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Cultura

Jean-Paul Belmondo, lenda do cinema francês, morre aos 88 anos

Junto a Alain Delon, 'Bébel' foi peça-chave para o cinema europeu entre as décadas de 1960 e 1970

Folhapress

Publicado em 06/09/2021 às 20:00

Atualizado em 06/09/2021 às 22:06

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Jean-Paul Belmondo em 'O homem do Rio', de 1964, um de seus melhores filmes / DIVULGAÇÃO

A França perdeu nesta segunda-feira (6) um de seus maiores atores. Jean-Paul Belmondo, astro francês que fez fama ao estrelar filmes de Jean-Luc Godard, morreu hoje aos 88 anos. 

Belmondo ficou conhecido pela participação em filmes como "Acossado" (1960) e "O Demônio das Onze Horas" (1965), clássicos da Nouvelle Vague dirigidos por Godard. De acordo com o advogado Michel Godest, o ator "estava muito cansado há bastante tempo. Ele morreu tranquilamente".

Ator carismático que muitas vezes realizava suas próprias acrobacias, Belmondo mudou na década de 1960 para filmes convencionais e se tornou um dos principais heróis de comédia e ação do cinema francês.

Ao longo de mais de meio século de carreira, Bébel, como era conhecido pelos amigos e fãs, foi também produtor e estrela de teatro. Em 2011, ele recebeu a Palma de Honra do Festival de Cannes, principal festival de cinema do mundo. E em 2017, foi homenageado na cerimônia do Cesar, o Oscar do cinema francês.

No cinema, estrelou inicialmente um curta-metragem de 1956, também dirigido por Godard. "Acossado", lançado quatro anos depois, é considerado pontapé da Nouvelle Vague, movimento que surgiu como contraponto às grandes produções de Hollywood na época.

A Nouvelle Vague é marcada pelo uso da luz e da identidade do diretor em cada uma das cenas. A dobradinha entre Godard e Belmondo fez sucesso.

O diretor foi criticado por escrever as cenas à medida que elas seriam gravadas. O sucesso do filme ficou a cargo da boa atuação de Belmondo, que respondeu de forma correta às técnicas de Godard. O ator alcançou sucesso mesmo entre as décadas de 1960 e 1970. Junto a Alain Delon, foi peça-chave para o cinema europeu da época.

SUCESSO NO BRASIL

Um de seus maiores sucessos "O Homem do Rio", de 1964, teve parte da produção rodada no Brasil, para onde o personagem viajou para resgatar a namorada, sequestrada e levada para o Rio de Janeiro e depois a Amazônia.

Ele apareceu em filmes de ação nas décadas de 1970 e 1980. No início dos anos 1970, o ator fundou sua produtora, a Cerito Filmes.

Sua decisão de seguir carreira no cinema comercial e de evitar os salões de arte gerou críticas de que ele havia desperdiçado seu incontestável talento - algo que ele sempre negou.

Em meados da década de 1980, Belmondo deixou os papéis de policial para se reconectar com comédia em "Feliz Páscoa" (1984) de Georges Lautner e Hold-up de Alexandre Arcady.
Em 1987, "O Solitário" é o último filme de detetive em que ele trabalha. No mesmo ano, ele voltou ao teatro, estrelado por Kean, dirigido por Robert Hossein. Em fevereiro de 1989, pela primeira vez na carreira, recebeu o César de melhor ator por "Itinerário de um Aventureiro" (1988), de Claude Lelouch.

UM GRANDE BOXEADOR

Belmondo nasceu em 9 de abril de 1933, em Neuilly-sur-Seine, filho do renomado escultor Paul Belmondo e da pintora Sarah Rainaud-Richard. Apesar de sua formação culta, ele parecia mais atraído pelo mundo dos esportes do que pelas artes e foi um grande boxeador em sua juventude.

Depois que descobriu a atuação, foram necessárias três tentativas até que o Conservatório de Paris concordasse em 1952 em aceitá-lo como estudante. Mesmo assim, não foi uma passagem tranquila, e Belmondo desistiu irritado em 1956 após a má recepção de um júri do conservatório sobre uma de suas apresentações.

Um de seus professores disse na época: "O senhor Belmondo nunca terá sucesso com sua cara de desordeiro."

A resposta de Belmondo foi um gesto obsceno. Ele estrelou mais de 80 filmes, muitos deles sucessos de bilheteria, durante o meio século seguinte.

Belmondo foi casado com a dançarina Élodie Constantin, com quem teve três filhos. Em 1989, ele conheceu Natty Tardivel, se casou em dezembro de 2002 e teve uma filha, em agosto de 2003. Depois de vinte anos juntos, o casal se divorciou em 2008.

Belmondo foi um mito do cinema, como Brando ou Grant

Foi passeando por Paris, no verão de 1958, que se deu o encontro entre Jean-Luc Godard e Jean-Paul Belmondo, morto aos 88 anos nesta segunda (6). Não demorou para o cineasta convidar o ator para o principal papel masculino do curta "Charlotte et Son Jules", que estava preparando. E para concluir, logo depois, que aquele era o ator ideal para fazer Michel, o protagonista de "Acossado".

O passeio era um hábito. Belmondo costumava sair de sua casa, todos os dias, para andar pela cidade. Aprendera com os mais clássicos atores do cinema francês, como Jean Gabin ou Michel Simon, que caminhar é um modo de perceber o que se passa, como são e como agem as pessoas.

Como acontece com frequência, o começo não foi assim tão simples. Teve de fazer três tentativas até entrar no Conservatório de Paris. Sua apresentação em "As Artimanhas de Scapin", de Molière, em 1956, lhe rendeu críticas pesadas e a advertência de um professor de que nunca iria muito longe com sua cara de baderneiro. Pouco depois, quando tentou o papel central em "Os Trapaceiros", de 1958, foi barrado pelo diretor Marcel Carné, que censurou o seu jeito excessivamente malandro. Ganhou uma ponta, apenas.

Não muito depois, no verão de 1958, passeando por Paris, deu-se o encontro: Jean-Paul Belmondo e Jean-Luc Godard cruzam em Saint-Germain-des-Prés. E essa cara mesmo é que deve ter levado Godard o convidá-lo para um papel no curta-metragem que preparava, "Charlotte et Son Jules". Não muito depois, Belmondo irromperia para o mundo na pele de Michel, o malandro –justamente– de "Acossado", o filme que também revelaria Godard ao mundo como o grande iconoclasta do cinema.

E "Acossado" era tudo de que Belmondo precisava para se estabelecer como o galã por excelência daqueles tempos: não exatamente belo, mas tremendamente ágil física e espiritualmente, rebelde tendendo para o durão, ao mesmo tempo sedutor e inteligente.

Ali, Belmondo exercitava, já, as lições do Conservatório National que frequentara. Mas não só: era um apaixonado praticante do boxe, atividade que, segundo ele, lhe ensinou muito do que sabia. Por exemplo a levantar-se depois de cair.

É verdade que, depois de "Acossado", as quedas não seriam tantas assim. Logo seria convidado para filmar "Duas Mulheres", de 1960, com Vittorio de Sica. Mas, ao contrário de um Alain Delon, a Itália não seria um destino para Belmondo –os dois países faziam inúmeras coproduções na época.

Em contrapartida, tudo na França parecia dar certo para ele. Primeiro, foi a associação com Jean-Pierre Melville. Não deixa de ser estranho vê-lo em "Léon Morin - O Padre", de 1961, fazendo o papel de ninguém menos que Léon Morin. É verdade que a ação se passa durante a Segunda Guerra, com a França ocupada, e que Morin trabalha para a Resistência. Ainda assim, Belmondo parece um pouco forçado com sua batina e bons modos.

Mais à vontade ele se mostraria em "Técnica de um Delator", de 1962, o filme seguinte de Melville. Era um verdadeiro filme de gângster, onde o lado selvagem de Belmondo podia se manifestar plenamente.

Em 1965 chegaria o que foi, talvez, a melhor interpretação de sua vida, como o Ferdinand de "O Demônio das Onze Horas". Ali, começa como o marido inconformista de uma mulher ricaça antes de fugir com Anna Karina para uma aventura onde fuga, poesia, política se encontram e se misturam.

Bastariam esses dois papéis para que se tornasse um ícone absoluto da nouvelle vague. Pois rejeitar as velhas "vacas sagradas" do cinema francês, renovando ao mesmo tempo sua dramaturgia e seu modo de atuação dos atores, não era um dos objetivos do movimento? Belmondo era o símbolo por excelência desse novo ator. Houve outros, como Jean-Pierre Léaud, mas os tipos eram bem diferentes.

Assim também, "A Sereia do Mississipi", de 1969, marcaria o encontro de Belmondo com outra atriz representativa desse momento de renovação: Catherine Deneuve (também não foi a única: Jeanne Moreau e a própria Anna Karina são outros nomes marcantes que emergiram com o movimento).

"A Sereia" colocava Belmondo numa posição inusitada. Ele é um rico proprietário envolvido com produção de tabaco em uma ilha no oceano Índico que se apaixona pela mulher com quem se corresponde assim que a encontra. Trata-se de Catherine Deneuve. Mas, logo ele descobrirá, neste filme ele não é o sedutor, mas o seduzido. Não é o malandro. Malandra é ela, apesar de seu jeito de boa moça.

O filme não resultou no que se esperava do encontro Belmondo-Deneuve-Truffaut, é verdade. E a nouvelle vague a rigor tinha acabado em maio de 1968. Belmondo deveria seguir daí por diante outro caminho. Mais precisamente, o de um cinema mais comercial, menos ambicioso, embora digno.

Essa nova etapa começa com "Borsalino", de Jacques Deray, de 1970, que nos remete ao gangsterismo dos anos 1930 e põe lado a lado Belmondo e Delon. Então, vamos desde já relativizar o "menos ambicioso". Não cabe, pelo menos, num filme escrito por Jean-Claude Carrière, dirigido por Deray e que, afinal, esteve no Festival de Berlim.

Mas, sim, abre uma série de trabalhos com diretores medianos do cinema francês, como Philippe Labro, Henri Verneuil, Claude Zidi. No meio, ele aparece com alguns nomes de prestígio maior, como Claude Chabrol ("Armadilha para um Lobo") ou Alain Resnais ("Staviski"), mas desde os anos 1970 o que conta essencialmente é o valor comercial do nome Belmondo e, sobretudo, a persistência do tipo que surgiu em "Acossado".

Se Belmondo permaneceu durante décadas como um valor comercial intocável –seu nome sempre suscitava boas bilheterias–, o reconhecimento em prêmios foi bem menos generoso. Um César, o Oscar francês, de melhor ator por "Itinerário de um Aventureiro", de 1988, de Claude Lelouch, talvez tenha sido o principal que recebeu até 2011, quando o Festival de Cannes lhe outorgou uma Palma de Ouro honorária.

A essa altura, é verdade, sua carreira já estava na prática encerrada. Não inteiramente, já que Bertrand Blier o incluiria em 2019 em seu "Les Acteurs", os atores. Então, Belmondo já era um mito do cinema francês dos anos 1960. O que significa um mito do cinema mundial, como Brando, Cary Grant ou James Dean. Uma reputação que ninguém dirá imerecida.

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