Damiana Albuquerque está à frente da maior rede de ensino municipal do litoral de São Paulo / Divulgação
Continua depois da publicidade
O filme Mentes Perigosas, de 1995, retrata a história de uma professora de inglês que utiliza métodos de ensino pouco convencionais para transformar uma escola do subúrbio dos Estados Unidos. No longa norte-americano, a atriz Michelle Pfeiffer deu vida a professora LouAnne Johnson, que, por meio de aulas envolvendo música e esporte, elevou a autoestima de alunos negros, latinos e pobres, tornando-os protagonistas do ambiente escolar.
Distante da ficção, a professora Damiana Albuquerque está à frente da maior rede de ensino municipal do litoral de São Paulo. Há um mês e meio conduzindo a Secretaria de Educação de São Vicente, que nos últimos três anos sofreu com o rodízio de secretários, a docente vê no método Paulo Freire (que prega a união da escola com a comunidade) a oportunidade de tornar o ambiente escolar e a vida em sociedade melhor.
Continua depois da publicidade
Há 15 anos na rede municipal, Damiana, que é jovem e despojada, já foi coordenadora de escola, assessora técnica pedagógica e diretora. Sua última experiência foi na direção da EMEF Matteo Bei, que atende alunos do sexto ao nono ano. Ficou na unidade um ano e meio, tempo suficiente para implementar o projeto de cultura de paz e cooperação, que transformou a realidade de uma das escolas com o pior Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) do Município.
O método utilizado na EMEF Matteo Bei será o carro chefe da pasta este ano. Neste Papo de Domingo, a secretária de Educação de São Vicente aborda as mudanças que ocorrerão no setor.
Continua depois da publicidade
Diário do Litoral – A rede municipal de educação de São Vicente é a maior do litoral. A secretaria, nos últimos três anos, protagonizou a rotatividade de secretários. Há um mês e meio à frente da pasta, o que você encontrou quando chegou?
Damiana Albuquerque - Além de ser uma secretaria bastante complexa, por se tratar de educação, nós recebemos o departamento com muitos problemas referente às partes pedagógicas e administrativas. A ideia era exatamente estar reorganizando esses setores e trazendo pessoas para agregar nesta construção, principalmente a construção da identidade, pois com a passagem de diversos secretários um elo se perdeu o caminho. E é exatamente isso que estamos fazendo hoje. Construindo laços com as escolas e com a comunidade e trabalhar partindo de um princípio: a gestão a partir da cooperação.
DL - O que é gestão pelo princípio da cooperação?
Continua depois da publicidade
Damiana Albuquerque - É quando a gente tem a ideia de que todos nós somos um e fazemos parte de um todo. A gestão pedagógica pelo princípio da cooperação acredita nesta inteligência coletiva, onde todos nós, de acordo com o seu olhar e posicionamento, acrescentamos uma preciosa informação nos rumos que a educação tem que tomar pelo bem de todos. É o olhar de que somos um porque somos educadores e vivemos em uma sociedade. Estamos vivendo nela e formando para ela.
DL - Esse princípio também agrega os pais e a família?
Damiana Albuquerque - Quando a gente fala dessa questão da construção e da cooperação é esse olhar de que todos estamos juntos. Paulo Freire disse que a verdadeira educação é aquela que ultrapassa os muros da escola, que muda o modo de vida das pessoas e que melhora a vida das pessoas em torno da escola. É exatamente essa a educação verdadeira. Uma educação transformadora. A escola de mãos dadas com a comunidade. Quando a gente fala comunidade escolar estamos falando de todos nós.
Continua depois da publicidade
DL – Você e o seu chefe de gabinete (Sérgio Guerreiro) são muito conhecidos pela atuação no movimento cultural. Essa experiência terá peso na Educação?
Damiana Albuquerque - As nossas ações ficaram muito marcadas na cultura (teatro), mas na verdade o caminho foi o inverso. Da Educação fomos para a Cultura. Quem olha para nós, para mim e para o Sergio, não consegue enxergar a nossa história. Nós nos tornamos educadores, somos professores da rede, e educação e cultura estão entrelaçadas. A cultura são valores de um povo e esses valores passam pela escola. A gente sempre caminhou dentro das escolas com essa veia artística e cultural porque faz parte de nós. A educação e a cultura permeiam a vida das pessoas.
DL – Você é muito jovem, mas já atua há 15 anos na rede municipal de ensino. Como as pessoas reagiram ao vê-la como secretária de Educação?
Continua depois da publicidade
Damiana Albuquerque - Eu esperava que as pessoas falassem ela é muito jovem, porque elas imaginam um outro perfil. Eu passei muito isso na escola. As pessoas perguntavam: quem é a diretora? E eu tinha uma assistente, um pouco mais velha - uma graça - e as pessoas se direcionavam diretamente para ela. Quando falavam a Damiana é a diretora diziam ‘mas é uma menina, uma criança’. Na verdade tem que desconstruir essa figura do professor e da professora, o estereótipo. As pessoas constroem a imagem do professor como aquele que usa óculos, que não passeia e não tem uma vida social. As pessoas precisam desconstruir essa imagem. Hoje, com o ingresso do concurso público, a gente encontra muitos jovens. As pessoas visualmente acabam se chocando um pouco, mas quando a gente começa a conversar, começa a trocar experiências e valores elas acabam compreendendo o que há atrás de uma simples aparência.
Diário do Litoral - Como está a situação das creches? No ano passado, o prefeito disse que estava avaliando algumas mudanças. Muitas unidades também fecharam as portas (greve) e os pais se viram em uma situação complicada.
Damiana Albuquerque - As creches são, em sua grande maioria, conveniadas. Essa reavaliação, consiste na entrega de documentos para se restabelecer o convênio, porque o convênio é anual. A gente tem um processo de redimensionamento de espaço de abrangência. Porque temos, em alguns locais, três creches na mesma rua. Tem creches que têm capacidade para atender x alunos e acaba atendendo bem menos que essa capacidade. O que fizemos foi redimensionar para que a gente possa atender a todos e firmar esse convênio de forma adequada. Finalizamos o redimensionamento nessa semana, pois teremos o início das aulas. Não mexemos muito na rede, porque a nossa prioridade é atender a demanda. Teremos o redimensionamento de nove a 10 creches, mas que vai suprir todos os alunos que estavam sendo atendidos nessas outras creches. A Secretaria de Educação não administra a pasta financeira. A gente sempre está em contato com a Secretaria da Fazenda para ver como está o posicionamento. A gente está passando, infelizmente, por uma crise, mas a educação é prioridade sem dúvida.
Continua depois da publicidade
DL - Quais os projetos da secretaria para este ano?
Damiana Albuquerque - Temos o projeto de empoderamento e cultura de paz, que é o nosso carro chefe. É empoderar os docentes e a comunidade para que essa educação ultrapasse os muros da escola e possa melhorar a vida das pessoas. São jogos cooperativos onde a gente utiliza paraquedas e ponte de cordas. Através dos jogos cooperativos a gente faz uma grande reflexão sobre a escola que queremos, sobre o papel de cada um nessa formação - das famílias, do gestor e do professor - de uma forma muito divertida e dentro da escola, no bairro, conhecendo os talentos, vendo de que forma cada um pode contribuir nesta construção. Iniciaremos pela Área Continental e a nossa expectativa é de encerrar 2016 passando por todas as escolas. A gente terá uma apresentação inaugural onde iremos convidar alguns professores e representantes de cada escola para conhecer o que é esse projeto.
DL – Há mais algum projeto?
Continua depois da publicidade
Damiana Albuquerque - Teremos também a implantação do gabinete itinerante, que é uma forma do gestor estar próximo das famílias, das escolas e dos professores. Teremos um agendamento contínuo e estaremos atendendo nas escolas para estreitarmos esses laços e estarmos mais perto dessa realidade. Outro projeto é a implantação da subsede da Seduc na Área Continental. A gente tem muitas mães que saem de lá com os seus filhos, ficam na fila e a gente não tem espaço para atender. Nossa demanda maior é na Área Continental. É uma forma de a gente ter uma ação respeitosa com essas pessoas. Também estamos conversando com a Secretaria de Esportes para estar realizando um projeto de contra turno de valorização do esporte nas EMEIs. Teremos atividades de artes marciais e dança para atender essas crianças. Abriremos inscrições. É uma forma de fazer com que essas crianças, desde pequenas, tenham contato com o esporte e cheguem no ensino fundamental mais preparadas. Vai ser dentro da própria escola.
DL – E os desafios para este ano?
Damiana Albuquerque - Temos muitos desafios. A educação por si só já é um grande desafio em nosso país e não seria diferente na nossa cidade. Infelizmente vivemos em um país onde a educação não é prioridade, mas deveria ser sempre. Os desafios serão muitos. Podemos até ser poucos, mas somos suficientes no sentido do que cada um tem dentro de si: energia e força. Para que, juntos, a gente possa construir a educação que sonhamos para a nossa cidade.
Continua depois da publicidade