Cotidiano

Tekoa Mirim: entre a Serra do Mar e o futuro aeroporto

Sem eletricidade e com a maior parte dos índios fluentes apenas no guarany m’byá, receio é que as obras do empreendimento afastem comunidade do local

Rafaella Martinez

Publicado em 03/07/2017 às 10:30

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Crianças correm livremente pela reserva; sem regularização das terras, escolas da aldeia estão em estado precário de conservação e precisam de reforma urgente / Rodrigo Montaldi/DL

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Quase na divisa da cidade de Praia Grande com a área continental de São Vicente, entre a Serra do Mar e a área que deverá ser ocupada pelo Complexo Empresarial Andaraguá, está localizada a Aldeia Tekoa Mirim. Caçula entre as terras indígenas da Baixada Santista, a comunidade que abriga 60 índios guaranis m’byá luta para preservar suas tradições e garantir o uso da terra para as próximas gerações: sem regularização, o receio do grupo é que a futura obra do aeroporto os obrigue a deixar o espaço, ocupado após um sonho do pajé.

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“Lutamos para garantir a nossa terra. Deixamos Pariquera-Açu para criar raízes aqui, onde entendemos que é o local que deveremos estar, pois foi confirmado por sonho”, afirma o cacique Edmilson de Souza (Karai). Ele é um dos poucos que falam e entendem o português de forma fluente no local. É também ele quem mantém tratativas com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para garantir melhorias na comunidade: seja a partir de doações de mantimentos até a instalação de postes de iluminação na área, localizada no sopé da Serra do Mar, no bairro Andaraguá.

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O caminho até a aldeia começa nas proximidades da movimentada Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, em Praia Grande. Na marginal, uma estrada de terra conduz os visitantes até a reserva. Duas placas chamam a atenção no caminho: a primeira, instalada na cerca de arame farpado que percorre uma longa extensão de terra, aponta que o espaço abrigará o Complexo Empresarial e Aeroportuário Andaraguá. A segunda indica a existência de dutos enterrados na região, um vislumbre da ação do ‘homem branco’ na natureza, que dentro de poucos metros é possível perceber com maior e menor nitidez ao passar pela ponte do Rio Botucaru e pelo discreto portão de madeira que indica o início do território dos guaranis m’byá.

O processo de demarcação da área, que é de preservação ambiental, já tramita na Funai (Fundação Nacional do Índio). Edmilson destaca que não existe diálogo, no momento, com a Administração Municipal, embora em períodos eleitorais alguns candidatos ao legislativo e executivo sejam vistos no espaço, que registra 15 eleitores. A falta de apoio dos órgãos públicos é evidente principalmente nas condições de sucateamento das duas escolas da aldeia.

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A E.E. Aldeia Tekoa Mirim consiste apenas em um cômodo, erguido com madeira e lona. O forte vento da última semana fez com que parte da lona se desprendesse. A madeira também apresenta pontos corroídos, o que coloca em perigo a segurança dos alunos. Na outra unidade de ensino – que funciona em uma edificação de alvenaria que foi reaproveitada no espaço – o maior problema são as infiltrações. Ambas as escolas são interculturais e bilíngues: os jovens índios aprendem o português apenas depois dos seis anos de idade. “Como não somos regularizados o Estado diz que não pode auxiliar na compra de materiais para a reforma. Precisamos de madeira e tijolos para melhorar a situação das duas escolas”, conta Edmilson.

As doze casas da comunidade são feitas de madeira e palha. Os índios vivem de pequenas plantações e através da venda de artesanato para visitantes. “Costumávamos pescar, mas recentemente pegamos um bagre que estava com cheiro e gosto forte de óleo. A poluição do rio é um problema grande para nós”, afirma Edmilson. Durante a visita da reportagem, a FUNAI chegou ao espaço para entregar algumas cestas básicas. Algumas índias também separavam roupas doadas por munícipes.

Intercâmbio

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De acordo com o cacique, o contato cada vez maior com a cultura ocidental traz aspectos positivos e negativos. “Vivemos uma cultura balanceada”.

Hoje, além de frequentar a escola regular, o índio se prepara para cursar a faculdade. Dentro deste novo cenário, a maior preocupação do líder é a de preparar o jovem para o mundo que ele encontrará além dos limites da aldeia.

“Nos preocupamos com os pontos negativos que eles podem trazer dessa troca, mas queremos que nossos jovens estudem, pois além de ser um direito, isso pode trazer benefícios para a comunidade. Queremos que eles se aperfeiçoem e que voltem para a aldeia para transmitir para os mais jovens tudo de bom que aprenderam”.

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Ele conta que a orientação passada dos mais velhos para os mais jovens é que o casamento aconteça com os habitantes da ­própria aldeia. No ­entanto, é permitida a relação com pessoas de fora, desde que o índio ou índia deixe a ­comunidade.

“Mesmo enxergando pontos positivos na cultura ocidental, temos que preservar os nossos costumes e tradições, para que eles não se percam. Sempre que nos reunimos na Casa de Reza, ao redor da fogueira, falamos sobre a importância de saber até que ponto devemos nos aprofundar nessas ­relações”, afirma.

As características dos indígenas são visíveis de todas as formas. Desde a forma simples como enxergam o mundo até a pele morena e a expressão carregada, além dos olhos levemente puxados. Olhando ao redor, as interferências do mundo moderno - tais como os postes recentemente instalados e que em breve receberão fiação - parecem não estar no mesmo contexto dos curumins que brincam livres pelo campo de terra e que ainda se espantam com a câmera fotográfica.

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Antes da reportagem deixar o local, o trabalho manual de uma das anciãs da aldeia chama a atenção. Sentada no chão de terra ao lado de uma das ocas construídas no Morro do Estaleiro, a mãe do cacique prepara uma cesta com taquarinhas.  Ao seu lado, uma cuia esquenta água quente no fogo a lenha e uma galinha cuida de seus filhotes. “Nossa população está sendo reduzida de forma rápida. Temos medo que o progresso acabe com as nossas raízes”, finaliza o cacique.

Prefeitura afirma que responsabilidade é da Funai

A Prefeitura de Praia Grande informa que o acompanhamento e atendimento aos integrantes da aldeia Tekoa Mirim são de responsabilidade da Funai. Com relação ao Complexo Andaraguá, a Prefeitura explica que a empresa Icipar Empreendimentos Imobiliários, do Grupo Sonda, é a responsável pelo projeto, que deve trazer grande impacto econômico não só para Praia Grande, mas também para a Baixada Santista.

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Serão gerados mais de 15 mil empregos diretos e indiretos. Ainda não existe data prevista para o início das atividades. Atualmente, o projeto está obtendo novas licenças ambientais. Procurada, a Funai não se pronunciou.

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