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Cotidiano

Meninas são exploradas sexualmente em Santos

A maioria é induzida pelos próprios pais e viram alternativa de sustento da família

Carlos Ratton

Publicado em 30/04/2017 às 09:17

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Crianças estão vivendo em condições insalubres nos bairros centrais de Santos / Matheus Tagé/DL

Existe a máxima difundida pelas autoridades públicas, políticos e por parcela de santistas de que Santos é uma cidade boa para se viver. Mas, como acreditar se dezenas de meninas de 12 a 17 anos estão diariamente sendo exploradas sexualmente na área central e esquecida da cidade? 

A situação, já detectada nas ruas dos bairros do Paquetá, Mercado, Vila Mathias, Vila Nova e cercanias pelo Diário, foi confirmada, em detalhes e, com exclusividade, esta semana pela conselheira tutelar Idalina Galdino Xavier, que atua há anos da região.

Idalina é uma das poucas vozes que, há tempos, vem lutando para mudar a triste realidade das meninas do Centro, que sofrem não só por terem o corpo usado como mercadoria, mas por outros tipos de violência física e pelo uso de drogas para suportar as humilhações.

Muitas meninas estão até cometendo pequenos delitos para sobreviver.Na noite da última quinta-feira, Idalina esteve na Universidade Católica de Santos (UniSantos) tentando criar uma rede de proteção, em que um dos objetivos é convencer o poder público e a sociedade civil organizada a ‘abrir os olhos’ e salvar as meninas do Centro.

O drama das meninas. Elas se posicionam a partir das 23 horas em esquinas e próximas de comércios. Alguns pontos são conhecidos nas ruas General Câmara, Sete de Setembro, Braz Cubas, na Praça José Bonifácio e imediações da rampa do Mercado Municipal. Segundo Idalina, que perdeu as contas das investidas para tirá-las dos pontos, a falta de estrutura familiar – mães e pais alcoólatras, usuários de drogas, violentos e desempregados – leva a maior parte das crianças e adolescentes para as ruas. Ela conta que as meninas não têm discernimento para compreender que estão sendo empurradas pela família para as ruas para manter a própria subsistência.

“Alguma coisa elas recebem em troca. Também existe comerciante que faz vistas grossas porque elas consomem e atraem consumidores. O pai e a mãe, muitas vezes, veem a menina chegar com dinheiro e não perguntam como conseguiu. Se recusa a reconhecer a real situação. Muitos preferem acreditar que a menina achou dinheiro na rua. Há meninas que estimulam outras para essa vida dentro das escolas”, afirma a conselheira.

Idalina lembra que as crianças e adolescentes exploradas também ficam expostas a doenças e que a situação se perdura não apenas por conta da falta de estrutura familiar, mas por conta do preconceito da sociedade. Ela ressalta que a maioria das meninas não quer essa vida e que uma delas até implorou para ser abrigada.

“Ela disse que não queria mais cheirar (cocaína) para ter que suportar fazer sexo contra a vontade. Ela me disse que só queria fumar (maconha). Outra menina chorando, segurando minha mão e longe da mãe, disse que se não for para rua não tem como ajudar a pagar o quarto onde mora. A menina me disse que cheira para suportar os homens podres e nojentos. De raiva, disse que se junta com outras e roubam os celulares deles. Ou seja, uma coisa chama a outra. Quando questionei a mãe, a mulher me disse que sofreu a mesma coisa quando tinha 12 anos”, revela a conselheira.

Três Santos

Idalina confirmou o que o Diário vem denunciando há meses: a falta de atenção com a parte mais pobre do município (ver nesta reportagem). Ela garante que existem três cidades: a Santos da orla, a do Centro e a da Zona Noroeste, sendo que as duas últimas praticamente são esquecidas pelo poder público e ignoradas pela primeira.

“A menina vestida de shorts e top na Avenida Floriano Peixoto, no Gonzaga, é vista de um jeito (descolada, na moda, enfim). Essa mesma menina vista na Rua Amador Bueno é considerada vagabunda, prostituta, que se veste desta forma para provocar. Tem homens que têm filhas e netas e usam as meninas do Centro. Hipócritas, preconceituosos e criminosos”, desabafa.

A conselheira vai mais longe. Afirma que não existe em Santos vontade de mudar a situação das meninas do Centro. “Quem pode ajudar não faz nada, quem pode tirar proveito tira e quem milita contra a situação é perseguido. Os conselheiros são ameaçados constantemente pelos pais das menores e autoridades por cobrarem e denunciarem um serviço público insatisfatório”.

Conta que ninguém quer resolver porque a situação é cômoda. É mais fácil jogar o problema para ‘debaixo do tapete’ e as meninas na Fundação Casa. “Muitas preferem traficar drogas para fugir da exploração sexual”, dispara Idalina, alertando que a salvação das meninas é uma ampla movimentação social. “É preciso haver conscientização desse profundo problema que envergonha a Cidade”, finaliza.

A falta de políticas públicas já foi alertada                   

A falta de políticas públicas na região central de Santos que, além de aumentar a violência, estimula a exploração sexual de crianças e adolescentes, foi também alvo de reportagem do Diário no último dia 2. Segundo o presidente do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente (CMDCA) de Santos, Edmir Santos Nascimento, é preciso traçar um plano de ação urgente para mudar a realidade dramática de mulheres e crianças em vulnerabilidade social.

“Precisamos perseguir a doutrina da proteção integral. Todos os direitos das crianças e adolescentes têm que ser garantidos e isso não ocorre nesses bairros. Fala-se que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Santos é um dos maiores do Brasil, mas ele deveria ser medido por essas áreas menos favorecidas. Enquanto isso não ocorre, vamos continuar maquiando a realidade”, afirma.

Nascimento não se conforma de ver pessoas morando em cortiços, sem ventilação, insalubres. Crianças contraindo doenças, morando num quarto que serve como sala e cozinha e meninas usando banheiro coletivo. “As crianças não têm espaço sequer para brincar. O que causa indignação é perceber que não existe política pública alguma a curto prazo para mudar essa situação”, disse.

O presidente do CMDCA salientou a falta de equipamentos públicos e projetos esportivos e culturais. “Infelizmente, não possuímos números de quantas crianças e adolescentes possam estar sofrendo algum tipo de abuso, violência ou exploração sexual”, adiantava, alertando que o crime se aproveita da fragilidade do ambiente e vulnerabilidade das crianças. “Os meninos não têm quase opção. A escolaridade é comprometida, a inserção futura no mercado de trabalho também e não precisa de muito esforço para o crime cooptá-los. Toda essa conjuntura contribui para a perda dessas crianças”, acredita.

O conselheiro finalizou alertando que as crianças que são encaminhadas para a Fundação Casa têm mais esporte, cultura e atividade educacional do que os que estão livres. “São políticas públicas às avessas. É preciso cometer um ato infracional para ter seus direitos garantidos”.

Coletivo de mulheres reforça situação

Entre 19 e 30 de março último. O Diário publicou o drama de mulheres e crianças do Centro. A denúncia foi vista com preocupação pela Câmara e Prefeitura, mas nenhuma ação afetiva foi realizada por parte do Legislativo e Executivo da cidade para minimizar o assédio dos marginais. A Reportagem descobriu que viver nesses bairros é mais do que desafiar a sorte, é driblar a morte que está em cada esquina, cada imóvel abandonado e rua mal iluminada.

As mulheres entrevistadas, que pediram que suas identidades fossem preservadas, revelaram perseguições visando estupro, invasões de imóveis e descarte de vítimas. As situações não possuem sequer registro na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM).

Tudo confirmado por Dida Dias e Luciana Jorge, do coletivo feminista Maria Vai com as Outras, formado em outubro do ano passado com o objetivo de lutar pelos direitos e combater a violência contra as mulheres.

Elas contaram que, sem alternativas, mulheres e crianças deixaram de conversar e brincar na rua. As famílias vivem trancadas nos cômodos onde moram. Revelaram que tudo ocorre por conta da falta de políticas públicas e investimentos no Centro, praticamente abandonado por sucessivas administrações, incluindo a atual. Disseram ainda que a área do Paquetá e do Mercado serve não só como armadilha, mas como desova de vítimas de estupro. Tudo em função da falta de iluminação, de câmeras públicas de vigilância, efetivos da Guarda Municipal, da Polícia Militar, equipamentos de lazer, esportivos e culturais.

Investidas

Dida Dias revelou à Reportagem que não são poucos os casos de homens de outros bairros da cidade, principalmente os mais sofisticados, que se dirigem ao Centro e imediações em busca de drogas e, principalmente, de ‘presas fáceis’.

“Eles buscam meninas para usar e jogar fora. Para eles, no Centro e bairros carentes moram apenas mulheres sem valor, sem dignidade, que não merecem respeito”, disse.

Ela também garante que há diferença entre a Santos de antes e depois da linha do mais novo meio de transporte da Cidade, o Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT). Se do lado praia existe lazer, espaços culturais, mais opções de transporte, iluminação, segurança, zeladoria e comércio variado. “O outro lado serve quase como desova de pessoas vítimas de violência. Santos é a melhor cidade para se viver, onde? Se não houver políticas públicas urgentes voltadas para a região, veremos muitos casos semelhantes a da pequena Carlinha”.

A menina Carla Roberta Barbosa, de apenas nove anos, foi encontrada num domingo de janeiro morta na frente da garagem de uma empresa, na Rua Constituição, no bairro Paquetá.

Segundo familiares, a menina saiu de casa para brincar com outras crianças que moram no bairro, mas demorou para voltar. A garota estava seminua e com sinais de que havia sido estuprada. O caso foi amplamente divulgado pela Imprensa, mas a Polícia ainda não encontrou o responsável.

Abrainc formaliza apoio ao combate à exploração sexual de crianças

Enquanto essa reportagem estava sendo realizada, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) anunciou apoio o ao Instituto Liberta, que propõe uma conscientização acerca do tema da exploração sexual de crianças na sociedade brasileira. O termo de adesão foi assinado pela associação e pelo instituto.

“A exploração sexual de crianças é um problema complexo e de grande amplitude. Por isso, todo apoio ao seu combate é necessário. Somente por meio de um esforço conjunto, que englobe todos os setores da sociedade civil e do poder público, poderemos transformar essa realidade. É nesse intuito que a Abrainc e seus associados estão engajados nesta campanha”, afirma Luiz Antonio França, presidente da Abrainc.

Idealizada pelo empresário e filantropo Elie Horn, fundador da incorporada Cyrela, a organização não governamental foi estruturada no ano passado e tem como presidente a professora e doutora em direito, Luciana Temer. O Instituto já lançou uma impactante campanha publicitária. O comercial, denominado “Números”, apresenta diversas estatísticas alarmantes sobre a exploração sexual de crianças e jovens e mostra o caminho para que a sociedade possa denunciar por telefone, por meio do canal “Disque 100”. A campanha está orçada em R$ 1 bilhão e cerca de 95% serão doados por empresas, meios de comunicação e artistas.

Brasil

Dados recentes da UNICEF apontam que mais de 250 mil crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual no Brasil. A Organização das Nações Unidas calcula que o tráfico de seres humanos para exploração sexual movimenta cerca de 9 bilhões de dólares no mundo, e só perde em rentabilidade para o mercado ilegal de drogas e armas. Dos 5.561 municípios brasileiros, 937 ocorre exploração sexual de crianças e adolescentes. O número representa quase 17% dos municípios de todos país.

No Brasil, a cada 26,7 quilômetros há um ponto vulnerável de exploração sexual infantil, segundo dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Há casos registrados de menores oferecendo os corpos por até R$ 2,00.

Mais de 100 mil meninas são vítimas de exploração sexual no Brasil, apontam os dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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