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Cultura

Violência contra trans é tema de exposição em Santos

Público pode conferir orelhões com cinco histórias diferentes.

LG Rodrigues

Publicado em 03/02/2020 às 07:35

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Uso dos orelhões como ferramenta de comunicação e ponto de encontro motivou Rodrigo a usar os aparelhos como chamariz do projeto. / NAIR BUENO/DIÁRIO DO LITORAL

Cinco orelhões. Cinco histórias. Uma realidade: sofrimento, violência e muita vontade de viver sem medo. É desta maneira que a vida de preconceito e a dor de mulheres trans é retratada por um artista de Santos que quer ajudar toda a classe ao chamar a atenção para os crimes cometidos contra este público.

A ideia do artista plástico, e idealizador do projeto, Rodrigo Montaldi, começou ainda durante seus anos de formação. Homossexual, ele afirma que sempre teve nos orelhões uma imagem de ferramenta utilizada para comunicação, mas que ao mesmo tempo também era utilizado pelas pessoas com outras finalidades.

"Dentro do projeto de pesquisa, que começou lá atrás, o orelhão é identificado como um signo da rua e também que conecta com a prostituição. Haja vista que este é um trabalho que fala sobre, e com a comunidade trans, e para essa população, só resta, até certo ponto, a rua, seja para condições de moradia ou trabalho", explica.

Rodrigo explica ainda que a descoberta dos orelhões como uma espécie de ponto de encontro para uma comunidade que se escondia (e ainda se esconde) por medo da violência se deu ainda durante sua juventude.

"Na minha própria infância o orelhão remetia a essa busca pela pornografia, vamos dizer assim, porque infelizmente foi meu primeiro contato, já que eu ia até às cabines, verificava os números de telefone e ali foi meu primeiro 'acesso', mas ele era um mobiliário que funcionava para estes dois objetivos, diálogo junto à prostituição principalmente", diz.

Além disso, a utilização do orelhão como uma 'escuta' já deixa claro alguns dos elementos mais importantes da exposição, uma vez que é possível escutar os áudios das entrevistas das personagens representadas pelos aparelhos por intermédio de QR Codes.

"O segundo grande objetivo do orelhão é que ele é uma ferramenta de comunicação, você ia até ele para escutar alguém, então a proposta do trabalho é ser um projeto de escuta. Tanto que temos cinco personagens e todas elas falam. As pessoas vêm ver a exposição, as instalações e escutam essas histórias".

Todo esse projeto de Rodrigo só foi possível devido a uma parceria com a ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) Brasil, a qual realiza levantamentos por conta própria desde 2016 sobre os casos de violência contra a população trans.

"Eles fazem esse mapeamento de forma autônoma, sem o Governo dar qualquer tipo de apoio, tanto que não existe nada do tipo no censo do IBGE até hoje. Por não existir, evidencia a omissão do Estado em relação a este público. Quando tive o primeiro acesso a essas informações em 2017, enquanto produzia o projeto para o Facult, isso me chamou a atenção, a gente é considerado pela ANTRA, e outras entidades, como um dos países que mais mata transexuais no mundo. Eu como um homem branco, cisgênero, apesar de gay, mas não sendo meu lugar de fala, me incomodou muito e eu quis contribuir. É uma discussão muito séria, não é meu lugar de fala, mas vejo de que forma eu possa contribuir".

À primeira vista, quem visitar os orelhões encontrará histórias de cinco mulheres trans em situação de rua e frequentadoras dos equipamentos do Centro Pop de Santos e São Vicente. Quatro são de Santos e uma de São Vicente. E além dos cinco equipamentos voltados para suas respectivas representantes, há um sexto orelhão decorado com cores mais pesadas.

"Este sexto equipamento vem de certa forma tentar relembrar essas quase 500 pessoas que entre 2017 e 2019 foram assassinadas brutalmente. No portal do Antra é possível encontrar dados de todas essas pessoas que morreram simplesmente por serem trans".

O contraste entre os cinco orelhões das personagens e do último que presta homenagem às vítimas fatais foi proposital e Rodrigo explica que apesar do assunto da exposição ser pesado, ele ainda queria tentar trazer vida às criações.

"Eu sempre quis tratar desse assunto de violência, mas as pessoas que abordamos aqui também querem falar de vida. Eu mesmo como gay não quero falar apenas sobre violência, pode acontecer comigo dentro das vulnerabilidades, mas também quero falar de felicidade, saúde, emprego, outros assuntos. O que elas trazem é muito mais do que violência apenas, tanto que perguntamos para elas como elas queriam que seus orelhões fossem personalizados. Uma quis borboletas, outra queria cílios grandes, a outra queria as mesmas cores que ela usava de batom. Não conseguimos colocar todos os elementos, mas elas querem falar de vida e tentei traduzir isso nos seus orelhões", conclui.

Quem quiser conferir a exposição de Rodrigo marque na agenda. Inicialmente, entre os dias 27 de janeiro e 10 de fevereiro, os equipamentos ficarão na Praça dos Andradas, em frente à Cadeia Velha e ao lado da Rodoviária de Santos. Já a partir do dia 11 de fevereiro e seguindo até o dia 29 de fevereiro, os orelhões estarão na Praça das Bandeiras, no Gonzaga. Encerrando a exposição, a mostra ficará entre os dias 1 e 15 de março na Praça da Paz Universal, na Zona Noroeste de Santos.

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