Pesquisa internacional identifica variações raras no DNA associadas ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), reforçando o papel da genética na compreensão do transtorno. / Foto gerada por IA/Gemini
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Conduzida por cientistas do Brasil, Estados Unidos e Canadá, uma pesquisa trouxe novas evidências sobre a base genética do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Pela primeira vez, foi possível demonstrar, com o uso de tecnologias de sequenciamento de DNA de última geração, que crianças com TOC apresentam taxas significativamente mais altas de variações genéticas raras, conhecidas como CNVs (copy-number variants), do que aquelas sem o transtorno.
De acordo com os resultados, publicados na revista Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, cerca de 7% dos pacientes pediátricos avaliados apresentaram CNVs de impacto potencialmente prejudicial, em contraste com apenas 0,5% das crianças do grupo de controle. O achado reforça a importância de fatores genéticos no desenvolvimento do TOC, especialmente na infância.
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As CNVs correspondem a variações no número de cópias de segmentos específicos do DNA. Elas podem resultar em duplicações (quando um trecho aparece repetido) ou deleções (quando falta uma parte do material genético). Embora sejam relativamente comuns, quando ocorrem em regiões críticas do genoma podem contribuir para o surgimento de doenças.
Essas variantes podem ser herdadas, mas também podem surgir pela primeira vez em um indivíduo, sem estarem presentes no DNA dos pais. Nesse caso, são classificadas como mutações “de novo”.
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“Todo mundo tem mutações de novo, faz parte da evolução. A diferença está na localização dessas alterações e nos processos que elas afetam. Quando analisamos apenas as variantes de novo, observamos uma associação significativa com o TOC, em especial no caso das deleções. Isso quebra um paradigma sobre a herança genética no transtorno”, explica a psiquiatra brasileira Carolina Cappi, pesquisadora do Icahn School of Medicine, em Nova York.
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O trabalho analisou dados genômicos obtidos pelo sequenciamento completo do exoma (WES, na sigla em inglês), técnica que permite investigar de forma aprofundada os trechos do DNA responsáveis pela produção de proteínas. Foram estudadas 183 famílias de trios com TOC (paciente e seus pais) e 771 famílias de controle, provenientes de centros de São Paulo, New Haven (EUA), Toronto e Ontário (Canadá).
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Essa abordagem possibilitou identificar diferenças genéticas tanto herdadas quanto espontâneas, permitindo mapear de maneira inédita o peso das variantes raras no TOC pediátrico.
Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), o TOC afeta de 1% a 3% da população mundial. A condição se caracteriza pela presença de obsessões (pensamentos intrusivos e indesejados) e/ou compulsões (comportamentos repetitivos), que podem causar sofrimento intenso e comprometer a vida social e profissional dos pacientes.
Embora ainda não exista cura, há tratamentos capazes de reduzir os sintomas e melhorar a qualidade de vida. A identificação de marcadores genéticos específicos pode abrir caminho para estratégias de diagnóstico mais precoces e, futuramente, para abordagens terapêuticas personalizadas.
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Para o psiquiatra infantil Thomas Fernandez, da Yale School of Medicine e autor correspondente do artigo, o estudo é um marco: “Trata-se de um avanço importante para compreender as raízes genéticas do TOC. Ainda é uma peça em um quebra-cabeça maior, mas oferece uma base sólida para pesquisas futuras que podem resultar em novos tratamentos.”
O estudo contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e integra os trabalhos do Centro de Pesquisa e Inovação em Saúde Mental (CISM), o centro é uma parceria entre USP, Unifesp e UFRGS. O projeto foi coordenado pelo professor e psiquiatra Eurípedes Constantino Miguel Filho, da Faculdade de Medicina da USP.
A iniciativa está ligada a uma trajetória de colaboração científica que começou em 2008, com a criação do Consórcio Brasileiro de Pesquisa do Espectro do TOC (CTOC). Desde então, dados clínicos de indivíduos com o transtorno vêm sendo coletados em sete centros de pesquisa no Brasil.
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Mais recentemente, a pesquisadora Carolina Cappi fundou o Grupo de Trabalho Genética/Fenótipo do TOC (GTTOC), que reúne psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e biólogos em dez centros de diferentes regiões do país. O grupo tem papel fundamental na coleta de material biológico e no treinamento de profissionais para a avaliação clínica de pacientes.
Além da atuação científica, o GTTOC mantém o perfil no Instagram @somosgentoc, dedicado à divulgação acessível de informações sobre genética e saúde mental. A iniciativa busca reduzir o estigma associado ao TOC e ampliar a diversidade das amostras coletadas, incluindo famílias de áreas remotas que muitas vezes não têm acesso a hospitais especializados.
Atualmente, o grupo já reúne material genético e dados clínicos de quase 300 famílias e mais de 1.200 indivíduos com TOC, fortalecendo a base para pesquisas integradas. Para os especialistas, a diversidade amostral é fundamental para compreender como fatores sociais, culturais e étnicos influenciam o desenvolvimento do transtorno.
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Ao colocar em evidência o papel de mutações raras e espontâneas no DNA, a pesquisa representa um avanço relevante no campo da psiquiatria genética. Mais do que um resultado isolado, ela sinaliza o início de um caminho que pode transformar a maneira como o TOC é compreendido e tratado.