentes na conta bancária de Isadora. Dois cheques — um de R$ 200 e outro de R$ 500 — haviam sido emitidos em nome de Francisco de Assis Pereira, motoboy da empresa JR Express.
O nome soava estranho, mas o pai acreditou que poderia ser a chave para encontrar a filha. Entregou as cópias à polícia, pedindo que investigassem o homem.Na manhã seguinte, o próprio Francisco apareceu no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) para prestar depoimento.
Calmo e sorridente, mentiu em todos os detalhes. Disse que havia conhecido Isadora em São Vicente, quatro ou cinco meses antes, e que viviam um relacionamento amoroso. Alegou que ela o ajudara financeiramente ao assinar os cheques para a compra de uma moto.
Mesmo já tendo assassinado a jovem, Francisco falou com naturalidade e foi liberado logo após a oitiva — uma oportunidade perdida que poderia ter interrompido a série de crimes que ainda viriam.
Horas depois de deixar a delegacia, Francisco foi ao Parque do Estado e levava consigo um galão de gasolina. O corpo de Isadora já estava em avançado estado de decomposição, parcialmente devorado por urubus. O assassino despejou o combustível e ateou fogo, destruindo quase todos os vestígios.
Michelle dos Santos Martins, 18 anos — alegre e comunicativa, vivia com os pais na Zona Oeste de São Paulo. Gostava de música e moda, e fazia planos de trabalhar como vendedora em uma loja de roupas. Foi vista pela última vez na Vila Madalena, em um fim de semana comum, quando decidiu dar uma volta sozinha.
Patrícia Gonçalves Marinho, 23 anos — vendedora e conhecida pelo bom humor no trabalho. Era muito ligada à família, com quem morava em Santo Amaro. Sonhava em abrir um pequeno salão de beleza e tinha planos de se casar. O desaparecimento repentino deixou amigos inconsoláveis.
Raquel Mota Rodrigues, 23 anos — natural de Gravataí (RS), mudou-se para São Paulo em busca de melhores oportunidades. Trabalhava como vendedora em uma loja de móveis e estava prestes a ser promovida a gerente. Era independente, batalhadora e falava com orgulho da nova fase da vida.
Rosa Alves Neta, 21 anos — apaixonada por esportes, era aluna de patinação no Parque do Ibirapuera, onde conheceu Francisco. Sonhava em participar de competições e trabalhava em meio período para pagar as aulas. O parque, que era seu refúgio, acabou se tornando o cenário de sua tragédia.
Selma Ferreira Queiroz, 18 anos — balconista na Drogaria São Paulo, era descrita como responsável e carinhosa com os colegas. Morava com os pais e economizava parte do salário para concluir o ensino médio. Tinha o sonho simples e sincero de crescer profissionalmente e ajudar a família.