Os mangues são considerados "florestas de carbono azul" por sua função de sumidouro natural de carbono / Divulgação
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Uma nova abordagem científica revelou mecanismos que tornam os manguezais ainda mais poderosos na retenção de carbono, ampliando o potencial desses ecossistemas como aliados no combate às mudanças climáticas. As informações são da Agência FAPESP.
O estudo, publicado na revista Nature Communications, foi conduzido por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e financiado pela FAPESP. A descoberta pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias mais eficazes de mitigação dos impactos causados pelo uso intensivo da terra.
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Reconhecidos por sua alta capacidade de capturar gases de efeito estufa, inclusive mais do que florestas tropicais como a Amazônia, os manguezais devem essa eficiência, até agora, à ausência de oxigênio nos solos alagados, o que retarda a decomposição da matéria orgânica.
O novo estudo, no entanto, avança nessa explicação: óxidos de ferro de baixa cristalinidade, como a ferri-hidrita e a lepidocrocita, também desempenham papel central na estabilização do carbono orgânico presente nesses solos.
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Esses minerais agem como uma espécie de escudo químico, protegendo frações instáveis da matéria orgânica, chamadas de lábeis, contra a decomposição biológica e, consequentemente, evitando a liberação de dióxido de carbono (CO) para a atmosfera.
Quando há alteração no uso da terra, como para criação de tanques de camarões ou pastagens, o ambiente geoquímico é modificado, promovendo a transformação desses óxidos menos cristalinos em formas mais cristalinas e menos eficazes, o que acelera a liberação de carbono.
“Nosso estudo traz inovações importantes. Criamos uma metodologia que, embora baseada em técnicas conhecidas, foi aplicada de forma inédita para evidenciar a importância do ferro nesse processo”, explicou o pesquisador Francisco Ruiz, do Departamento de Ciência do Solo da Esalq, à Agência FAPESP.
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As análises foram realizadas com amostras do estuário Mocajuba-Curuçá, no Pará, e utilizaram espectroscopia no infravermelho, análise térmica (TG-DSC) e extração química seletiva. Ruiz é o primeiro autor do artigo e bolsista da FAPESP no projeto apoiado pelos centros de pesquisa CCARBON e RCGI.
Para o professor Tiago Osório Ferreira, orientador de Ruiz e também pesquisador da Esalq, os resultados representam uma “quebra de paradigma” na forma como se entende a atuação dos solos de manguezais como drenos de carbono. “Compreender esses mecanismos permite identificar práticas de uso do solo que potencializam ou prejudicam a capacidade de estocagem de carbono e, por consequência, as emissões de gases de efeito estufa”, destacou.
Os mangues são considerados “florestas de carbono azul” por sua função de sumidouro natural de carbono. No Brasil, estima-se que a destruição de vegetação em áreas de manguezais possa liberar até três vezes mais CO por hectare do que uma área equivalente da floresta amazônica, o que equivale a 1.228 toneladas por hectare. Atualmente, o país abriga cerca de 1,4 milhão de hectares de manguezais, com o maior trecho contínuo localizado entre os estados do Amapá e do Maranhão.
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Apesar da importância, cerca de 25% desses ecossistemas já foram destruídos desde o início do século 20, em grande parte por desmatamento, urbanização e mudanças no uso da terra. Os impactos tendem a se agravar com o aumento do nível do mar, eventos climáticos extremos e maior pressão humana.
Essas áreas são fundamentais não apenas para o clima, mas também para a sobrevivência de cerca de 500 mil brasileiros, como pescadores artesanais, marisqueiros e extrativistas. Além disso, os manguezais abrigam mais de 770 espécies de fauna e flora, e servem como berçário natural para diversas espécies marinhas.
“O problema não está no extrativismo tradicional, como a coleta de caranguejos, mas na ruptura do equilíbrio biogeoquímico provocada pela remoção de vegetação e pelo uso inadequado do solo. O estudo reforça a urgência de estratégias que combinem conservação e restauração”, concluiu Ferreira.
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Os pesquisadores alertam que os projetos de recuperação desses ecossistemas devem ir além do reflorestamento. A recomposição do equilíbrio geoquímico dos solos é um processo lento, dificultado por erosões e degradação. Iniciativas inovadoras serão essenciais para garantir a resiliência dos manguezais diante da crise climática.