O 'Fofão da Augusta' ao final dos anos 90 / Reprodução/Youtube
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Na Rua Augusta, no coração de São Paulo, uma figura intrigava, assustava e ao mesmo tempo despertava carinho e curiosidade. Conhecido como “Fofão da Augusta”, Ricardo Corrêa da Silva transformou-se em um personagem urbano que atravessou décadas, carregando consigo histórias de dor, arte e resistência.
Por mais de vinte anos, ele distribuiu panfletos de espetáculos teatrais, circulando entre bares, boates e calçadas como parte da paisagem da cidade. Sua aparência, marcada por transformações drásticas no rosto, alimentou lendas e reforçou a aura de mistério que o cercava, como descreveu reportagem do Aventuras na História.
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O apelido nasceu de uma comparação com o personagem infantil dos anos 1980, mas Ricardo não gostava de ser chamado assim. Em entrevistas, insistia que quem usava o nome “Fofão” não o conhecia de verdade, como lembrou o Correio Braziliense.
O rosto de Ricardo havia sido transformado pelo uso de silicone industrial aplicado de forma caseira, prática que deixou marcas permanentes e dolorosas em suas feições.
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Segundo o Gay Blog BR, as bochechas caídas e deformadas tornaram-se sua assinatura visual, intensificada pelo uso de maquiagem branca, batons fortes e desenhos geométricos ao redor dos olhos. A expressão, que para muitos parecia grotesca, era na verdade sua forma de expressão artística, um ato de presença num mundo que frequentemente o invisibilizava.
Em 2017, o jornalista Chico Felitti decidiu investigar a história daquele homem que intrigava tantos paulistanos. O trabalho resultou em uma extensa reportagem no BuzzFeed News Brasil, mais tarde expandida no livro Ricardo & Vânia: O maquilador, a garota de programa, o silicone e uma história de amor.
A obra resgatou não apenas a trajetória de Ricardo, mas também a de Vânia, sua companheira de juventude, que anos depois foi morar em Paris. O livro mergulha em lembranças de violência, exclusão, mas também de amor e companheirismo. A apuração cuidadosa de Felitti, relatada pelo Correio Braziliense, ajudou a humanizar uma figura que muitos viam apenas como um “personagem bizarro” da cidade.
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Nos últimos anos de vida, Ricardo enfrentou sérios problemas de saúde. Em dezembro de 2018, foi internado no Hospital Municipal do Mandaqui, em São Paulo, inicialmente como paciente não identificado. Pouco depois, veio a notícia: havia falecido vítima de parada cardíaca, aos 60 anos, segundo informou o Gay Blog BR. O homem que tanto provocou espanto e curiosidade morreu em silêncio, longe das calçadas que lhe serviram de palco.
Apesar da partida, o Fofão da Augusta segue presente na memória coletiva paulistana. Ele representa não apenas uma figura excêntrica, mas o retrato de pessoas que vivem à margem, carregando histórias que raramente encontram espaço nos registros oficiais.
Como destacou o Aventuras na História, sua vida expõe as camadas de preconceito, abandono e invisibilidade que marcam as grandes cidades. Ainda assim, Ricardo deixou um legado de resistência: ao se pintar, se expor e existir, ele reivindicava o direito de ser visto.
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Hoje, sua história continua a inspirar reflexões sobre identidade, exclusão e humanidade. O projeto de transformá-la em filme chegou a despertar interesse do falecido ator Paulo Gustavo.
Entre a curiosidade e o afeto, entre o medo e a ternura, o Fofão da Augusta permanece como um símbolo sensível da São Paulo real — aquela que pulsa nas ruas, nas dores e nas lutas invisíveis de seus personagens.