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Cubatão

Ex-moradores resgatam memórias e histórias da Vila Light, em Cubatão

O bairro é uma das mais antigas vilas operárias do País que ainda está em funcionamento, mas sofre com o abandono

Natalia Cuqui

Publicado em 16/11/2020 às 17:02

Atualizado em 16/11/2020 às 18:11

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A Vila Light é uma das áreas com mais natureza em Cubatão / Arquivo Pessoal/Fabio Lima de Aguiar

A Vila Light, em Cubatão, já foi considerada uma das vilas operárias mais bem conservadas do Brasil, e uma das poucas que ainda vivem no país. O bairro abriga até hoje os funcionários da Usina Henry Borden, que pertence à Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), mas não são todos que ainda moram por lá, já que o local é bem afastado da cidade. Na época da sua construção, nos anos 1920, havia, além da escola, que ainda funciona, um hospital, um clube, e até mesmo pequenos comércios.

No bairro, que é a definição de morar na natureza, foram construídas 140 casas em estilo arquitetônico canadense, já que a Light Power Company, empresa que construiu a usina hidrelétrica em Cubatão, era do Canadá. Não é permitido também que nenhum morador faça reformas que descaracterizem o estilo das casinhas da Light.

Se um dia a vila chegou a ser o lar de 400 pessoas, hoje esse número não chega nem na metade. O que resta é a memória de quem viveu lá um dia, e de quem teve a chance de passar a infância em um lugar cheio de verde, como é o caso de Guilherme Pontes e Marcos Paulo Reis, que praticamente nasceram juntos, foram vizinhos por muitos anos na Light e são amigos até hoje. "Somos irmãos de pais diferentes", contam, juntos.

Gilmar Pontes, pai de Guilherme, trabalhou na usina desde 1979, quando ainda existia um alojamento para funcionários solteiros na vila. Ele criou sua família na Vila Light até 2013, ano que se aposentou e precisou sair do bairro. "Quando você se aposenta, não pode mais ficar lá, mas tenho muita saudade porque é um bairro muito bom, seguro, ótimo para criar os filhos", conta ele.

Marcos mudou para Santos com os seus pais no ano passado, quando começou a faculdade, por conta das dificuldades de acesso e devido à falta de um fretado universitário na volta da faculdade, já que o ponto final do ônibus é na Avenida 9 de Abril, no centro da cidade de Cubatão. Apesar de morar em uma cidade maior agora, relembra: "se não fosse por isso eu ainda moraria lá, sinto muita falta".

As memórias da infância são aquelas que fazem sentir nostalgia até mesmo quem nunca visitou o bairro. "A gente vivia na rua, voltávamos pra casa só às 20h. Eu tinha medo de entrar pra beber água e nossas mães mandarem a gente tomar banho", conta Guilherme aos risos. Com as ruas largas da Vila Light e a ausência de carros passando o tempo todo, o lugar é um prato cheio para quem gostava de jogar bola na rua ou passar o dia pedalando.

Além de serem vizinhos, Gilmar e Marco ainda trabalhavam na Usina Henry Borden na mesma equipe. E se engana quem pensa que enjoava: "criamos laços muito fortes, trabalhávamos juntos e de noite ainda pedíamos pizza na casa um do outro", relembra Gilmar.

PRIMEIRO E ÚNICO EMPREGO.

Mariana Rodrigues morou na Vila Light por muitos anos, porque a usina foi o primeiro e único emprego do seu pai, Belmiro Falco Rodrigues, que está prestes a se aposentar, como coordenador de equipe. Seu pai, avô de Mariana, já era funcionário da empresa, e criou seus filhos no bairro junto com sua esposa, que trabalhou como coordenadora na escola da Usina Henry Borden depois do falecimento do marido.

Naquela época, os funcionários e moradores ainda se organizavam para realizar os famosos 'bailes da Light', que formou muitos casais em Cubatão nos anos 80.

O que ela mais sente falta é o contato com a natureza: "meu pai construiu até uma casinha na árvore pra mim, que era o sonho de muita criança, a Light parece um lugar mágico", contou ela.

O psicólogo Danilo Anhas nasceu e cresceu no bairro e teve a oportunidade de morar em duas casas diferentes na Vila Light. Para ele, o lugar ensinou tudo sobre comunidade: "morei perto da natureza e aprendi muito sobre o meu lugar de pertencimento, era lá que eu me sentia protegido e seguro", contou ele. Seu pai também trabalhou e se aposentou como eletricista na Usina Henry Borden.

Quando ele precisou sair do bairro, aos 13 anos de idade, o choque de realidade fez com que Danilo precisasse se acostumar com um lugar totalmente diferente da Vila cercada de verde e som de pássaros. "Depois que eu mudei, a primeira vez que voltei na Light foi após a morte do meu avô, e foi lá que eu consegui iniciar o processo do luto", contou Danilo. Nesse retorno, o choque foi ver um bairro abandonado, com construções em ruínas e poucos moradores.

Mesmo assim, as memórias boas sempre superam a situação da Light, que deixa lembranças de uma infância diferente em todos os jovens que cresceram por lá de alguma forma, seja morando na vila ou apenas indo para estudar. "A Light te dá uma sensação de liberdade, mesmo com o isolamento da cidade", lembra Danilo, que atualmente mora em São Paulo e garante que não tem como comparar nenhum lugar com a Vila Light, em Cubatão. "Lá é meu lugar de pertencimento, de nascimento e moldou quem eu sou hoje", finaliza ele. (Natalia Cuqui)

 

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