X

Cultura

Sem ter sido artista, dona Canô foi de Vital influência para MPB

Mãe de Caetano Veloso e Maria Bethânia morreu, aos 105 anos no último dia 25, na Bahia.

Publicado em 28/12/2012 às 16:15

Comentar:

Compartilhe:

A-

A+

Claudionor Telles Viana Velloso morreu aos 105 anos sem ter sido cantora, compositora nem instrumentista. Era a mãe de uma família unida e numerosa, criada em torno da matriarca, que não posava de heroína ao feitio Sóror Joana Angélica nem de guerreira como Maria Quitéria E deixou seu rastro, ou melhor, pegadas na história do cancioneiro popular do Brasil.

A primeira coube à filha premonitoriamente batizada de Maria Bethânia, nome composto inspirado no título de um samba-canção de muito sucesso, uma raridade na vida do compositor e maestro de frevos pernambucano Capiba. Mais velho do que ela, também nomeado duplamente, o mano Caetano Emanuel atribui-se em seus escritos e entrevistas a ideia original dos nomes próprios da irmã. Mas isso importa pouco, pois a verdade é que quem trouxe as canções do rádio para a casa de seu Zeca, o príncipe do clã, foi a rainha-mãe, cujo bom gosto se revelou a vida inteira no porte elegante, no capricho no vestir e no trato lhano com que mantinha longe do lar os hábitos pouco civilizados de um tempo dado à cafajestice, ao mau gosto, à deselegância e à brutalidade Conforme ficou comprovado numa cena de documentário registrada na calçada do solar dos Velloso em Santo Amaro da Purificação, esse apuro que chamava a atenção e lhe atraía simpatia também se traduzia em versos cantados com voz afinada como a de poucos profissionais.

O estilo minimalista, mas completo, de dona Canô se manifestou ao longo de toda a carreira da filha artista. (Foto: Divulgação)

É notória a carreira da filha que se profissionalizou cantando antes do irmão, que era mais velho, mas se tornaria notável depois. A baiana magra entrou no lugar de Nara Leão no palco do Teatro de Arena no Rio para cantar canções de protesto no show Opinião, ao lado de Zé Kéti e João do Vale. E se tornou, logo na estreia, a voz do grito cantado contra a injustiça social e a perda da liberdade que se insinuava e pioraria na ditadura militar que abafou o Brasil por muitos anos e fez correr sangue nos porões da tortura. Moleca da beira do rio do Recôncavo Baiano, Maria Bethânia nada tinha que ver com a esqualidez das secas do sertão. Mas sua voz e seu estilo dramático se prestaram muito mais ao berro primevo do "carcará pega, mata e come" do que a emitida pela garganta de veludo da capixaba, musa da bossa nova dos apartamentos de classe média da zona sul da Cidade Maravilhosa. Foi um caso de substituta mais convincente do que a substituída, mas logo o instinto cênico da menina de seu Zeca se mostraria mais apropriado aos modos que aprendeu com a mãe entre uma moqueca e um bordado.

O estilo minimalista, mas completo, de dona Canô se manifestou ao longo de toda a carreira da filha artista. A litorânea com nome de protagonista de samba-canção de carnavaleiro se firmou como a intérprete das dores de cotovelo e das angústias da vida, mais apropriadas às margens ribeirinhas da infância e da adolescência. E, apesar de o irmão reclamar da sujeira das águas do Subaé e também se render aos meneios da chula propagada pelo mago do violão Roberto Mendes, foi ela quem mais levou ao palco e às gravações o que aprendeu no salão, na cozinha e nos aposentos da mãe. Santo Amaro mereceu justas reverências nas letras do mano Caetano, mas sempre foi mais presente nos palcos de Betânia: na religiosidade afro, representando a fé cristã sincrética de dona Canô, nos versos de Fernando Pessoa recitados mais na glote do que nas cordas vocais e num repertório de plenilúnios e correntes fluviais rumo à Baía de Todos os Santos

Caetano, que levou Betânia ao Rio no papel de guardião, terminou por lhe seguir os passos como artista dos sons, embora sempre imaginasse estar mais predestinado a letras ou a imagens. Fosse qual fosse sua opção, esta seria abençoada pela mãe, da mesma forma como ela é apontada pelo filho como a alcoviteira-mor de uma das parcerias mais profícuas da Música Popular Brasileira: a dele com o sertanejo Gilberto Gil, segundo dona Canô, "aquele preto que você gosta".

Dona Canô gerou dois monstros de nosso cancioneiro no ventre, nas novenas que o filho cantou e em seu jeito manso e musical de ser.

Apoie o Diário do Litoral
A sua ajuda é fundamental para nós do Diário do Litoral. Por meio do seu apoio conseguiremos elaborar mais reportagens investigativas e produzir matérias especiais mais aprofundadas.

O jornalismo independente e investigativo é o alicerce de uma sociedade mais justa. Nós do Diário do Litoral temos esse compromisso com você, leitor, mantendo nossas notícias e plataformas acessíveis a todos de forma gratuita. Acreditamos que todo cidadão tem o direito a informações verdadeiras para se manter atualizado no mundo em que vivemos.

Para o Diário do Litoral continuar esse trabalho vital, contamos com a generosidade daqueles que têm a capacidade de contribuir. Se você puder, ajude-nos com uma doação mensal ou única, a partir de apenas R$ 5. Leva menos de um minuto para você mostrar o seu apoio.

Obrigado por fazer parte do nosso compromisso com o jornalismo verdadeiro.

VEJA TAMBÉM

ÚLTIMAS

Guarujá

Atrás de emprego? PAT de Guarujá oferece 53 vagas nesta sexta (26)

Os pré-requisitos são imprescindíveis e os documentos indispensáveis

Cubatão

Advogado Áureo Tupinambá, preso em operação do Gaeco, sai da prisão

Ex-diretor da Câmara de Cubatão estava preso desde o último dia 16 de abril por possível envolvimento com o PCC

©2024 Diário do Litoral. Todos os Direitos Reservados.

Software

Newsletter