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Cotidiano

Papo de Domingo: ‘A escola, hoje, não sabe trabalhar com a realidade presente’

Secretário estadual José Renato Nalini defende a reforma do Ensino Médio proposta pelo Governo Temer e deixa suspensa reorganização

Publicado em 05/03/2017 às 10:30

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'O Ensino Médio está defasado', segundo José Renato Nalini / Divulgação/TJ-SP

José Renato Nalini é desembargador e professor universitário. Em janeiro de 2016, ele foi escolhido pelo governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), para assumir o cargo de secretário estadual de Educação.

Ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Nalini ocupa a vaga deixada por Herman Voorwald, que pediu para deixar o cargo após Alckmin anunciar a suspensão da reorganização escolar na rede estadual de ensino.

A polêmica em torno do tema parece ter passado e o atual secretário afirma que a reorganização está em um hiato sem previsão de retomada. O que se discute em Educação é a reforma do Ensino Médio, proposta pelo governo Temer e firmemente apoiada pelo secretário paulista.

Nesta edição do Papo de Domingo, o secretário aborda a situação da educação no estado, as possíveis reformas e a questão salarial dos professores.
 
Diário do Litoral - Como está a questão da reorganização escolar? Havia sido suspensa no ano passado para uma nova discussão com a sociedade para ser reimplantada este ano.

José Renato Nalini - A superveniência de múltiplos assuntos fez com que a ideia original de reorganização merecesse um hiato sem previsão de retomada. Hoje se discute a implementação do novo Ensino Médio, que era uma aspiração antiga de praticamente todos os parceiros: alunos, docentes, profissionais da educação, família e sociedade. Também se debate a adoção de uma Base Nacional Comum Curricular, projeto que São Paulo antecipou em todo o Brasil, pois já a possui há muitos anos. A dramática e grave crise econômico-financeira também ocupou tempo e reflexão de todos os responsáveis pela educação, para honrar os compromissos e não deixar que o processo de contínua busca de aperfeiçoamento do ensino público sofresse algum retardo. A própria implantação do novo Ensino Médio imporá, a seu tempo, a retomada do assunto reorganização, tal como se planejara há dois anos.

DL - Quanto o estado de São Paulo investe na Educação?

Nalini - Embora a Constituição da República determine que 25% do orçamento dos Estados Membros, proveniente dos impostos, sejam aplicados na educação, o Estado de São Paulo reserva 30% para essa causa, a mais importante política pública no Brasil. O Governo Geraldo Alckmin sempre ultrapassou tal percentual. Em 2016, foram 31,3% do orçamento e para 2017, são previstos 33%. Todavia, é de se ter presente que o orçamento é uma lei com uma proposta que, para se concretizar, depende de efetiva integralização dos recursos. Ou seja: se a arrecadação continuar a cair, não há garantia alguma de que o percentual venha a ser destinado à Rede Pública. Por isso é que precisamos de retomada urgente do desenvolvimento nacional, já que as crises penalizam prioritariamente São Paulo, o mais industrializado dentre os Estados brasileiros.

DL - Dados do Saresp apontam queda geral em avaliação de matemática na gestão Alckmin. O que a secretaria tem feito para reverter este quadro?

Nalini - A Matemática é um desafio de vulto para todos os sistemas educacionais no mundo. Convencionou-se afirmar que ela é difícil. Isso desde logo afugenta aqueles que têm dificuldade com raciocínio abstrato. Depois, é preciso outro método de ensinar matemática. Sistemática atraente seria mostrar para quais tarefas vitais é necessário usar matemática. Hoje, com as redes sociais, podemos ter estratégias inteligentes e atraentes de ensinar matemática. A Rede Pública Estadual não está satisfeita com o rendimento do alunado e, por esse motivo, mantém no mês de fevereiro uma revisão intensiva. Entretanto, vai manter as estratégias de reforço e recuperação durante todo o ano de 2017. Isso com aulas no contraturno e exercícios no horário de aula, com grupos de estudo organizados por habilidade. Também está em curso a implementação da Jornada de Matemática, uma competição aberta a todos os estudantes com etapas locais, regionais e estaduais. Valer-se-á da experiência das Olimpíadas Brasileiras de Matemática nas Escolas Públicas. Em 2016, nossas Escolas Estaduais receberam 692 medalhas, entre ouro, prata e bronze. Mas a Secretaria está aberta a todas as propostas que auxiliem essa missão que não é só dos professores, mas das famílias e de toda a sociedade brasileira. Aliás, conforme determina a Constituição da República, no seu artigo 205: educação, direito de todos, dever do Estado e da família, em colaboração com a sociedade. Aplicativos que mostrem a sedução matemática são bem-vindos, já que todos os alunos são usuários permanentes das redes sociais.  

DL - Em um artigo publicado recentemente, o senhor destaca programas como o Currículo Mais (+) e o Foco Aprendizagem. Como esses programas auxiliam na melhoria da educação?

Nalini - São modelos já experimentados e que produzem excelente resultado. Tanto que são replicados em outros Estados da Federação. A Secretaria consegue fornecer a cada escola um completo mapa das dificuldades dos alunos. Essas plataformas estão disponíveis e muitos professores delas se servem com habitualidade e estão muito satisfeitos com o que obtêm de retorno com seu alunado. As Aventuras do Currículo +, por exemplo, são exitosas porque, a partir de uma situação problema, considerada missão, o aluno consegue desenvolver com entusiasmo as suas habilidades de Língua Portuguesa e Matemática.
 
DL - Como o senhor avalia a proposta de reforma do Ensino Médio pelo Governo Federal?

Nalini - Sou favorável à reforma, assim como a imensa maioria dos interessados: alunos, profissionais da educação e família. O Ensino Médio está defasado. 13 Disciplinas compartimentadas são objetos de aulas ministradas a todos os alunos, independentemente de sua vocação, aptidão ou preferência. A possibilidade de entregar ao próprio aluno a elaboração de um itinerário formativo é uma resposta ao desencanto que causa evasão. Apenas 18% dos alunos que chegam a terminar o Ensino Médio vão para a Faculdade. E são muitos os que nem conseguem terminar. Agora será possível oferecer, simultaneamente ao curso regular, uma formação profissional. Isso tornará o estudo mais prazeroso. Poder-se-á mostrar que há vinculação íntima entre a escola e a vida prática, o que hoje não existe. E todos são chamados a colaborar. Essa oferta alternativa, além do curso regular, obrigará a oferta de estágios nas empresas, sejam industriais, sejam comerciais ou de serviço. Há um campo imenso de atividades que clama por um profissional empreendedor, criativo, inovador, proativo. A Escola hoje não sabe trabalhar com a realidade presente. Por exemplo: o Brasil precisa HOJE, de mais de 500 mil programadores. A Escola Pública tem como suprir essa deficiência? E assim, inúmeros outros setores têm déficit de formação de profissionais competentes. Basta lembrar que dentro de algumas décadas, as profissões que hoje constam do cardápio oferecido ao aluno, sequer existirão quando ele for adulto. Todos precisamos estar acordados, vigilantes e atuantes para reverter esse quadro.

DL - Em 2016 foi aprovado o Plano Estadual de Educação, que definiu 21 metas a serem cumpridas. Como está o andamento deste plano?

Nalini - Tanto o Plano Nacional de Educação, como o Plano Estadual e os Planos Municipais foram elaborados num momento em que havia um clima bem diverso daquele que hoje vivenciamos. A intenção de todos os Governos é cumpri-los. Mas para isso é urgente a congregação de todos os interessados, sobretudo família e sociedade civil, para que, além dos Governos, que dão a sua parte mediante a destinação dos orçamentos, os demais responsáveis pela educação auxiliem a missão que é de todos: assegurar à nossa criança e jovem a melhor educação pública possível.

DL - À época, durante o debate na Assembleia Legislativa, a oposição criticou que o debate sobre identidade de gênero nas escolas não foi incluído no texto final. O senhor acredita que este tema deveria ter sido incluído ou não?

Nalini - Não temos qualquer dificuldade nessa área, aparentemente pacificada no âmbito da Rede Pública Estadual. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo foi a primeira a acolher o “nome social”, propicia debates e reflexões como rotina e o tema é tratado transversalmente em todas as disciplinas. É importante observar que as novas gerações assimilaram a diversidade e são muito mais espontâneas num relacionamento que deve ser, além de respeitoso, polido, cordial, solidário e fraterno. O que interessa mesmo é a conduta rotineira, a prática comportamental e não a inserção de tópicos normativos que às vezes só fazem parte do discurso e não da prática.

DL - Recentemente, professores realizaram um protesto durante a inauguração do VLT, em Santos, pedindo melhoria nos salários ao governador Geraldo Alckmin. Um informativo da Apeoesp aponta para uma greve no dia 15 de março. Como a secretaria está tratando esta questão?

Nalini - Os professores sabem que o Brasil está a enfrentar uma violenta, dramática e mesmo trágica policrise. Política, econômica, financeira e de autoestima. Assistem ao que acontece em outros Estados da Federação, com a suspensão de pagamentos, parcelamento, atrasos e interrupção de serviços essenciais. Continuam, operosos e idealistas, à frente das salas de aula. Receberam o bônus em 2016, que superou R$ 450 milhões. O Governo cumpriu a lei do piso, com enormes dificuldades. Chamou milhares de novos professores para suprir as vagas. Abriu concurso para diretor. Sou solidário com a situação de todos, inclusive dos sacrificados aposentados. Tenho feito todas as gestões possíveis junto aos setores técnicos do Governo, notadamente Fazenda e Planejamento, para encontrar espaço para reajuste. Mas a situação é terrível. Muito pior do que a crise de 1929. Há quem diga que só voltaremos ao estágio de 2014, no ano 2025. E isso é dito por analistas internacionais, seja da América do Norte, Europa ou Ásia. Uma greve não substituiria o ingresso dos tributos no Erário e prejudicaria as crianças paulistas. Estamos continuando a pedir paciência e compreensão aos profissionais da Educação, dos quais temos legítimo e justo orgulho.

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