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Cubatão

Cubatão registra dois casos de racismo no mesmo dia

Um ajudante de armazém haitiano e um mecânico de manutenção ganês, quase que simultaneamente, alegam terem sido vítimas

Carlos Ratton

Publicado em 29/03/2022 às 07:00

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Os casos ocorreram em 11 de março último / Reprodução

O ajudante de armazém haitiano Lucknor Bazil e o mecânico de manutenção ganês Kofi Boakye Yeboah Acheampong, quase que simultaneamente, alegam terem sido vítimas de racismo e xenofobia em Cubatão. Ambos registraram boletins de ocorrência na Polícia, sendo que o primeiro ingressou ainda com uma ação na Justiça contra seu agressor. Os casos ocorreram em 11 de março último.

Bazil explica que, ao chegar no refeitório da empresa de transporte em que trabalha, viu um colega pegando uma segunda garrafa de refrigerante para beber e o questionou alegando que deixasse um pouco para os demais trabalhadores. "Foi quando ele me disse: 'cala a boca seu macaco'. Eu disse que isso não era coisa que se falasse e que iria processá-lo".

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A discussão se estendeu a ponto de outros funcionários testemunharem. Um deles, que está no boletim de ocorrência, revelou que presenciou o agressor dizendo o seguinte: "só porque te chamei de macaco? Se não gostou, conta para o chefe!"

À Reportagem, acompanhado do advogado Lucas Lopes Duarte e da advogada Marilene do Carmo, que o defenderão no processo, Bazil informa que o seu agressor teria histórico em proferir frases e piadas racistas contra colegas negros. Bazil foi instruído de buscar seus direitos pelos trabalhadores e, ao contar para seu chefe, percebeu que o homem chorou indignado.

"Depois do ocorrido, o clima no trabalho ficou muito ruim. Eu não queria processá-lo, mas se não fizer isso, ele vai continuar agindo da mesma forma. Eu já sofri outras ofensas, em São Paulo, até dentro do ônibus", acrescenta.

O advogado Lucas Duarte afirma que, além de buscar os direitos, as pessoas têm que divulgar o que ocorreu para que, cada vez menos, casos como o de Bazil ocorram. "Racistas precisam sofrer as consequências de seu atos. Caso contrário, não há fim. No país da impunidade, se não combatermos isso, as futuras gerações continuarão a ser racistas", afirma.

"Isso é um absurdo. Bazil já sofreu racismo fora do ambiente de trabalho. Xingamentos e inúmeras situações humilhantes. Isso tem que acabar no Brasil", completa Marilene.

RESTAURANTE

Há 10 anos morando em Cubatão, o ganês Kofi Boakye revela que estava no Restaurante Bom Prato, no Centro, quando percebeu que um funcionário do local estava maltratando seu filho de apenas 10 anos.

"Antes de almoçar, eu e meu filho temos o costume de lavar as mãos. Meu filho fez isso e foi para fila. Não fui logo atrás dele porque permiti que dois idosos lavassem a mão primeiro que eu", explica Boakye.

Um intervalo de poucos segundos foi suficiente para que cinco pessoas se posicionassem na fila entre pai e filho. O menino pegou o alimento e ficou tentando saber onde o pai estava. Isso bastou para que o gerente do Bom Prato passasse a gritar com o garoto, alegando que ele estava atrapalhando a fila. Segundo o ganês, o homem chegou a tirar a bandeja da mão do menino.

"Eu fui em direção ao homem e disse que sua atitude era errada, pois se tratava de uma criança que só estava tentando saber onde estava seu pai. Foi quando ele me disse que saíssemos do restaurante para uma conversa", explica.

Já do lado de fora, a situação seria pior, pois o gerente teria ameaçado agredir Kofi na frente do próprio chefe, que foi saber o que estava ocorrendo. "Eu disse que se ele me agredisse, iria me defender. O chefe do gerente ficou bravo e me disse que, por não ser brasileiro, teria que ficar calado. Depois, um pouco antes de ir embora, ouvi ele dizer o seguinte: "um país de bosta".

Inconformado, o ganês registrou um boletim de ocorrência online, com a ajuda de um advogado.

Procurada, a Prefeitura de Cubatão já se manifestou alegando que rejeita atitudes racistas e xenófobas. Afirma que o gerente teria sido ofendido por Kofi e que o funcionário apenas foi explicar as regras funcionais do Bom Prato, que servem para qualquer pessoa.

CRIMES

Embora impliquem em possibilidade de incidência da responsabilidade penal, os conceitos jurídicos de injúria racial e racismo são diferentes. O primeiro está contido no Código Penal brasileiro e o segundo, previsto na Lei nº 7.716/1989.

Enquanto a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Ao contrário da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la.

Injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Já o crime de racismo implica em conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos.

Xenofobia é o ato de praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pode envolver a rejeição de pessoas de diferentes religiões ou nacionalidades e pode levar à perseguição, hostilidade, violência e até ao genocídio. A pena é de reclusão de um a três anos e multa.

A Reportagem do Diário preferiu omitir o nome dos supostos agressores até que a polícia termine as investigações e a Justiça decida se os crimes de racismo e xenofobia foram caracterizados e provados.

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