Técnica desenvolvida em Minas transforma frutos imaturos em bebida especial e pode valorizar a produção na fazenda / Freepik
Continua depois da publicidade
Na produção de cafés especiais, a régua é alta. Só entram grãos com nota acima de 80 nas avaliações sensoriais feitas às cegas.
Qualquer sinal de defeito é motivo de descarte: mofado, quebrado, picado por inseto, pequeno demais ou, especialmente, verde. O fruto ainda imaturo costuma deixar o café com gosto áspero, seco, desagradável. Mas e se esse mesmo grão verde pudesse ser transformado num produto de alto padrão?
Continua depois da publicidade
Pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), no campus de Patos de Minas (MG), conseguiram provar que dá. Eles testaram diferentes fermentações com a cultivar Arara, uma variedade de café arábica, misturando frutos maduros e verdes.
O estudo, publicado na revista Food and Bioprocess Technology, mostrou que dá pra fazer café especial com parte dos grãos verdes, e às vezes até com resultado melhor que os tradicionais.
Continua depois da publicidade
Dica de leitura: Cascas de ovo no café? Veja os benefícios dessa combinação surpreendente.
O segredo está na fermentação anaeróbica autoinduzida, conhecida como SIAF. A técnica funciona assim: logo depois da colheita, os frutos inteiros são colocados em barris vedados por até 96 horas.
Sem entrada de oxigênio, o processo é guiado pelos próprios microrganismos naturais do café. Isso altera a composição dos grãos e tem impacto direto no sabor e aroma da bebida.
Continua depois da publicidade
Luiza Braga, autora principal do estudo, explica que a técnica ajuda a disfarçar os efeitos negativos dos grãos verdes e ainda adiciona complexidade ao perfil sensorial.
Ela destaca que, por ser feita na própria fazenda com estrutura simples, a fermentação também aumenta o valor agregado do produto antes mesmo da torra.
Nos testes, os cafés fermentados passaram por análise sensorial feita por especialistas certificados, os chamados Q-graders.
Continua depois da publicidade
Algumas amostras, mesmo com até 30% de grãos verdes, receberam notas acima de 80 pontos, o mínimo exigido para um café ser considerado especial, segundo a Specialty Coffee Association (SCA).
A professora Líbia Diniz Santos, que coordenou o projeto, afirma que essa técnica ainda não é comum entre os produtores, mas já chama a atenção de quem busca diferenciação.
“Tem muita gente querendo aprender mais sobre a fermentação porque ela melhora o sabor e pode aumentar o valor final do café”, disse em entrevista a Agência Fapesp.
Continua depois da publicidade
O grupo também desenvolveu um sistema eletrônico para monitorar o processo sem precisar abrir os barris. Sensores medem o pH e a temperatura em tempo real, mantendo o controle total da fermentação.
Um detalhe importante: quando a temperatura ambiente foi mantida em 27°C, os cafés avaliados alcançaram notas mais altas do que os feitos só com grãos maduros.
Com ajuda de uma ferramenta de inteligência artificial, os cientistas também descobriram que cerca de 70% dos frutos colhidos estavam verdes.
Continua depois da publicidade
Mesmo assim, após a seleção (seguindo todos os critérios da SCA), o teor final de grãos imaturos nas amostras ficou entre 13% e 30%.
Segundo os autores, passar desse limite poderia afetar o sabor da bebida, mesmo com fermentação.
Agora o foco da pesquisa é descobrir quais compostos químicos formados durante a fermentação estão por trás do ganho de sabor e aroma.
Continua depois da publicidade
A equipe também quer testar o método em outras variedades de café além da Arara, que se destaca por ser resistente a doenças e ter um perfil sensorial com corpo encorpado e notas cítricas.
Em vez de ver o grão verde como defeito, o estudo propõe uma nova lógica: com técnica, dá pra transformar o que antes era descartado em produto premium.