Mesmo com aparência frágil, os caracóis possuem adaptações extraordinárias que lhes permitem sobreviver por meses em estado de dormência / wirestock/Freepik
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Imagine poder desligar quase todos os sistemas do seu corpo e trancar a porta de casa por anos até que o clima melhore. É exatamente isso que algumas espécies de caracóis fazem.
Muito comum em jardins, este animal possui uma estratégia de sobrevivência para condições extremas: a estivação e hibernação, que dependendo da espécie podem estender um estado de dormência de até 3 anos.
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Como já dito a estivação é um tipo de “modo de sobrevivência” que os caracóis, acionam quando enfrentam muito calor e falta de água. Diferente da hibernação (que acontece no frio), a estivação é usada para evitar morrer de desidratação.
Ao entrar em estivação, o caracol não está apenas dormindo; ele está alterando a química do seu corpo, por isso ocorre uma redução drástica em sua energia, ou seja, o animal sofre uma inibição metabólica reversível.
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Em espécies como o caracol Otala lactea, a taxa metabólica basal cai para menos de 30% do que seria o seu repouso normal. Em alguns casos de estivação profunda, o consumo de energia pode cair para entre 1% e 20% do normal.
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Ocorre também uma "troca de combustível", como não está se alimentando, o caracol para de usar a glicose (açúcar) como fonte primária de energia e passa a queimar suas reservas de lipídios (gordura) acumuladas previamente. É uma mudança metabólica complexa que preserva as proteínas vitais.
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A maior ameaça para um molusco de corpo mole no verão é secar. Para evitar isso, o caracol recolhe o corpo para dentro da concha e secreta uma camada espessa de muco na abertura. Esse muco seca e endurece, formando uma estrutura chamada epifragma.
O epifragma atua como uma porta estanque que impede a perda de água por evaporação e protege o animal contra predadores e temperaturas extremas. Apesar disso, o período de 3 anos ocorre apenas em casos extremos, a maioria das dormências dura apenas alguns meses, o que já é muito impressionante.
Como o caracol não pode fazer suas necessidades durante meses ou anos, ele precisa lidar com a toxicidade interna, por isso seu corpo faz uma detoxificação, seu metabolismo de nitrogênio muda. A produção de amônia (que é tóxica) diminui, e a síntese de uréia aumenta.
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Ele possui também um truque de hidratação. O acúmulo controlado de ureia no corpo aumenta a concentração dos fluidos corporais, o que ajuda quimicamente a reter a água dentro das células e tecidos, evitando a desidratação fatal.
Quando o caracol sai da estivação, ele volta a respirar oxigênio rapidamente. Isso gera uma explosão de radicais livres (espécies reativas de oxigênio - ROS) que poderiam destruir suas células.
Para sobreviver a isso, o caracol aumenta suas defesas antioxidantes (enzimas como catalase e superóxido dismutase) durante a estivação, deixando o corpo "armado" para neutralizar os danos no momento exato em que acordar.
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A hibernação em caracóis é uma estratégia de sobrevivência fascinante que permite a esses moluscos enfrentar o frio extremo do inverno.
Quando as temperaturas caem, algumas espécies de caracóis terrestres reduzem drasticamente o metabolismo, desaceleram os batimentos cardíacos e entram em um estado profundo de dormência para preservar energia e evitar o congelamento dos tecidos.
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Um dos exemplos mais impressionantes é o caracol-romano (Helix pomatia). Antes do inverno chegar, ele se enterra no solo e sela completamente a abertura da concha com um epifragma calcário, que funciona como uma tampa protetora.
Esse selo cria uma barreira física que impede a entrada de gelo e reduz a perda de água. Dentro da concha, o animal se retrai profundamente e forma uma pequena bolsa de ar isolante, que funciona como uma camada extra de proteção térmica.
O corpo do caracol também passa por ajustes bioquímicos importantes. Ele expulsa o excesso de água para diminuir o risco de congelamento, e suas células quebram moléculas grandes em componentes menores, que funcionam como uma espécie de “anticongelante natural”. Graças a essas adaptações, algumas espécies conseguem suportar temperaturas extremamente baixas, o Helix pomatia, por exemplo, pode sobreviver a até –40 °C sem congelar.
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Assim como acontece na estivação, a hibernação é marcada por um metabolismo reduzido ao mínimo. Durante meses, o caracol vive apenas de suas reservas internas, aguardando que o ambiente volte a se tornar favorável. Com a chegada da primavera, ele rompe o epifragma, reidrata o corpo e retorna à superfície, retomando sua rotina lenta e surpreendentemente resiliente.
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Para além dessas estratégias extraordinárias de sobrevivência, os caracóis também se destacam por uma série de curiosidades fascinantes.
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Eles pertencem ao grupo dos gastrópodes e carregam consigo uma concha que cresce junto ao corpo e nunca é trocada, podendo até se regenerar parcialmente se o tecido produtor, o manto, permanecer intacto.
Movem-se graças a um único “pé” muscular, deslizando sobre muco para reduzir o atrito, e possuem rádulas, estruturas semelhantes a uma língua com minúsculos dentículos usados para raspar o alimento.
Apesar do ritmo lento, são animais altamente adaptáveis, encontrados em florestas, jardins, desertos e até ambientes urbanos. Esses pequenos moluscos, muitas vezes subestimados, revelam um mundo complexo de biologia, comportamento e resistência, que continua surpreendendo cientistas e curiosos.