Cotidiano
Manifestação acontece nesta terça-feira (8), às 8h, na entrada do canal do Porto de Santos, entre a Ponte Edgar Perdigão e a Praia do Góes
A crítica se amplia, conforme revela, com a crescente criação de zonas proibidas à pesca em todo o litoral brasileiro / Divulgação/Governo Federal
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Pescadores de todo o litoral paulista marcaram para esta terça-feira (8), às 8 horas, na entrada do canal do Porto de Santos, trecho entre a Ponte Edgar Perdigão (Santos) e a Praia do Góis (Guarujá), uma manifestação em defesa da pesca artesanal, contra o estrangulamento da atividade e favorecimento de interesses estrangeiros. Um ato paralelo ocorre também ao mesmo tempo em Brasília (DF).
O protesto, segundo divulgado via redes sociais por representantes dos pescadores, denuncia o avanço de medidas impostas pelo Programa Nacional de Regularização de Embarcação de Pesca Propesc - que vem dificultando progressivamente o exercício da atividade pesqueira no Brasil.
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O estopim da mobilização é, segundo o advogado Ernesto São Thiago, atuante em Direito da Orla e fundador da Destino Náutico Consultoria, que fez uma postagem em favor da manifestação, a exigência da instalação do sistema de rastreamento PREPS por satélite em todas as embarcações, independentemente de porte, finalidade ou local de operação.
O PREPS já é adotado em países como Estados Unidos e membros da União Europeia, mas sua aplicação é restrita a embarcações de maior porte, normalmente acima de 15 metros, com uso de tecnologias.
São Thiago afirma que as exigências são ainda acompanhadas de políticas de transição, compensações financeiras e diálogo estruturado com os setores produtivos. No Brasil, ao contrário, a regra foi imposta de maneira generalizada, sem apoio técnico e sem recursos para viabilizar a adequação dos pescadores de pequeno porte.
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"O resultado é um cenário de insegurança e exclusão. Muitos não têm condições de adquirir os equipamentos exigidos e, por isso, correm o risco de perder seus direitos de pesca. Em paralelo, cresce a percepção de que os pescadores que mais investem em suas embarcações, buscando maior segurança, conforto e eficiência, são justamente os mais penalizados", afirma.
Segundo explica, várias embarcações que passaram por modernização tiveram suas autorizações de pesca cassadas ou não renovadas, sob o argumento de que ultrapassaram parâmetros regulatórios engessados há mais de dez anos.
A crítica se amplia, conforme revela, com a crescente criação de zonas proibidas à pesca em todo o litoral brasileiro. Unidades de conservação marinha, áreas militares, zonas de exclusão e corredores de navegação se sobrepõem de forma desordenada, resultando em verdadeiros vazios operacionais.
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Segundo o advogado, há relatos de pescadores que já não conseguem sair com suas embarcações sem correr o risco de serem autuados. A falta de planejamento e a ausência de escuta às comunidades atingidas geram revolta e indignação.
Ele afirma que esse conjunto de medidas tem levado muitos a questionar a quem realmente interessam tais restrições. Lideranças do setor pesqueiro apontam que o esvaziamento progressivo da pesca nacional coincide com o aumento das importações de pescado, em especial de países como China, Vietnã, Chile e Indonésia.
"A China, por exemplo, é um dos maiores exportadores de peixe congelado para o Brasil, enquanto empresas chinesas e fundos internacionais ampliam sua presença na aquicultura em território nacional".
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São Thiago explica que a balança comercial brasileira de pescados é historicamente deficitária. O país importa mais do que exporta e a produção interna por captura está em queda. Em contrapartida, a aquicultura voltada à exportação, como a produção de tilápia, tem crescido, muitas vezes com apoio do Estado e da iniciativa privada internacional.
Nesse contexto, complementa, ganha força a tese de que há uma política deliberada de desmonte da pesca tradicional em benefício de grandes grupos econômicos, muitos com capital estrangeiro. Ao criar um ambiente hostil à pesca selvagem e favorecer a concentração produtiva, o governo estaria, ainda que indiretamente, contribuindo para a substituição da pesca nacional por pescado importado ou cultivado por conglomerados.
"A manifestação de Santos representa mais do que uma reivindicação setorial. É um alerta sobre a desindustrialização do mar brasileiro e sobre o risco de ruptura com uma tradição econômica e alimentar milenar. Os pescadores pedem diálogo, revisão das políticas restritivas e a construção de um modelo que valorize a produção nacional, com justiça regulatória, apoio técnico e proteção aos que vivem da pesca e alimentam o Brasil", conclui.
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Em entrevista ao Diário, o representante da Colônia Z1 José Bonifácio, Rogério Rocha, que tem cadeira titular na Área de Proteção Ambiental Marinha do Litoral Centro e Gerenciamento Costeiro da Baixada Santista, afirma que uma embarcação da pesca artesanal só pode ter motor de 18 HPs levando perigo aos trabalhadores.
"Se você tiver uma tempestade e com o barco carregado de rede enfim, não consegue retornar, porque o risco de naufrágio é muito grande. Também queremos derrubar o projeto de lei 1.303, que em seu artigo 71 permite passar as competências todas da pesca para as prefeituras, isentando o Ministério da Pesca e Aquicultura de responsabilidades", afirma.
Sobre o sistema PREPS, o pescador acredita que se tornará "uma tornozeleira eletrônica no pé do pescador. Embarcações estrangeiras adentram nossas águas, pescam aquilo que a gente é proibido e retornam para os seus países de origem, enquanto pescador brasileiro fica a ver navios, tendo que soltar tudo aquilo que pesca. Às vezes, há toneladas de cações já mortos que não se pode transportar, nem doar para nenhuma associação beneficente. Tem que devolver eles mortos para a água", afirma.
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Aos 60 anos de idade, a maior parte deles vivendo da pesca, Rocha lembra que a pesca, em geral, é a segunda atividade mais antiga da humanidade.
"E agora parece que virou moda cercear essa atividade milenar, principalmente a pesca artesanal, que possui capacidade de produção muito pequena e que serve de sustento da família. Querem terminar com os nossos territórios, impor leis absurdas, cada vez mais restritivas. É muito mais fácil você proibir do que achar uma solução viável, compatível, que não afete a atividade pesqueira", finaliza.