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Cidade brasileira tem polonês como idioma oficial e 90% da população descendente

No interior do Rio Grande do Sul, essa cidade preserva a língua, festas e gastronomia trazidas pelos imigrantes poloneses há mais de um século

Júlia Morgado

Publicado em 27/11/2025 às 15:50

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Com 90% de descendentes, Áurea preserva o idioma e as tradições trazidas pelos imigrantes / Prefeitura Municipal de Áurea

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Áurea, no interior do Rio Grande do Sul, é um pedaço vivo da Polônia em solo brasileiro. Localizada no Alto Uruguai, a mais de 350 km de Porto Alegre, a cidade de pouco mais de 3,3 mil habitantes (Censo 2022) mantém laços tão fortes com as tradições dos antepassados que, em 2022, oficializou o polonês como um de seus idiomas oficiais ao lado do português.

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A lei, sancionada em 22 de julho daquele ano, não substitui a língua oficial do Brasil, mas reconhece o polonês como patrimônio cultural imaterial e instrumento de identidade local.

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A medida colocou Áurea entre os municípios brasileiros que cooficializaram línguas de imigrantes, como o pomerano, o talian e o hunsrückisch, mas com uma peculiaridade: em nenhuma outra cidade a presença de descendentes é tão dominante quanto ali.

Um “dzień dobry” tão comum quanto “bom dia”

Cerca de 90% dos habitantes de Áurea são descendentes diretos de poloneses. Estudos locais apontam até 92% de origem polonesa, além de pequenas parcelas de italianos, alemães e mestiços. No cotidiano da cidade, cumprimentar alguém com um simpático “dzień dobry” — bom dia em polonês — é tão natural quanto em português.

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A força do idioma vai além das conversas informais: ele foi incluído no currículo escolar do 6º ao 9º ano do ensino fundamental. No turno da noite, voluntários também oferecem aulas para moradores de todas as idades interessados em aprender ou aperfeiçoar a língua eslava.

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Imigração que moldou a identidade da cidade

A presença polonesa em Áurea começou a se formar no início do século XX. O povoamento teve início em 1906, mas um marco simbólico costuma ser lembrado: a chegada de doze famílias na madrugada de Natal de 1911. Conduzidos de trem até a região em que hoje é o município de Getúlio Vargas, os imigrantes foram orientados a caminhar por 17 quilômetros mata adentro. 

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Segundo Artemio Modtkowski, tradutor e autor de livros sobre a história local, a Polônia na época "mal existia", dividida por três impérios (Prússia, Império Russo e Áustria), muitos vieram com a promessa de terra do governo. 

Desde 1951, o Museu João Modtkowski — nome aportuguesado de "Jan", um dos primeiros imigrantes — preserva objetos, documentos, fotografias e relíquias que contam a história da imigração polonesa na região.

O espaço se tornou destino frequente de universitários e pesquisadores dedicados ao estudo das correntes migratórias no Rio Grande do Sul. Entre as imagens do acervo, destacam-se registros das primeiras casas construídas com rolos de eucalipto e da densa mata que cercava a localidade.

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Uma segunda leva expressiva de imigrantes chegou em 1944, quando, no contexto da Segunda Guerra Mundial, algumas famílias chegaram ao local, vindas principalmente da região de Legnica, no sudoeste Polonês, que foi altamente disputada em batalhas por nazistas e soviéticos. Foi nesse ano também que o local ganhou o nome de Vila Áurea. Em uma homenagem à princesa que assinou a lei que aboliu a escravatura no Brasil. 

Áurea se tornou oficialmente município em 1987, após sua emancipação política de Gaurama.

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Tradições preservadas

A herança polonesa se mantém viva em diferentes aspectos da vida cultural, como em sua praça principal, batizada em homenagem ao papa polonês, João Paulo II, falecido em 2005 e canonizado em 2014, mesmo ano em que ganhou uma estátua em Áurea, instalada em frente à Igreja Nossa Senhora de Częstochowa (ou de Montes Claros, como muitos preferem chamar ao pedir informações).

O município também escolhe anualmente sua corte de rainhas e princesas da imigração polonesa, mantém grupos de dança tradicional e, no início de junho se celebra a Festa da Czarnina, dedicada a um de seus pratos mais típicos.

Pronuciada como "tianina", a czarnina popularizou-se entre os imigrantes, "mais por necessidade do que por tradição", explica Artemio. O prato típico trata-se de uma sopa quente preparada com sangue de pato, temperado com vinagre e especiarias. Veja algumas fotos dessa celebração:

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Decoração típica da Festa da Czarnina, que celebra a culinária polonesa em Áurea/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Decoração típica da Festa da Czarnina, que celebra a culinária polonesa em Áurea/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Abertura oficial do evento reúne autoridades, grupos folclóricos e símbolos da comunidade polonesa/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Abertura oficial do evento reúne autoridades, grupos folclóricos e símbolos da comunidade polonesa/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Moradores desfilam com panelas tradicionais no ritual que marca o início da cerimônia gastronômica/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Moradores desfilam com panelas tradicionais no ritual que marca o início da cerimônia gastronômica/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Participantes servem a czarnina, prato emblemático mantido há gerações no município/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Participantes servem a czarnina, prato emblemático mantido há gerações no município/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Trajes típicos e apresentações folclóricas reforçam o vínculo cultural preservado na cidade/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Trajes típicos e apresentações folclóricas reforçam o vínculo cultural preservado na cidade/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Dançarinos exibem coreografias tradicionais, um dos destaques da programação festiva/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Dançarinos exibem coreografias tradicionais, um dos destaques da programação festiva/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Corte da festa representa a imigração polonesa e participa das celebrações oficiais/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Corte da festa representa a imigração polonesa e participa das celebrações oficiais/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Grupos folclóricos de várias idades se apresentam durante a festa que movimenta a cidade/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Grupos folclóricos de várias idades se apresentam durante a festa que movimenta a cidade/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Crianças também participam das danças típicas, reforçando a transmissão das tradições às novas gerações/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea
Crianças também participam das danças típicas, reforçando a transmissão das tradições às novas gerações/ Reprodução Facebook/Prefeitura Municipal de Áurea

Para quem prefere receitas menos inusitadas, há opções como o bigos, um cozido de carne suína com repolho e chucrute, e o pierogi, um pastelzinho de requeijão que pode ser servido frito ou cozido. Todos esses pratos são encontrados na Pousada da Mamucha, logo na entrada da cidade. Para arriscar algumas palavras do idioma, "sim, quero mais" em polonês é "tak, chcę więcej", e "não, obrigado" é "nie, ozdobny".

Reconhecimento nacional e documentos bilíngues

Pela força da cultura preservada, Áurea recebeu o título de Capital Nacional da Cultura Polonesa e se tornou referência na preservação da identidade dos imigrantes.

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Em 2025, a cidade deu mais um passo nesse reconhecimento: passou a emitir o primeiro alvará bilíngue em português e polonês do mundo, marcando oficialmente a integração da língua ao cotidiano administrativo do município.

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