Cotidiano
Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia identificaram que o fungo presente na tumba do faraó Tutancâmon produz moléculas com alto potencial anticancerígeno
Imagem ilustrativa gerada por IA / Freepik
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A descoberta da tumba do faraó Tutancâmon, em 4 de novembro de 1922, por Howard Carter no Vale dos Reis, no Egito, foi um marco da arqueologia. O achado, que revelou um impressionante tesouro, incluindo a icônica máscara mortuária de ouro, proporcionou um mergulho sem precedentes na cultura da realeza egípcia. No entanto, a empolgação logo deu lugar a mistério e temor: meses após a abertura da tumba, o financiador da expedição, Lord Carnarvon, morreu repentinamente, seguido por outras mortes associadas à equipe. Assim nasceu a lenda da “maldição do faraó”.
Por décadas, essas mortes foram envoltas em teorias sobrenaturais. Mas estudos modernos apontaram um culpado real e invisível: o Aspergillus flavus, um fungo tóxico que pode permanecer adormecido por milênios em ambientes fechados como tumbas e criptas.
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Pesquisadores criam composto promissor contra mais perigoso tipo de câncer
Comum em solos, vegetação em decomposição e grãos armazenados, o A. flavus é altamente resistente. Quando perturbado, libera esporos que podem causar infecções respiratórias graves, principalmente em pessoas com imunidade comprometida.
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O fungo foi detectado não apenas na tumba de Tutancâmon, mas também no sarcófago do rei polonês Casimiro IV, outro caso cercado por mortes misteriosas de cientistas nos anos 1970. Em ambos os episódios, acredita-se que as toxinas liberadas tenham sido as verdadeiras causadoras das doenças fatais.
Apesar de sua fama sombria, o Aspergillus flavus passou a chamar a atenção da ciência por outro motivo. Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia identificaram que o fungo produz moléculas com alto potencial anticancerígeno. No Brasil, estudos avançaram ainda mais: cientistas conseguiram desenvolver um composto derivado do fungo capaz de interromper o crescimento de células tumorais e induzir sua morte.
Essas substâncias pertencem ao grupo dos RiPPs, peptídeos produzidos por ribossomos e modificados quimicamente para aumentar sua eficácia biológica. Embora comuns em bactérias, esses compostos são raros entre os fungos. A pesquisa com diferentes cepas do gênero Aspergillus revelou quatro novas moléculas promissoras, batizadas de asperigimicinas.
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As asperigimicinas apresentaram uma estrutura molecular única, composta por anéis entrelaçados, e mostraram eficácia ao inibir o crescimento de células cancerosas humanas. Além disso, os cientistas conseguiram identificar o mecanismo de entrada das moléculas nas células, uma barreira histórica no desenvolvimento de medicamentos anticâncer. Lipídios específicos presentes nas células parecem facilitar esse processo, aumentando o potencial terapêutico do composto.
Essas moléculas atuam bloqueando a formação dos microtúbulos, estruturas essenciais para a divisão das células cancerosas. O efeito foi observado apenas em tipos celulares específicos, o que indica um caminho para tratamentos com menos efeitos colaterais.
A descoberta também revelou genes semelhantes em outros fungos, indicando uma vasta diversidade de RiPPs ainda inexplorada, um verdadeiro campo fértil para a biotecnologia moderna.
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A jornada do Aspergillus flavus, de agente de possíveis mortes arqueológicas a possível protagonista no combate ao câncer, reforça a dualidade da natureza: ameaçadora, mas também repleta de soluções. Assim como a penicilina mudou a história da medicina, as asperigimicinas podem representar um novo marco nos tratamentos oncológicos. O próximo passo será a realização de testes em modelos biológicos mais complexos, com vistas a futuros ensaios clínicos.
Se os resultados se confirmarem, o “maldito das tumbas” pode renascer como uma poderosa ferramenta da medicina do futuro.