Cotidiano

O alto preço de quem tem um patrimônio tombado

Proprietário afirma que tombamento de sua residência, em Santos, de forma imposta, só trouxe prejuízos a sua família. Proibido de fazer qualquer modificação em sua própria casa e obrigado a arcar com os custos de uma restauração pelo Condepasa, João Carlo

Publicado em 03/03/2011 às 16:53

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Em 2004 chegou a notificação. A partir daquela data o portuário aposentado João Carlos de Souza foi intimado a não descaracterizar ou modificar a estrutura de sua própria casa e a arcar com todos os custos de uma restauração. Numa loteria às avessas, a residência da família, localizada na Avenida Conselheiro Nébias, nº 586, no Boqueirão, em Santos, foi incluída num processo de tombamento aberto pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa). Quem olha de fora o belo imóvel construído na primeira metade do século 20, fica admirado e sonha no que faria se morasse ali. Entretanto, quem mora ali vive um pesadelo.

“O tombamento foi agressivo. Ditatorial. Fui intimado a não descaracterizar ou modificar a minha casa. Depois me deram 30 dias para pintar o imóvel”, lembrou indignado João Carlos. A família não poderia mais pintar a casa da cor que quisesse, mas da cor autorizada pelo Condepasa.

João mandou fazer um orçamento nos estabelecimentos especializados em restauração autorizados pelo Condepasa. A pintura e reparos em sua casa lhe custariam R$ 14.500, dinheiro que ele não dispunha.

Para compensar as despesas de manutenção do imóvel tombado, exigidas pelo Condepasa, a Prefeitura de Santos isenta o proprietário do recolhimento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), conforme João Carlos. O IPTU da casa de João Carlos é de aproximadamente R$ 8.400, cerca de R$ 700 por mês. O que, nas circunstâncias de um imóvel tombado, não é vantagem para João Carlos. “O meu IPTU é R$ 8.400 e a pintura da casa R$ 14.500”, comparou.

“Eu e minha família não somos contra a preservação de um patrimônio”, ressaltou João Carlos, explicando que são contra ao modo como são tratados os proprietários que são intimados a arcarem com todos os custos de uma restauração, além de terem seus direitos de reformar o imóvel como quiserem cerceados. "Não posso instalar um ar condicionado sequer na minha casa”.

O processo de tombamento foi concluído em 2007 e vem gerando uma série de desgastes para a família, que perdeu o gosto pelo imóvel comprado pela família Henriques há mais de meio século. A esposa de João Carlos, Edna Gomes Henriques de Souza, mora neste sobrado desde os seis anos de idade, quando a casa foi comprada por seus pais. O que ao longo de décadas teve um valor inestimável e sentimental para Edna, nos últimos anos lhe trouxe problemas de saúde, resultado de tantos aborrecimentos.

Cansada de tantos problemas e sem poder arcar com as despesas de um patrimônio tombado de 700 metros quadrados, a família moveu ação judicial com pedido de destombamento, indenização e danos morais contra a Prefeitura de Santos. Passados pouco mais de três anos do tombamento a ação ainda não foi julgada em primeira instância. No entanto, a família tem uma nova esperança e está negociando a vender do imóvel. O valor venal do imóvel é de R$ 1 milhão, mas no mercado imobiliário o suntuoso sobrado vale pelo menos o dobro. O metro quadrado do imóvel é avaliado em R$ 3 mil.

A primeira proposta de compra considerava apenas o valor venal do imóvel por se tratar de um patrimônio tombado, o que a família prontamente recusou. Mas, segundo João Carlos, uma nova oferta se aproxima do preço de mercado.

De acordo com o desabafo de João Carlos, com o dinheiro da venda do sobrado será comprada uma nova casa menor para o casal e um apartamento para a filha e uma parte será dada ao outro filho do casal. Além disso, a venda da casa comprará a paz que a família Gomes Henriques de Souza tanto necessita. A casa de João Carlos é um dos 44 imóveis tombados no Município de Santos.

A reportagem procurou o Condepasa ao longo da semana solicitando informações sobre o processo de tombamento, mas não obteve retorno até a última sexta-feira. Mas, segundo esclarecimentos no site do Condepasa, o órgão é autônomo e tem por finalidade conduzir o processo de tombamento e preservação dos bens culturais e naturais situados em Santos, conforme a Lei 753/91. A homepage para consulta é http://www.santos.sp.gov.br/frames.php?pag=/cultura/condepasa/condepasa.php.

Tombamento

“O tombamento é uma ação do poder público que tem a finalidade de proteger um bem de interesse coletivo de ser destruído, demolido, descaracterizado, desfigurado. Essa ação pode ser requerida por qualquer cidadão. Após um processo minucioso, pesquisa histórica, arquitetônica, o Conselho decide através de votação pelo tombamento ou não do bem. O tombamento cria uma área envoltória de proteção com até 300 metros de raio em torno do imóvel tombado.

O tombamento não tira o direito de propriedade do bem, não é uma desapropriação, o proprietário continua utilizando seu imóvel, bastando que comunique ao Conselho toda e qualquer modificação/reforma/restauração que pretenda fazer no imóvel tombado ou em processo de tombamento. A não observância desses requisitos implica medidas penais previstas em lei (a multa pode chegar a até 50% do valor do imóvel). O proprietário de um bem imóvel de interesse cultural que o mantiver em boas condições pode requerer benefícios fiscais e urbanísticos”, informa o site.

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