Cotidiano

Padre Júlio Lancellotti lança livro em Santos e clama por dignidade aos mais pobres

Em entrevista exclusiva, ele alerta que as cidades são feitas para a especulação imobiliária e que os pobres não tem lugar nelas

Carlos Ratton

Publicado em 16/06/2025 às 06:40

Atualizado em 16/06/2025 às 09:28

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Padre Júlio Lancelotti concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário do Litoral / Jonatas Oliveira / Diário do Litoral

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“É preciso que todos tirem as pedras do caminho, especialmente as dos mais pobres.” A frase é do padre Júlio Lancellotti, que estará nesta segunda-feira (16), a partir das 16 horas, na Realejo Livros, na Avenida Marechal Deodoro, 2, no Gonzaga, em Santos, para uma tarde de autógrafos de seu novo livro: "Tinha uma pedra no meio do caminho: invisíveis em situação de rua", lançado pela Matrioska Editora.

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A obra reflete os 36 anos do sacerdote ao lado de pessoas em situação de rua — que, segundo ele afirma, representam uma aprendizagem constante. Ele concedeu uma entrevista exclusiva ao Diário do Litoral antes de vir para Santos, nas instalações temporárias da Paróquia São Miguel Arcanjo, já que o antigo templo passará por uma profunda reforma em breve.

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Padre Júlio afirmou que "É preciso que todos tirem as pedras do caminho, especialmente as dos mais pobres." / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
Padre Júlio afirmou que "É preciso que todos tirem as pedras do caminho, especialmente as dos mais pobres." / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
A Paróquia São Miguel Arcanjo passará por uma profunda reforma. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
A Paróquia São Miguel Arcanjo passará por uma profunda reforma. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
Padre Júlio recebeu nossa equipe no templo temporário. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
Padre Júlio recebeu nossa equipe no templo temporário. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
O local será usado durante a reforma da paróquia principal. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
O local será usado durante a reforma da paróquia principal. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
Um dos destaques do novo local é a imagem de Santa Dulce dos Pobres e um quadro de Carlo Acutis, que deve ser canonizado em Setembro. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral
Um dos destaques do novo local é a imagem de Santa Dulce dos Pobres e um quadro de Carlo Acutis, que deve ser canonizado em Setembro. / Crédito: Jonatas Oliveira / Diário do Litoral

Durante a conversa, o padre afirmou que o mercado imobiliário santista e outros semelhantes são os responsáveis pela resistência na adoção de políticas públicas em favor das pessoas em vulnerabilidade social.

Vale lembrar que o padre Júlio Lancellotti já inspirou jovens de Santos, que realizaram um ‘Marretaço contra o higienismo’ em um viaduto na entrada da Cidade.

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Confira a entrevista:

Diário do Litoral: O que esse lançamento significa para o senhor?
Padre Júlio: Uma partilha, uma proximidade com as pessoas do litoral, de Santos. Um encontro, onde muitas pessoas querem divulgar esse livro e, sobretudo, proporcionar uma reflexão: para que todos tirem as pedras do caminho, especialmente as pedras do caminho dos mais pobres.

DL: Como o livro foi concebido? Como nasceu a ideia de escrevê-lo?
Padre Júlio: Esse livro foi feito junto com a Editora Matrioska. Eles me acompanharam durante um tempo e fomos conversando. Foram gravando e anotando todas as coisas, e daí saiu esse livro que tem uma parte de memórias e uma parte do que vivemos atualmente — um pouco da vida e do enfrentamento que temos, convivendo com a população em situação de rua.

DL: Como foi reviver os 36 anos de trajetória ao lado da população em situação de rua durante o processo de escrita?
Padre Júlio: 
Sempre é muito bom, porque é uma aprendizagem. Nunca a gente está pronto, nunca a gente diz que sabe tudo. Então, é uma aprendizagem constante. Rever é uma forma de aprender.

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DL: Que história ou frase marcante o senhor gostaria de citar, que tenha vivido ou ouvido durante esse tempo e que, de alguma forma, faz parte do livro?
Padre Júlio: 
Tudo aquilo que foi escrito ali nasceu do coração, da vivência. Então, tudo faz muito parte da vida — os conflitos, os desafios... E que não acabaram, não são uma história que terminou. A gente ainda continua. Agora mesmo, vi ali a fila esperando para ser atendida e para ter um lugar onde dormir esta noite — imensa. Então, a perversidade se repete, assim como a generosidade também.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

DL: O que é mais grave: a fome e o frio, ou a intolerância e a invisibilidade?
Padre Júlio: 
Elas estão todas ligadas entre si. Quem tem ignorância — porque ignora a vida do outro e só se volta para si — também acaba não vendo o frio e a fome que os outros passam. Então, são todas questões interligadas.

DL: Por que parece existir uma resistência na adoção de políticas públicas?
Padre Júlio: 
Quem rege hoje cidades como São Paulo, outras grandes cidades — mesmo Santos e o litoral todo de São Paulo — é o mercado imobiliário, é a especulação imobiliária. As cidades são feitas para a especulação, não para os pobres. Os pobres não têm lugar nessas cidades. Pode ver que, em todos os lugares bonitos, os moradores de rua são afastados. Eles não podem ficar por lá — não podem nem passar.

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DL: Por que a questão é tratada como segurança pública e não como saúde pública?
Padre Júlio: 
Tem todos os aspectos. É de segurança pública, na medida em que se deveria combater o tráfico e o crime organizado — o crime organizado entendido como aquele que conta com a participação de agentes do Estado. E é, sem dúvida, uma questão de saúde pública. Lidar com a saúde dentro de uma visão de totalidade, e não apenas de patologia, mas de bem-estar.

DL: Qual é o dever dos homens e mulheres públicos diante da questão?
Padre Júlio: 
Aqueles que têm o poder público têm, constitucionalmente, dentro da nossa chamada democracia constitucional — que muitas vezes é mais formal do que real — o dever de dar respostas a essas pessoas. E respostas que lhes ofereçam um caminho de emancipação e de autonomia, e não que as tornem clientes eternos de filas de distribuição de coisas.

DL: Por que há resistência de algumas pessoas em saírem das ruas?
Padre Júlio: 
Pois é! Por que há resistência de quem mora em apartamento em sair do apartamento? Por que há resistência de quem mora na cobertura em sair da cobertura? Faz parte da natureza humana. Às vezes, você resiste a sair de um lugar porque o outro é incerto. Por que você resiste a trabalhar no New York Times? Porque ninguém te ofereceu uma vaga lá. Então, se alguém fala “você vai trabalhar no New York Times”, você diz “eu não sei nem como fazer, não sei nem como mandar meu currículo pra lá”. A pessoa em situação de rua também está nessa condição. Como é que ela vai sair? Vai pra onde? Sair da rua significa o quê? Desaparecer?

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DL: É preciso criar equipamentos públicos que analisem casos e direcionem pessoas?
Padre Júlio: 
Para todos nós! Por exemplo: quantos se formam em jornalismo? Quantos conseguem trabalho e vão exercer a profissão? Eu conheço muitos que estão fazendo outras coisas. Vivemos num sistema meritocrático e extremamente competitivo, e isso faz com que muita gente fique pelo caminho.

DL: Equipamentos públicos deveriam disponibilizar água e banheiros?
Padre Júlio: 
Para todos. Porque não são só eles que têm vontade de ir ao banheiro e que precisam usá-lo. Deveria haver para todos. Onde há banheiros públicos, alguns são pagos. E outra: a pessoa em situação de rua consegue acessar esses equipamentos? Mesmo que um morador de rua vá naquele chuveirinho das praias para os banhistas — pode tomar banho ali? Se forem, apanham, não é?

DL: O que todos nós deveríamos fazer para minimizar o sofrimento das pessoas em situação de rua?
Padre Júlio: 
Como você faz para minimizar o sofrimento de qualquer pessoa. Se um colega teu está sofrendo, você não vai conversar com ele? Não vai falar com ele? Se você sabe que teu amigo, teu irmão, não tem comida, vai fazer o quê? Ficar com a tua comida guardada ou vai partilhar? Se você tiver duas blusas e teu primo, teu irmão, tua tia, tua avó estão com frio, você não vai levar para eles? É a mesma coisa.

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