A ingestão diária de carne processada, variando entre 0,6g e 57g, conforme os estudos, foi suficiente para elevar em 11% o risco de diabetes em comparação a quem não consome o alimento / Freepik
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Um novo estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, concluiu que não existe uma quantidade segura para o consumo de carnes processadas, como presunto, bacon, salsicha, mortadela, linguiça e salame. Mesmo pequenas porções diárias já aumentam significativamente o risco de câncer de intestino e diabetes tipo 2.
Publicado na revista científica Nature Medicine, o trabalho reuniu dados de 78 estudos anteriores para avaliar a relação entre esses alimentos e o desenvolvimento de doenças crônicas.
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Os resultados indicam que qualquer aumento no consumo de carnes processadas está diretamente associado ao crescimento dos riscos à saúde, sem que haja uma dose considerada isenta de perigos.
Diante dessas evidências, os autores sugerem que as diretrizes alimentares passem a incluir alertas mais incisivos sobre os riscos mesmo de ingestões moderadas desses produtos.
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Um estudo da USP ttambém mostrou desigualdade no acesso a alimentos saudáveis no país
A análise também avaliou o impacto de bebidas açucaradas e gordura trans nos riscos de diabetes, câncer e doença isquêmica do coração, e identificou que, entre os alimentos estudados, a carne processada foi a que apresentou os maiores aumentos de risco.
A ingestão diária de carne processada, variando entre 0,6g e 57g, conforme os estudos, foi suficiente para elevar em 11% o risco de diabetes em comparação a quem não consome o alimento. Já para o câncer de intestino, o aumento mínimo foi de 7%, considerando porções entre 0,78g e 55g.
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Segundo Clayton Macedo, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), mesmo que os aumentos de risco observados sejam considerados moderados, o impacto populacional pode ser expressivo, uma vez que essas doenças afetam milhões de pessoas. Para ele, a recomendação mais prudente é reduzir ou evitar o consumo desses produtos.
Os próprios autores do estudo destacam que as estimativas são conservadoras, o que significa que os riscos podem ser ainda maiores do que os apresentados.
Embora tenham encontrado associações entre carne processada e doença isquêmica do coração, os dados disponíveis não foram suficientes para comprovação conclusiva.
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No caso das bebidas adoçadas, como refrigerantes, o consumo diário de uma porção (entre 1,5g e 390g, o equivalente a uma lata de 350ml) foi associado a um aumento de 8% no risco de diabetes e de 2% para doenças cardíacas.
Já a ingestão de gordura trans, representando de 0,25% a 2,56% das calorias diárias, esteve ligada a um risco 3% maior de doença isquêmica do coração.
Para Natália Oliveira, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora da Unifase, os dados justificam políticas públicas mais rigorosas para reduzir o consumo de carnes processadas, bebidas açucaradas e gorduras trans, especialmente as de origem industrial. Segundo ela, essas doenças crônicas são altamente prevalentes e podem ser prevenidas com mudanças alimentares.
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Marcella Garcez Duarte, nutróloga e diretora da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), acrescenta que o estudo fornece evidências robustas sobre o impacto negativo da dieta moderna baseada em ultraprocessados.
No entanto, ressalta que a interpretação dos dados deve levar em conta o contexto alimentar como um todo, incluindo frequência de consumo, qualidade dos ingredientes e estilo de vida. Ela alerta que não se deve “demonizar” alimentos isoladamente.
O novo estudo se soma a uma série de pesquisas que apontam os efeitos prejudiciais dos alimentos ultraprocessados à saúde. Uma revisão publicada no ano passado pela The BMJ, com dados de quase 10 milhões de pessoas, encontrou associação com aumento do risco para 32 problemas de saúde diferentes.
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Entre as evidências mais sólidas estão:
50% maior risco de morte por doenças cardiovasculares
53% de aumento em transtornos mentais comuns
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48% mais prevalência de ansiedade
12% mais risco de diabetes tipo 2
Há também indícios altamente sugestivos de:
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20% mais risco de morte por qualquer causa
55% de aumento na obesidade
41% em problemas de sono
40% em chiado no peito
20% em depressão
Segundo Marcella, muitos ultraprocessados disponíveis hoje têm formulações com excesso de açúcar, gordura saturada, sódio e aditivos, o que estimula o consumo em excesso, prejudica a saciedade e favorece desequilíbrios metabólicos.
Esses produtos também afetam negativamente a microbiota intestinal, o metabolismo energético e o perfil inflamatório do organismo.
Natália reforça que os ultraprocessados foram desenvolvidos para substituir alimentos in natura ou minimamente processados, que deveriam ser a base da alimentação saudável.
Ao consumi-los, o indivíduo deixa de ingerir alimentos nutritivos, como frutas, legumes, verduras e leguminosas.
O conceito de ultraprocessados foi desenvolvido por pesquisadores da USP e ganhou repercussão internacional com a classificação NOVA, que divide os alimentos em quatro categorias:
In natura ou minimamente processados – obtidos diretamente da natureza, com poucos ou nenhum aditivo, como carnes frescas, grãos, frutas e leite.
Ingredientes culinários processados – usados em pequenas quantidades no preparo dos alimentos, como óleos, sal e açúcar.
Alimentos processados – produzidos com adição de ingredientes do grupo 2, como queijos, pães e conservas.
Ultraprocessados – formulações industriais com múltiplos aditivos, como corantes, aromatizantes e realçadores de sabor, com pouco ou nenhum valor nutricional. Exemplos: refrigerantes, salgadinhos, doces, sorvetes, barrinhas de cereal, macarrão instantâneo, entre outros.
Apesar dos riscos, Marcella defende que nem todo alimento ultraprocessado deve ser descartado. Um iogurte adoçado, por exemplo, pode ser classificado como ultraprocessado, mas tem impacto diferente na saúde quando comparado a uma salsicha ou a um macarrão instantâneo.
Para ela, o mais importante é observar a composição nutricional e a qualidade dos ingredientes, avaliando cada produto com base em critérios técnicos e inserindo-os com equilíbrio dentro de um padrão alimentar saudável.