Cotidiano

Morador de Praia Grande se livrou do crack e superou luto na noite do seu casamento

Frequentador da cracolândia e condenado a morrer pelo vício, Luis Alexandre Pinheiro conseguiu se livrar das drogas, constituiu família e, na noite do seu casamento, perdeu a mãe

Jeferson Marques

Publicado em 24/08/2022 às 16:34

Atualizado em 24/08/2022 às 16:42

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Luis e sua esposa, Roberta, e filha, Manuella / Nair Bueno/Diário do Litoral

Luis Alexandre Pinheiro, técnico de edificações de 52 anos, carrega consigo aquelas histórias de vida cheias de reviravoltas, superações e traumas. Morador do bairro Vila Guilhermina, em Praia Grande, ele é mais um personagem da série de reportagens especiais do DL sobre narrativas que trazem a esperança de que tudo é possível, desde que se tenha foco, perseverança, fé principalmente naquilo que não se pode ver e amor próprio.

"Fui um menino que cresceu com bons exemplos e orientações sobre o que era certo e errado. O assunto drogas era falado dentro da minha casa e eu aconselhado a não andar com pessoas que faziam uso delas. Meu pai era militar, minha mãe tinha valores muito bem definidos e eu, assim, era instruído o tempo todo sobre o que evitar", relembra.

Por se considerar tímido, mas gostar de frequentar baladas, aos 23 anos conta que teve contato com a maconha. "Um grupo de amigos usava e eu, talvez para deixar de ser tímido, decidi experimentar. E depois disso só coisas piores entraram na minha vida".

Depois da maconha chegou a vez da cocaína ser oferecida para Pinheiro. E, diferente do que acontece com muitos, ele disse não ter sentido absolutamente nada no 1º uso da substância. "Nada; nadinha. Parece que era Deus tentando me dar a segunda chance, falando assim: para com isso. As pessoas que andavam comigo ficaram estarrecidas em como a droga não havia me dado efeito algum. Diziam que não era possível".

Pinheiro diz que esses 'amigos' chegaram a oferecer a cocaína outras vezes, mas ele negou. Porém, depois de muita insistência, acabou a cheirando novamente. Mas, diferente da primeira vez, a substância entrou forte em seu corpo. "Fiquei alucinado. Meu corpo tremia, meu maxiliar parecia se mover sozinho como se estivesse se mordendo e a adrenalina bateu lá em cima. Ela (cocaína) te dá essa necessidade de andar, falar e de gastar toda essa adrenalina", lembra.

"Eu não me achava um viciado. Usava a maconha e a cocaína só aos finais de semana. Só que, os dias vão passando e a coisa vai ficando séria. Você passa a usar não mais apenas aos finais de semana, mas em um ou dois dias a mais, depois em três e assim por diante. Por ela não causar um vício intenso no começo, você vai progredindo para as fases críticas e mortais, mas sem perceber. Na sua concepção está tudo sob controle, mas não está", comenta.

Cracolândia

Na época em que já era viciado, Pinheiro trabalhava em um shopping vendendo títulos de capitalização. Muitas vezes ia ao emprego já drogado, pois acreditava que aquelas substâncias o deixavam mais solto, falante, assim, acabava vendendo mais. "Fiz essa associação e foi só ladeira abaixo. A droga te muda, te faz se isolar, altera seu comportamento e, em questão de tempo, fiquei desempregado".

Nessa época seus pais já percebiam seu comportamento diferente. "Eu tinha noção de que precisava mudar aquilo. Minha mãe já não aguentava mais. Ela acreditava muito em mim, na minha recuperação, mas já estava se tornando algo insustentável eu ficar dentro de casa dando essas dores de cabeça todas, roubando dinheiro dela pra sustentar meu vício".

Luis Pinheiro aos 36 anos, viciado, pesando 49 quilos

Pinheiro, nessa fase, chegou a se casar, mas não deu certo. E ele, definitivamente, foi para as ruas. Subiu a serra em direção a São Paulo onde, no seu pensamento, ele teria mais oportunidades de conseguir trabalho. Consciente de que precisaria se livrar do vício, levou consigo um pouco de dinheiro e ficou em uma pensão. Vendia poesias nos ônibus, mas tudo o que arrecadava gastava com drogas. E o ciclo era sempre o mesmo: trabalhar para comprar drogas. No dia seguinte? Trabalhar para comprar mais drogas.

Como não pagou a pensão acabou indo para a rua. "A primeira noite foi terrível. Eu sentia muito frio. Estava encostado em um posto policial. Aquela pedra gelada do chão e a madrugada entrando iam acabar comigo. Foi quando achei ali próximo uns sacos daqueles bolha, sabe?! E aí consegui me aquecer. Mas a sensação dentro de mim foi de derrota".

Das ruas ele foi para um albergue e, como disse anteriormente, o vício vai ficando cada vez pior, chegou até a cracolândia. "Eu frequentava um campo de futebol e tinha um grupo que usava crack. Passei a usar com eles até chegar na cracolândia. Eu não morava lá, mas frequentava todos os dias. Eu sabia que passar 24 horas ali seria o meu fim. Eu ainda tinha essa noção de tentar buscar ajudar; de me salvar", comenta.

Narcóticos Anônimos

Com muita força de vontade em não entregar a sua vida à morte por conta do vício, Pinheiro chegou ao Narcóticos Anônimos, um local sem fins lucrativos que tem a missão de ajudar pessoas que estão entregues às drogas. "Você começa a lutar com você mesmo. Eles te dão suporte e orientação, e não te obrigam a ficar ali. Precisa partir de você essa vontade e essa necessidade de se livrar do vício. Não adianta jogar a responsabilidade nas mãos de outras pessoas. Tem que partir de você. É fácil? Não, mas plenamente possível, e eu sou uma prova viva disso", afirma.

Ele voltou, então, para Praia Grande e reencontrou sua mãe. Passou a frequentar assiduamente as reuniões do Narcóticos Anônimos da cidade. Estudou, se aprimorou, voltou a trabalhar e conheceu a que hoje é sua esposa, Roberta Caroline da Veiga Pinheiro, de 36 anos. E desse amor nasceu a pequena Manuella Aparecida da Veiga Pinheiro, hoje com quase três anos.

Luto na noite do casamento

Tudo o que a mãe de Pinheiro queria era a segurança e a felicidade do filho. O casamento com Roberta estava marcado e o clima entre as duas famílias era de muita felicidade.

Na noite da cerimônia e da festa de casamento, sua mãe, ao vestir a roupa, começou a sentir incômodos na região do peito e do tórax. Mesmo assim insistiu em ver o filho se casar, foi para a festa e, lá, os sintomas foram se agravando. Mesmo com a insistência de levá-la a um hospital, não queria estragar a noite de alegria e de superação do filho. Foi para casa e, minutos depois, faleceu, vítima de um infarto fulminante.

"Eu e a Roberta chegamos em casa, peguei ela no colo antes de entrar e iríamos aproveitar a nossa lua de mel. Mas minha esposa, muito sensível como é, disse para nós irmos visitar a minha mãe, na madrugada mesmo. Chegamos lá, ela olhou para mim e deu o último suspiro. Socorremos, mas nada poderia ser feito. Parece que ela esperou minha vida estar ajeitada, com um recomeço promissor, para partir", relembra.

Hoje Pinheiro está "limpo", sem fazer uso de nenhum tipo de droga há muitos anos, se mantendo firme no seu trabalho e procurando fazer novos cursos. "Não desacreditem daquela pessoa que se encontra entregue a um vício. Mostre para ela os caminhos que podem ajudá-la a sair dessa e a renascer. É um conjunto de forças unidas, atreladas a força da própria pessoa, que são capazes de tirá-la desse buraco. Acredite que é possível. Olhe a minha história", finaliza.

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