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Condomínios Vila Santa Casa e Bella Vitta. / Rodrigo Montaldi/DL

Segunda-feira à tarde e alguns moradores do conjunto habitacional Vila Santa Casa, o Santos T, conversam na calçada. Entre eles está o primeiro subsíndico do condomínio, Mário Antônio dos Santos.

Atualmente, ele aproveita a vida nova que chegou junto com a entrega dos 133 apartamentos, no início deste ano.

Cadeirante, Mário conta hoje com rampa de acesso para entrar no prédio, elevador e um apartamento no 5º andar todo adaptado para as suas condições, inclusive o banheiro. 

“Nem dá pra comparar, aqui é outra coisa. Antes era tudo desorganizado, muita bagunça, tudo grudado”, diz ele enquanto aponta para o terreno em frente, local que abrigou por quase 40 anos a antiga favela Caldeirão do Diabo, posteriormente chamada de Vila Santa Casa.  

Construída em meio à Avenida Senador Feijó, no bairro Encruzilhada, próximo ao Canal 3 - uma das áreas mais nobres de Santos – o núcleo chegou a ter cerca de 150 barracos, totalmente contrastados pela suntuosidade dos prédios vizinhos. 

Mário morou no Caldeirão por mais de 30 anos até que a luta por moradia digna finalmente chegou ao fim, a cerca de seis meses, com a entrega do conjunto habitacional Santos T. Agora, os moradores tentam se adaptar com as regras que a vida em condomínio exige.  

“Na favela não tinha rotina. Rolava festa durante a semana, música alta de madrugada, gato de luz. Aqui no prédio é tudo diferente e as responsabilidades aumentaram, então estamos em processo de adaptação”, diz Mário. 

A vida no Santos T

Em junho de 2015, a Prefeitura de Santos começou a erguer o imóvel. Todos os apartamentos possuem dois dormitórios, sala, cozinha, banheiro e área de serviço. As metragens variam: 54,70 m² e 58,46 m², sendo os maiores designados às famílias com mais integrantes. Outra realidade para quem até então, morava em casas totalmente insalubres. Nos andares mais altos dá até para ver o mar. 

A garagem fica no subsolo. Já na área comum há salão de festas, brinquedoteca, bicicletário, quadra e playground. Há, ainda, uma sala grande identificada com uma placa na porta como Centro Comunitário, porém o espaço ganhará outra função, como conta o subsíndico. 

“Nós não somos mais comunidade, então não é mais necessário existir um centro comunitário. Por isso, deixamos esta sala disponível para voluntários que querem dar aula de reforço para as crianças do prédio”, explica. 

Os avisos pendurados na parede mostram a data da próxima aula (gratuita) com a professora Georgina e indicam que, de fato, o espaço tem outra serventia. Como se o centro comunitário, por não precisar mais abrigar reuniões que falam da luta pelo básico, renascesse para uma nova missão: a de educar as crianças que, no futuro, não precisarão lidar com as lembranças que a falta de um lugar decente para morar deixa na alma.  

A figura do líder comunitário também foi extinta. De acordo com Mário não é mais necessário ter um representante, como geralmente acontece na vida em comunidade. Atualmente, ele e o síndico, que não estava presente durante a Reportagem, são os responsáveis por ouvir e tentar atender a demanda do condomínio. 

Até agora os maiores problemas enfrentados por eles são as traquinagens das crianças que teimam em fazer desenhos com giz pelas paredes do prédio, adolescentes que gostam de conversar no balancê destinado somente às crianças (devido ao peso extra, o brinquedo estava quebrado) e o hábito de estender roupas nas janelas e varandas, quando isso deveria ser feito apenas na área de serviço. 

Quanto ao horário de utilização da quadra e área externa não houve contratempos. Todo dia, às dez horas da noite, Mário apaga as luzes e os moradores entendem que é hora de silenciar. 

Para usar o salão de festa foi acordado em reunião de condomínio que é preciso fazer um agendamento prévio. O mesmo procedimento para realizar churrascos ou eventos nas áreas comuns. Em relação à segurança, os moradores optaram pela instalação de um sistema de segurança com câmeras e portaria eletrônica. A limpeza fica por conta de um faxineiro.

Questionado se a vontade de organizar a vida em condomínio tem a ver com a nova infraestrutura, Antônio afirma que sim. 

“Quando você mora em um lugar sujo, sem as mínimas condições de saneamento, não dá vontade de cuidar da casa. Mas, quando você tem um lugar limpo, com tudo novo, aí sim você quer manter assim. Eu comparo a minha vida hoje como se tivesse saído do campo e vindo pra cidade grande. Quero evoluir, mudar a visão”, declara. 

O vizinho 

A Vila Santa Casa se acostumou a ficar escondida pelos prédios altos do entorno, mas conseguia impor sua presença, já que os vizinhos da classe média assistiam distantes por pelo menos 300 metros, a vida nos barracos. Nenhum imóvel de fato grandioso era tão perto assim do núcleo. 

Até que em 2013 a construção do Residencial Bella Vita Eco Club foi concluída. O condomínio subiu colado ao muro da favela e trouxe moradores diferentes daquela realidade. 

Com conceito sustentável, o imóvel foi um dos primeiros de Santos a adotar medidas como captar e reutilizar água da chuva e implantar a coleta seletiva. A área de lazer conta com duas piscinas, sauna seca e úmida, sala de jogos, pomar, spa entre outros espaços. 

“O início da convivência foi complicado porque o pessoal da Vila estava acostumado a fazer barulho até tarde da noite sem se importar com vizinhos. Aí o pessoal que morava com vista pra favela chamava a polícia, jogava ovo e água da janela pra tentar fazer as festas acabarem”, explica o aposentado Pedro Luiz Beneti, morador do Bella Vita. 

As confusões só diminuíram com o tempo, quando os moradores da comunidade se deram conta que perderiam a briga toda vez que algum vizinho do residencial chamasse a polícia. 

Para Pedro, morar ao lado do núcleo nunca foi um problema, nem mesmo no momento de se decidir pela compra do imóvel, ainda na planta. 

Mas, nem todos os condôminos olham a situação com a mesma naturalidade e segundo ele, não é raro ouvir comentários maldosos de alguns vizinhos mesmo após a transferência dos moradores para o Santos T. 

“Eu fiquei feliz quando os apartamentos começaram a ser entregues, mas tem gente aqui que fala que em menos de um ano o prédio vai virar uma favela vertical”. 

Um dos funcionários do Residencial diz que quem mora em favela não está acostumado a pagar contas. “Não é todo mundo que se adapta as regras de um condomínio, por isso acho que muita gente que tá aí vai acabar vendendo o apartamento e voltando pra alguma favela. Sempre acontece isso”. 

Alheios às opiniões dos vizinhos, dois jovens amigos mexem no celular na ‘área de lazer’ da nova moradia, não tão gourmet quanto à área de lazer do vizinho, mas longe da precariedade de suas antigas casas.

Em SP, bairro nobre se une contra obra de moradia popular 

Em junho deste ano, o portal G1 de São Paulo noticiou que moradores de condomínios de alto padrão da Vila Leopoldina estão pressionando a prefeitura contra um projeto que prevê a construção de moradias populares no bairro. Os beneficiários seriam 500 famílias que vivem nas favelas da Linha e do Nove, a 1 km da Vila Leopoldina.

Um abaixo-assinado com mais de duas mil assinaturas alega, entre outras justificativas, que não aceitam “a transferência das favelas da Linha e Nove para o terreno (...) exportando os graves problemas sociais existentes para local”. Segundo a Secretaria Municipal de Urbanismo de São Paulo, atualmente o projeto encontra-se em discussão. 

O DL explicou a situação da Capital para os moradores do Santos T e do Residencial Bella Vita para ver se o receio dos paulistanos da Vila Leopoldina faz mesmo sentindo. 

Mário Antônio, morador do Santos T, achou a situação absurda. “Isso é preconceito descarado. O que essas pessoas pensam de quem é pobre? Somos humanos iguais a eles”.

Pedro concorda. “É a velha luta de classes. Uma vez, voltando pra casa percebi quatro viaturas da polícia no prédio. O motivo era uma moradora que bebeu demais e na hora de entrar com o carro acabou batendo em outro e ainda arrumou briga com o vizinho. Ou seja, acontece barraco de rico também, as festas do salão passam da hora e tem roupa pendura na janela que pega sol fora da área de serviço”, brinca. 

“Quem não se adapta a uma vida mais regrada acaba indo embora por escolha própria, como acontece em qualquer classe social, mas a oportunidade precisa ser dada”, conclui.  

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