08 de Outubro de 2024 • 10:03
Em plena obra de restauração com previsão de entrega para fevereiro de 2016, a Cadeia Velha de Santos, localizada na Praça dos Andradas, no centro da Cidade, passa por uma discussão sobre sua futura utilização. Meses atrás, o Governo do Estado (responsável pelo equipamento) vislumbrou a possibilidade de transformar o espaço em um novo museu, ideia completamente rechaçada pela classe artística santista. A Prefeitura de Santos, por sua vez, se mantém ‘em cima do muro’ sobre a questão, objeto de duas audiências públicas. Neste Papo de Domingo, o Diário apresenta a posição dos artistas, maiores interessados pela manutenção do equipamento, por intermédio de seus principais porta-vozes.
Diário – Qual a importância da Cadeia manter-se como um centro de cultura diversificado?
Caio Martinez – É importante que a Cadeia volte a sediar as Oficinas Culturais Pagú porque as reformas poderão potencializar o trabalho que já vinha sendo realizado há 30 anos. Com grande circulação de oficinas e iniciativas artísticas das mais variadas áreas culturais. Todo esse caldo que mesclava o trabalho dos artistas e dos técnicos das oficinas proporcionava um vasto conhecimento aos participantes e ao público. Um prédio histórico recheado de atividades artísticas. Uma interação inédita e muito rica. A Cadeia tinha vida. Uma verdadeira faculdade de artes alternativa.
Diário – Era um espaço bastante democrático?
Martinez – Sim. Regional, pois atendia as nove cidades e emblemático. Agora, foram investidos R$ 7,5 milhões na reforma, sem um projeto antecipado de ocupação. Espero que o Estado e a Prefeitura formalize um projeto que contemple oficinas e a implantação de novas iniciativas culturais, respeitando o que estava dando certo e sem desrespeitar a característica histórica da edificação. Nossa luta manter a Cadeia como um espaço de formação e de produção.
Diário – É preciso manter o conceito artístico construído em Santos?
Platão Capurro Filho – O que me preocupa é essa visão estreita e de completo desconhecimento das características da população da Baixada Santista. Não podemos olhar o prédio somente como um equipamento histórico, alheio à participação artística e popular. Queremos bem mais do que oficinas culturais. A população de Santos é historicamente ativa. Nos últimos 30 anos, foram se construindo um conceito diferente e até inédito no Estado. Muitos técnicos se tornaram também artistas. Um museu seria apenas um dos pilares desse rico espaço cultural mantido na Baixada Santista.
Diário – Como o poder, a arte emana do povo, é isso?
Platão – Sim. É preciso conhecer os artistas e a população. É saber que aqui se constrói e se vive cultura de forma conjunta. Não pode se implantar um projeto de cima para baixo. É preciso diálogo e isso é característico dos artistas e da população da região. A Cadeia Velha tem que ser vista sob os olhos da comunidade. O prédio precisa ser histórico e cultural. Nossa luta é de resistência. A sociedade elegeu Pagú como representante desse espaço libertário. Não apaguem Pagú.
Diário – Resistência para manter a diversidade cultural?
Martinez – Limitar o uso da cadeia, encerrar as oficinas culturais ou se omitir com relação ao projeto do espaço é praticamente anular a participação popular na vida cultural. Mudamos um estigma. Em lugar de repressão e tortura, a Cadeia se tornou um lugar de criação e fomento de artes em geral. O espírito libertário de Patrícia Galvão (Pagú) sempre esteve presente.
Diário – Santos sempre esteve na vanguarda cultural.
Platão - O que vinha sendo feito aqui deveria ser exemplo em todo o Estado, porque sempre houve uma gestão democrática e compartilhada do equipamento. Não existiam apenas cursos, existia um diálogo com a comunidade. Fizemos projetos sem verbas, apenas com o espaço e a logística criados. Aqui ocorrerão centros de produção de grandes festivais como o Festival de Teatro Amador (Festa) e o Curta-Santos (cinema). Tivemos exposições, apresentações musicais, de dança, enfim, de tudo.
Diário – Ou seja, um espaço multicultural.
Roberto de Moura Neto – As pessoas que faziam os cursos e os professores interagiam. Era gente de artes visuais conversando com quem fazia teatro. Pessoal de cinema com gente de circo. Era tudo natural. O espaço proporciona essa interatividade. Se ele for transformado em museu, perderemos esse convívio multicultural. Além disso, a Cadeia está em um ponto estratégico, ao lado da rodoviária. Um ponto de encontro de arte e cultura, em que tudo era realizado com muita raça. Muita gente nunca teve apoio de prefeituras e realiza suas obras de forma independente. Nossa história está na Cadeia Velha. É preciso valorizar a história antiga e a nova.
Diário – A Cadeia Velha proporcionava a participação da comunidade carente do entorno?
Júnior Brassalotti – Sim. Temos moradores dos cortiços, bairros próximos e dos morros do entorno. Essas pessoas se sentiam contempladas com as atividades. Não havia classe social e faixa etária para participar. Abria-se espaço para o livre pensamento, para o olhar crítico. Proporcionava-se sustento através da arte. Muita criança entrava aqui sem perspectiva e hoje está sobrevivendo da arte. Existia esse grande trabalho social e a população admirava tudo isso. Não podemos jogar tudo isso fora. O secretário de Estado disse que o que se fazia não tem relação com as Oficinas Pagu, mas Santos sempre esteve na vanguarda do movimento artístico brasileiro. O que estava sendo feito aqui deveria mudar o restante e não ser cortado, interrompido ou ceifado.
Diário - Qual a impressão deixada na última audiência.
Lincoln Spada – De que a um consenso que a Cadeia Velha continue sendo um centro de artes integradas em que se fomente a informação, que promova a ocupação de grupos, a realização de todos os tipos de manifestações culturais e que se tenha o olhar museológico, em que se mantenha a preservação (patrimônio e acervo), a comunicação (atividades envolvendo o patrimônio e a comunidade) e a pesquisa. Neste podemos, podemos redefinir outros espaços da Cidade, como a Cinemateca de Santos, as igrejas e diversos outros.
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