Cotidiano
Discreto, solitário e pouco conhecido do grande público, o animal enfrenta hoje um risco extremo de extinção impulsionado por um mercado clandestino bilionário
O principal alvo dos caçadores são as escamas, usadas há séculos na medicina tradicional asiática como suposto tratamento para inflamações, dores e até infertilidade / Divulgação/ Netflix
Continua depois da publicidade
O pangolim, mamífero coberto por escamas de queratina, tornou-se um dos símbolos mais graves do tráfico ilegal de fauna no mundo. Discreto, solitário e pouco conhecido do grande público, o animal enfrenta hoje um risco extremo de extinção impulsionado por um mercado clandestino bilionário, especialmente na Ásia, onde suas escamas chegam a valer até US$ 3.000 o quilo
Existem oito espécies de pangolim, quatro na Ásia e quatro na África, e todas estão atualmente classificadas como ameaçadas ou criticamente ameaçadas. Os pangolins asiáticos, em especial, já apresentam colapso populacional em algumas regiões.
Continua depois da publicidade
Quando se sente ameaçado, o animal se enrola como uma bola, expondo apenas as escamas rígidas — uma defesa eficaz contra predadores naturais, mas inútil diante da ação humana.
O principal alvo dos caçadores são as escamas, usadas há séculos na medicina tradicional asiática como suposto tratamento para inflamações, dores e até infertilidade, apesar de não haver comprovação científica de qualquer benefício terapêutico. O contraste de preços ao longo da cadeia ilegal explica o interesse de redes criminosas internacionais.
Continua depois da publicidade
Na África, caçadores locais recebem entre US$ 10 e US$ 15 por quilo. Nas rotas de contrabando, intermediários pagam até US$ 600. Já no destino final, especialmente em China e Vietnã, o valor pode chegar a US$ 3.000 por quilo, superando o preço do ouro em peso
Dados da ONG TRAFFIC, que monitora o comércio ilegal de vida selvagem, indicam que mais de um milhão de pangolins foram retirados da natureza entre 2000 e 2020, tornando-o o mamífero mais traficado do mundo, à frente de espécies icônicas como tigres e rinocerontes
O tráfico opera em escala industrial: animais são capturados em florestas africanas e asiáticas, as escamas são estocadas e enviadas em contêineres disfarçados de cargas legais — como madeira, café ou peixe congelado — até mercados asiáticos. A Nigéria tornou-se um dos principais pontos de exportação ilegal.
Continua depois da publicidade
As maiores apreensões da história ilustram a escala do problema. Em 2017, Hong Kong confiscou 8 toneladas de escamas. Em 2019, Cingapura interceptou 12,9 toneladas, avaliadas em US$ 38 milhões. Cada tonelada representa cerca de 1.600 animais mortos, segundo estimativas da TRAFFIC
Além das escamas, a carne de pangolim é considerada uma iguaria rara em restaurantes clandestinos, servida a preços elevados como símbolo de status. Esse consumo de luxo contribui para a pressão sobre populações já fragilizadas.
Em 2020, a China retirou oficialmente o pangolim da lista de animais aprovados para uso medicinal e elevou seu nível de proteção legal. Ainda assim, investigações mostram que o comércio ilegal persiste, alimentado por crenças culturais e pela busca por prestígio social
Continua depois da publicidade
A extinção do pangolim teria efeitos além da biodiversidade. Cada animal pode consumir até 70 milhões de formigas e cupins por ano, ajudando no controle natural de pragas. Sua ausência pode desequilibrar ecossistemas inteiros.
Organizações como WWF, WildAid e Save Pangolins apostam em campanhas de conscientização e operações internacionais, mas especialistas alertam: sem redução da demanda e alternativas econômicas para comunidades locais, o pangolim pode desaparecer nas próximas décadas
O caso do pangolim expõe um dilema global: um animal pouco conhecido, mas que está sendo eliminado a uma velocidade alarmante — um retrato de como luxo, superstição e crime ambiental podem apagar uma linhagem inteira da história evolutiva do planeta.
Continua depois da publicidade