Cotidiano

Moradores da Prainha Branca resistem à especulação em Guarujá

Eles estão dispostos a iniciar uma verdadeira guerra contra especuladores que insistem em tomar para si local preservado

Carlos Ratton

Publicado em 06/10/2013 às 10:43

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Cerca de 560 moradores (96 famílias) da Prainha Branca - um dos últimos redutos caiçaras situado na reserva ambiental da Serra do Guararu, em Guarujá – resolveram ‘arregaçar as mangas’ e iniciar uma verdadeira guerra contra a especulação imobiliária que, há meses, vem cobiçando uma imensa área de Mata Atlântica, localizada no local conhecido como Rabo do Dragão, em Guarujá, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).

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Uma das provas que eles pretendem resistir ao poderio econômico que ronda uma das orlas mais bonitas do Litoral Paulista e do Brasil ocorreu ontem de manhã, nas imediações da balsa que faz a travessia Guarujá-Bertioga, quando dezenas de caiçaras realizaram manifestação pacífica contra as recentes investidas no local. Segundo revelam, querem expulsar os moradores para transformar o local em um condomínio fechado, destinado a classes sociais mais elevadas.

Mariana de Oliveira, que faz parte da Associação de Comércio e Camping e da Sociedade Amigos da Prainha Branca, revela que, há uma semana (dia 27 último), agentes da Prefeitura e policiais militares derrubaram quatro casas alegando serem edificações novas, portanto, irregulares. “Não apresentaram qualquer ordem judicial. Ligamos para a Prefeitura e ninguém deu qualquer informação. Eram casas da década de 90, antes do tombamento (1992). Não existem novas edificações aqui. Isso é um plano para expulsar os moradores”, garante.

Uma moradora, que prefere não se identificar, disse que, no dia seguinte, uma nova investida foi iniciada, porém, coibida pela comunidade. “Um grupo de mulheres se uniu e botou os agentes para correr. Eram mais de 60, acompanhadas dos maridos e irmãos. Foram momentos tensos. As mulheres daqui são guerreiras. As famílias construíram, sem ajuda do poder público, a trilha de pedra que dá acesso à Prainha. Vamos lutar sempre”, disse.

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Ela revela que a comunidade possui um laudo e um estudo socioambiental registrado que comprovam que 95% das famílias são nativas da Prainha Branca, portanto, possuem direitos. “Uma das casas que derrubaram era habitada por descendentes de índios. Eu participei da Conferência de Meio Ambiente de Guarujá e não vi qualquer projeto voltado à proteção dos caiçaras. Tudo orquestrado”, conta a moradora.

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Segundo relatam, existe um grupo de empresários empenhado em dominar essa área para transformá-la em um resort ou num condomínio fechado, apesar da Prainha Branca ainda permanecer praticamente virgem, com uma flora e uma fauna ricas e muito importantes.

A comunidade revela que o grupo conta com o apoio da Associação de Desenvolvimento do Leste do Guarujá (ADELG) que, por sua vez, tem relação com o Instituto Litoral Verde no Guarujá – entidades formadas, há anos, com a finalidade de gerenciar o Rabo do Dragão, com a justificativa de promover o desenvolvimento sustentável da região.

Porém, os moradores afirmam que as entidades nunca fizeram nada pela Prainha. “Se a ideia é desenvolvimento sustentável, por que nunca se preocuparam em treinar e capacitar os caiçaras que, há décadas, mantém a área preservada? Por que não oferecem tecnologia para os moradores?”, afirma Mariana, que acrescenta que a Base Militar, o Posto Médico e as duas escolas (uma municipal e outra estadual) da Prainha foram construídas pela comunidade, que possui energia fornecida pela Elektro, mantém fossas sépticas e obtém água de nascentes.

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A Prainha

A Prainha Branca é um verdadeiro paraíso escondido. Para se chegar a ela, é preciso percorrer uma trilha pela Mata Atlântica (construída pelos moradores) de cerca de 20 minutos que parte da balsa Guarujá-Bertioga, ao final da Rodovia Ariovaldo de Almeida Viana (SP61), também conhecida como Rodovia Guarujá-Bertioga. Outra opção é fazer o caminho de barco.

Ao longo do percurso, podem ser observadas espécies de plantas, animais e, do seu ponto mais alto, a bela vista da ilha junto à praia, cartão postal do passeio. Seja qual for a escolha, além de muito verde e árvores centenárias, o visitante poderá encontrar várias espécies de animais.

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No local, há diversas casas de pescadores e bares. Outro atrativo é uma ilha que quando a maré está baixa, é possível chegar até ela a pé. Lá está um dos pontos favoritos para aqueles que apreciam a pesca esportiva.

No canto direito da Praia Branca, há outra trilha de aproximadamente 15 minutos de caminhada que dá acesso à selvagem Praia Preta. Já no canto direito da Praia Preta, há um acesso à trilha do Camburizinho. Com um percurso de cerca de 30 minutos, o visitante encontra um rio que deságua no mar, com acesso à cachoeira.

Nativos da Prainha exigem respeito

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A reportagem esteve na Prainha e conheceu de perto a realidade dos caiçaras que moram de forma simples. Vanda Lemos dos Santos mora na Prainha há 60 anos. Ela confirma a pressão das entidades e condomínios de luxo no sentido de tornar o Rabo do Dragão uma área destinada às elites em detrimento à ocupação de décadas de caiçaras que, praticamente sozinhos, conseguiram manter a área preservada. “O interesse é grande porque aqui é uma área muito boa em termos financeiros”, afirma.

Gilmar Lemos nasceu na Prainha há 55 anos. Ele reclama da do tratamento diferenciado em relação as classes sociais. “As pessoas aqui batalham para sobreviver. Não é justo derrubar casinhas e permitir, bem próximo daqui, a construção de mansões”.

Claudenice Oliveira de Almeida, que mora na Prainha há 43 anos, disse que empresários e políticos têm total interesse na local. “Queremos morar e preservar esse lugar. Querem que só magnatas morem aqui, como acontece no Iporanga, São Pedro, Tijucopava e Itaguaí (condomínios fechados que proíbem que moradores tenham acesso às praias)”.

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Valdir Xavier Correia, o Valdir da Prainha, garante que ninguém irá tirar a comunidade do local. “Eu moro aqui há 57 anos e não vamos ceder à pressão, inclusive dos políticos locais. Ninguém pode nos obrigar a sair daqui”.

Ronaldo Pedro da Silva, de 42 anos, disse que o bisavô foi um dos primeiros moradores dessa comunidade que existe desde 1830. “Minha família tem história aqui e vamos fazer o impossível para mantê-la. A comunidade está pronta para o confronto. Não vamos deixar grileiros ricos tomarem a Prainha de nós”.

Quem chega à Prainha Branca, não consegue ignorar uma moradora: Rosângela dos Santos Jorge, de 38 anos, portadora de necessidades especiais. Conforme os moradores, por pouco ela não teve sua pequena casa derrubada no último dia 27. Rosângela anda e fala com dificuldades. “Eu sofri um acidente quando tinha 12 anos e a Prainha é o meu mundo”.

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Administração esclarece demolições

Procurada pela reportagem, a Prefeitura informou que as secretarias de Defesa e Convivência Social e de Habitação estavam cumprindo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), firmado com o Ministério Público, que visa combater invasões. Porém, sem apontar invasores, a Prefeitura informa que a ação visou combater ampliações que supostamente danificaram o meio ambiente e que descumpriram o TAC. O balanço da ação resultou em quatro estabelecimentos demolidos, sem haver necessidade de remoção de famílias.

Segundo o secretário do Meio Ambiente, Élio Lopes dos Santos, a Administração Municipal não possui nenhuma relação com o ADELG e o Instituto Litoral Verde. A área onde está o Instituto se encontra dentro da Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Guararú (criada em 2012).

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A criação da Reserva de Patrimônio Natural-RPPN do Instituto Litoral Verde não foi na administração atual. A Prefeitura faz inspeções sistemáticas nos condomínios e não houve autuações e a autorização para supressão de cobertura vegetal é atribuição da Cetesb.

ADELG e Litoral Verde

Conforme apurado pela reportagem, a ADELG reúne proprietários de condomínios residenciais de altíssimo padrão em Guarujá, com o objetivo de planejar, desenhar e implantar um projeto de desenvolvimento sustentável para a região.

A ADELG instituiu o Instituto Litoral Verde no Guarujá, que seria responsável por um centro de estudo e pesquisa, ensino e consultoria científica e pedagógica, dedicados à proteção da natureza, a divulgação cultural, científica, artística e técnica de quaisquer modalidades de conservação, melhoria e aperfeiçoamento do meio ambiente.

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