Cotidiano
O Edifício Penthouse, no Morumbi, zona sul de São Paulo, virou referência visual de livros e aulas de Geografia e Sociologia para explicar a desigualdade no Brasil
Quatro décadas após sua inauguração, entretanto, o que era sinônimo de exclusividade e alto padrão se tornou manchete por outro motivo: a decadência estrutural e financeira. / Reprodução/ Youtube Drone São Paulo
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Talvez você não reconheça o nome, mas certamente já viu a imagem: um prédio em espiral, com piscinas nas sacadas, colado ao mar de casas de tijolo à vista de Paraisópolis. O Edifício Penthouse, no Morumbi, zona sul de São Paulo, virou referência visual de livros e aulas de Geografia e Sociologia para explicar a desigualdade no Brasil.
Quatro décadas após sua inauguração, entretanto, o que era sinônimo de exclusividade e alto padrão se tornou manchete por outro motivo: a decadência estrutural e financeira.
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Inaugurado em 1979 pela construtora Lindenberg, o Penthouse foi pensado para ser único. O projeto em forma de espiral oferecia a cada uma de suas 13 unidades — apartamentos de cerca de 355 m² — o status de verdadeira cobertura: varandas com piscinas privativas, jardins de inverno e suítes amplas, algumas com banheiras de mármore. Em um dos pontos mais elevados do Morumbi, entregava vista panorâmica de São Paulo mesmo nos andares inferiores.
A aura de exclusividade explodiu em 1995, quando a fachada do prédio virou cenário externo da novela “A Próxima Vítima”, sucesso da TV Globo. O apartamento da personagem Helena, a “Bonitona do Morumbi” (Natália do Vale), ajudou a fixar a imagem do prédio como endereço aspiracional da elite.
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No começo dos anos 2000, Paraisópolis — que nos anos 1980 ainda era um pequeno núcleo separado por áreas verdes — consolidou-se como uma das maiores favelas da capital, com cerca de 100 mil moradores. A famosa foto de 2002 cristalizou o contraste: de um lado, piscinas suspensas; do outro, casas simples e vielas apertadas, separados por um muro.
Moradores do Penthouse relatam que, com a expansão da comunidade, aumentaram ruídos noturnos e a sensação de insegurança, fatores que, afirmam, contribuíram para a desvalorização do entorno.
O que não aparece na foto é a bola de neve financeira que se formou por dentro. A partir dos anos 1990, inadimplência crescente de taxas condominiais abriu rombos no caixa. Vieram processos judiciais contra condôminos e, com menos gente pagando, mais encargos para os adimplentes. A partir de 2015, a situação se agravou:
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Inadimplência elevada: seis das 13 unidades acumulam mais de R$ 1,5 milhão em IPTU atrasado, além de mais de R$ 500 mil em boletos condominiais vencidos.
Passivo tributário e previdenciário: mais de R$ 200 mil em impostos previdenciários em atraso.
Efeito dominó nas contas: a falta de liquidez impediu manutenções básicas, multiplicando infiltrações, rachaduras, pintura manchada e mato alto nas áreas comuns.
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Custos proibitivos: relatos de condomínios acima de R$ 4,8 mil e IPTU anual de R$ 12 mil espantaram interessados e pressionaram quem permanecia.
No auge do prestígio, um apartamento valia quase R$ 1 milhão. Nos últimos anos, houve leilões sem interessados mesmo com lances iniciais abaixo de R$ 500 mil — alguns anúncios chegaram a R$ 1,5 mil de aluguel; o condomínio, no entanto, passava dos R$ 5 mil. Hoje, apenas oito unidades estariam ocupadas, com cerca de 18 moradores.
Especialistas em administração condominial apontam um tripé que costuma precipitar colapsos desse tipo:
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Falta de recursos: sem taxa paga, a previsibilidade orçamentária some.
Manutenção precária: adia-se o reparo barato, herda-se a reforma cara.
Imagem deteriorada: prédios malcuidados desvalorizam unidades, afugentam compradores e retroalimentam a inadimplência.
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No Penthouse, a paisagem de varandas quebradas, piscinas vazias e vegetação tomando as sacadas contrasta com os salões generosos que um dia receberam empresários, banqueiros e artistas.
Moradores relatam que, recentemente, a contratação de gestão profissional começou a organizar as finanças e planejar revitalização da portaria, fachada e áreas comuns. A síndica — uma das residentes mais antigas — rejeita o rótulo de 'decadência' e atribui o cenário a um período com muitas unidades vazias. Ainda assim, imagens aéreas de março de 2025 mostram que a deterioração persiste no exterior.
Ao lado, Paraisópolis segue se estruturando: associações de moradores buscam infraestrutura, moradia digna e maior integração urbana. O choque de paisagens continua a contar uma história que vai além da arquitetura.
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O Penthouse nasceu para ser obra-prima da arquitetura moderna; tornou-se símbolo das contradições de São Paulo. De um lado, piscinas privativas, mármore, jardins de inverno; do outro, uma comunidade que ainda luta por asfalto, saneamento e serviços públicos. Entre ambos, um muro que também é metáfora.
Quarenta e cinco anos depois, o edifício que já foi protagonista de novela e cartão-postal do consumo de luxo é, agora, um alerta: má gestão condominial, passivos fiscais e insegurança podem derrubar, em poucos anos, o que o marketing e a engenharia levaram décadas para erguer.