Cotidiano
No Centro Histórico, as irmãs Márcia e Marília encerram a tradição familiar em meio à queda no interesse pelo artesanato em gesso
A última loja de artesanato artesanal em gesso da Baixada vai fechar após 25 anos de histórias e milagres natalinos. / Júlia Macedo/DL
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No Centro Histórico de Santos, uma loja de artesanato guarda memórias da cidade por meio de pinturas em gesso. Há 25 anos, as irmãs Márcia e Marília Neves Paeta mantêm o espaço, que nasceu no Natal e se tornou referência na confecção de presépios que já decoraram diversos pontos da cidade.
Elas são as únicas artesãs da Baixada Santista que ainda realizam pinturas em gesso de maneira totalmente manual. No entanto, o Natal, que antes era a época mais movimentada do ano, vem perdendo seu brilho no negócio.
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“Antigamente vendíamos bem, hoje não. As casas e apartamentos estão menores, e as pessoas não têm mais espaço para montar presépios. Isso fez com que o interesse diminuísse”, explica Márcia.
A ligação das irmãs com o artesanato vem do berço. Na década de 1970, seus pais eram donos de uma grande loja na Rua Martim Afonso, onde cresceram envolvidas com peças, tintas e moldes.
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Com o tempo, Marília buscou aperfeiçoamento, fazendo vários cursos em São Paulo com diferentes professores, até se especializar no gesso, a técnica que mais a encantou. “Meu pai ficou ali uns 25 anos. Eu tinha 20 quando comecei de verdade a pintar. Hoje tenho 71.”
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O pontapé inicial do próprio negócio aconteceu com a venda acidental de uma peça natalina herdada dos pais. “Uma cliente insistiu tanto que acabei vendendo. Aquele foi o nosso primeiro ‘milagre de Natal’”, lembra Márcia.
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Apesar da trajetória marcante, as irmãs decidiram que 2026 será o último ano de atividades. “É triste ver o interesse diminuir. As pessoas moram em espaços menores e o movimento caiu muito”, reflete Márcia.
“Vendemos apenas um presépio este ano. Antigamente, vendíamos entre oito e dez. Além disso, hoje praticamente pagamos para trabalhar”, complementa Marília.
Outro fator é a transformação do Centro Histórico de Santos.“Anos atrás o Centro era movimentado. Gente indo e vindo o tempo todo. Hoje está parado, praticamente morto”, afirma Márcia.
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Elas também comentam sobre a competição com peças industrializadas. “As pessoas compram coisas prontas, mais baratas. Mas o acabamento é totalmente diferente. A pintura da China não tem comparação com o que fazemos aqui.”
“Espero que antes de dezembro do ano que vem a loja já esteja fechada. Estamos diminuindo o estoque para isso”.
Segundo Márcia, a rotina pesada já não é mais possível e os sinais da idade já se evidenciam. “Hoje fui pegar aquele São Jorge que está lá em cima e não aguentei levantar”.
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Entre tantas histórias, algumas peças se destacam na memória das irmãs. Uma delas é o presépio de 60 centímetros, concluído em menos de dois dias. “Eu tinha ido a São Paulo. Quando voltei à noite, minha irmã disse: ‘Vendi aquele presépio de 60 cm para depois de amanhã’. Eu falei: ‘Você ficou louca?’ Mas ela já tinha vendido”, lembra Márcia.
O trabalho virou uma corrida contra o tempo.“Lixei, ela pintou. Quando ligamos avisando que estava pronto, montamos um cenário na vitrine para fotografar. Quando o senhor entrou, ficou maravilhado.”
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Outro presépio marcante tinha quase 100 peças e veio de Rio Claro. “Era da mãe de uma senhora que já tinha falecido. Ela queria alguém que pintasse, porque não conhecia ninguém. Um primo nosso, dentista no interior, indicou a gente”, conta.
Ao longo dos anos, as irmãs pintaram para clientes de toda a região. “Já pintamos para muita gente. Os presépios da Santa Casa e da Beneficência estão entre os maiores que lembramos.”
Para atrair novos públicos, as irmãs passaram a oferecer um curso prático de pintura em gesso, com duração de um dia. O participante compra a peça em branco e os materiais na loja e, sob orientação das irmãs, aprende a pintar do zero.
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A iniciativa criou uma comunidade de entusiastas que valorizam a experiência de criar com as mãos e levar para casa uma peça única. Ainda assim, não foi suficiente para sustentar o negócio.
“Espero que a loja esteja fechada antes de dezembro do ano que vem. O tempo mudou, nosso corpo também. Estamos nos despedindo”, conclui Márcia.