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Especialistas alertam que o planeta já vive os efeitos do aquecimento global acima da meta do Acordo de Paris e que o cenário exige medidas mais urgentes
Aquecimento acima de 1,5°C já preocupa cientistas na COP30, que discutem como evitar danos irreversíveis ao clima / Pch.vector/Freepik
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A meta de manter o aquecimento global em até 1,5°C, estabelecida pelo Acordo de Paris em 2015, está cada vez mais distante. Cientistas alertam que o planeta deve ultrapassar esse patamar já na próxima década — um fenômeno conhecido como “overshoot”, que pode causar danos irreversíveis aos ecossistemas e à vida humana.
O alerta foi reforçado às vésperas da COP30, conferência climática que acontece em Belém (PA), e pressiona líderes mundiais a adotarem metas mais ambiciosas de redução de emissões.
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O biólogo Paulo Jubilut, explica o fenômeno:
O termo “overshoot” descreve o momento em que o aquecimento global ultrapassa temporariamente o limite de 1,5°C em relação ao período pré-industrial — mesmo que, em teoria, esse valor possa ser reduzido no futuro.
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Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), essa ultrapassagem significaria o início de mudanças irreversíveis em diversas regiões do planeta, como o derretimento acelerado das calotas polares e o colapso de ecossistemas costeiros e montanhosos.
"Com um derretimento mais acentuado do manto de gelo, tanto no hemisfério norte como no hemisfério sul, o fato de depois voltar para 1,5°C não vai implicar na recuperação das áreas cobertas com neve e gelo que foram perdidas", explica a cientista Mercedes Bustamante, autora de relatórios do IPCC.
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Em 2024, a Terra já ultrapassou o limite de 1,5°C pela primeira vez. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva lembrou o fato em seu discurso de abertura da cúpula climática: "A ciência já indica que essa elevação vai se estender por algum tempo ou até décadas, mas não podemos abandonar o objetivo do Acordo de Paris".
Os efeitos já são visíveis. No Brasil, enchentes no Rio Grande do Sul, a seca histórica na Amazônia e os incêndios no Pantanal foram alguns dos eventos extremos ligados ao aumento da temperatura média. "O mundo teve em 2024 o primeiro encontro com o ‘overshoot’, com a temperatura chegando em 1,5°C, e vimos o que aconteceu no Brasil", afirma Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima.
Relembre esses eventos climáticos dos últimos anos:
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De acordo com o IPCC, entre 70% e 90% dos corais do planeta morreriam se o aquecimento ultrapassar 1,5°C, o que afetaria toda a cadeia alimentar marinha. Outro ponto crítico é o derretimento do permafrost, o solo congelado do Ártico que armazena grandes quantidades de metano — um gás 25 vezes mais potente que o CO.
"O derretimento vai implicar o desequilíbrio de todo um sistema, o solo vai desmoronar. Muitos pesquisadores colocam a preocupação também com micro-organismos que podem causar doenças novas se forem descongelados", alerta Bustamante.
As consequências do aquecimento não serão iguais em todo o planeta. De acordo com o IPCC, nas altas latitudes, onde se localizam os polos, o aquecimento poderá chegar a 4,5°C durante o inverno, ou seja, cerca de três vezes superior ao limite de 1,5°C definido como meta.
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Mesmo nos cenários mais otimistas, o planeta deve esquentar entre 2,3°C e 2,5°C até o fim deste século, caso todas as metas voluntárias para 2035 sejam cumpridas, segundo o Pnuma. Se as políticas atuais forem mantidas, a elevação média poderá alcançar 2,8°C.
"As áreas continentais vão se aquecer muito mais do que a média global. O aquecimento contratado para o Brasil, em um cenário de 2,8°C, será entre 3,5°C e 4°C", afirma o físico Paulo Artaxo, autor de relatórios do IPCC.
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Os especialistas afirmam que, em teoria, seria possível voltar ao limite de 1,5°C, mas isso dependeria de remoção em massa de carbono da atmosfera e emissões negativas em escala global — tecnologias que ainda estão em desenvolvimento.
"Isso não quer dizer que em cem anos essas tecnologias [de remoção de gases] não possam aparecer e permitir a redução da temperatura do planeta, mas sem dúvida nenhuma é melhor se precaver, não deixar a temperatura do planeta passar de 1,5°C ou 2°C", diz Artaxo.
A chamada captura direta de carbono já é testada em países como Islândia e Canadá, mas ainda enfrenta altos custos e limitações técnicas.
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Embora o “overshoot” não esteja formalmente na pauta de negociações da COP30, o presidente da conferência, embaixador André Corrêa do Lago, reconhece que o tema deve ganhar espaço nas discussões paralelas, oficialmente chamada de agenda de ação.
"As soluções estão na agenda de ação, e o ‘overshoot’, evidentemente, torna ainda mais importante acelerar a implementação. Por mais que não seja uma boa notícia, mostra que a gente realmente tem que acelerar", afirmou.
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Para Mercedes Bustamante, as novas metas climáticas que os países apresentarão em 2030, com os objetivos para 2040, sejam significativamente mais ambiciosas e incluam estratégias de remoção de carbono da atmosfera. Segundo ela, isso é especialmente urgente para as nações que mais emitem gases de efeito estufa, que precisam promover cortes rápidos e expressivos acompanhados de ações de captura.
Já para Claudio Angelo, os países reunidos na COP30 terão de reconhecer oficialmente que o mundo ultrapassou a meta principal do Acordo de Paris. "Belém vai ter que pelo menos reconhecer que estamos entrando em ‘overshoot’ e reafirmar que o objetivo é limitar o aquecimento a 1,5°C", afirmou.