Rafael Ambrósio (PT) ocupou por cerca de 30 dias a cadeira de Telma de Souza (PT) na Câmara de Santos / Rodrigo Montaldi/DL
Continua depois da publicidade
Ele ocupou por cerca de 30 dias a cadeira de Telma de Souza (PT) na Câmara de Santos e, durante esse tempo, lutou por uma discussão urbanística mais ampla e apresentou propostas polêmicas, como a que sugere que o concursado, antes dos três anos de contratado, não possa assumir cargo em comissão – uma prática muito comum para favorecer apadrinhados políticos tanto no Executivo, como no Legislativo. Confira aos principais trechos da entrevista com o arquiteto e urbanista Rafael Ambrósio (PT).
Diário do Litoral – Você acredita que a Câmara vai aprovar essa proposta?
Rafael Ambrósio – Tem pessoas que têm conhecimento muito além do cargo oferecido e fazem o concurso para ocupar cargos comissionados em outras áreas com salários maiores. Usam o concurso com trampolim e tira a vaga de quem queria ingressar na Prefeitura para ser porteiro e nunca exerce a função. Ao mesmo tempo, a Administração continua com um déficit de porteiros. Isso é injusto. e tem que mudar.
Diário – Outro projeto refere-se a fixação de salários do Executivo e Legislativo?
Ambrósio – Sim, uma emenda à Lei Orgânica do Município que fixa a remuneração dos vereadores, prefeito e vice pela mesmo percentual concedido anualmente aos funcionários públicos. Os políticos eleitos são servidores pelo seus períodos de mandato, portanto, o justo é que seus subsídios sejam ajustados pelos mesmos percentuais do funcionalismo. O exemplo tem que vir de cima.
Continua depois da publicidade
Diário – Você acredita numa alternativa para recuperar o Centro de Santos?
Ambrósio – A recuperação de imóveis históricos é possível viabilizando moradias populares. É o único caminho para o repovoamento do Centro de modo a evitar a expulsão de famílias pobres dos cortiços e garantir a proteção do nosso patrimônio arquitetônico. O Plano Diretor de 1968 vinha numa linha modernista em que a região se tornou estritamente comercial, proibindo-se a destinação residencial. Mas já existe experiências urbanas que demonstram que onde se proíbe a ocupação ela ocorre irregularmente.
Diário – O que fazer?
Ambrósio – Apresentar um projeto sólido de ocupação para moradia. A Prefeitura apresentou uma alternativa com projeto Alegra Centro Habitação, mas do ponto de vista de regulagem do espaço urbano (reformas, restaurações, adaptações físicas e jurídicas), deixou a responsabilidade para os donos dos imóveis, que não tiveram meta, prazo e recursos para fazer o necessário. Eu já havia apresentado, quando substituio o Chico Nogueira, um requerimento para saber quantos imóveis foram destinados à habitação a partir do projeto. E a resposta da Prefeitura foi que nenhum proprietário se interessou.
Diário – Existe um problema técnico?
Ambrósio – Não. Existe um problema na condução política e na relação com a sociedade. Em relação às questões técnicas, os profissionais da Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb), incluindo os arquitetos que encaminham os processos, são altamente qualificados e comprometidos.
Continua depois da publicidade
Diário – O problema, então, é só financeiro?
Ambrósio – Não. É preciso primeiro entender o universo das famílias, que moram no Centro de forma precária. Se elas não conseguem acessar imóveis que estão no mercado formal, é preciso subsídio e programas públicos para estimulá-las. Em Santos, a demanda de moradias para classe média-baixa é altíssima. É preciso mesclar os níveis de renda dos trabalhadores com investimentos públicos para ocupar o Centro. Isso pode ser resolvido com a alteração da Lei de Uso e Ocupação do Solo, que define os índices construtivos, coeficiente de aproveitamento, recuos e moldam o perfil dos imóveis.
Diário – Dá um exemplo.
Ambrósio – Se um prédio tem 100 apartamentos é preciso 100 vagas de garagem. Por que não pensar, no Centro, em que o transporte público é mais eficiente, a possibilidade de obrigação da metade, ou seja 50 vagas. Isso diminui o preço do imóvel. Uma família que trabalha e estuda no Centro ou próximo dele não necessitaria de automóvel. As universidades, os equipamentos de serviços (Poupatempo), o Porto, o Parque Tecnológico e outros estão próximos do Centro. Também é preciso equacionar a questão de áreas comuns. Temos que pensar de forma prática e inteligente. Estamos expulsando as famílias de baixa renda de Santos.
Diário – Você está preocupado com a falta de discussão também do Plano Diretor e do Código de Edificações.
Ambrósio – Sim, pois junto com a Lei de Uso e Ocupação do Solo, estão em fase de revisão. No entanto, as discussões não estão sendo realizadas conforme a lei preconiza. Não está havendo publicidade das audiências, cumprimento de prazos legais e apresentação aberta de documentos técnicos numa linguagem acessível e isso não é culpa dos técnicos da Sedurb. É fruto da dificuldade que o governo tem em conduzir politicamente os processos de forma aberta e participativa.
Continua depois da publicidade
Diário – A Câmara não se mexeu?
Ambrósio - Fez uma audiência pública em que não foram apresentadas a lei atual e nem as mudanças. Eu pedi, via requerimento, mais audiências e debates sobre as questões, que vão alterar a vida de milhares de santistas. As pessoas estão saindo de Santos para morar em outras cidades da região. As leis estão retirando interesses de Habitação de Interesse Social (IHS), de Habitação de Mercado Popular (HMP) na área central e aumentando a possibilidade de verticalização com imóveis de alto padrão. Vamos continuar produzindo moradias para faixa de renda mais alta, que não atende o déficit habitacional, e expulsando o santista da Cidade. Santos está mais árida, mais quente. Somos vítimas de um modelo equivocado de ocupação.
Diário – É preciso rediscutir a Cidade?
Ambrósio – Se isso ocorrer, vamos perceber que existe um número imenso de santista que gostariam de ter acesso a imóveis mais baratos. A esperança é que os processos de revisão de leis urbanísticas tenham uma atenção especial por parte dos vereadores que permanecem na Câmara. Acho que consegui sensibilizá-los da necessidade de uma discussão mais técnica e menos política. O que está em jogo é a qualidade do ambiente que queremos e que deixaremos para nossos filhos.