Cotidiano

Lenda do rádio esportivo santista, Walter Dias chega aos 90 anos narrando histórias

Ao Diário, ele relembra suas principais passagens na área do jornalismo esportivo

Gabriel Fernandes

Publicado em 10/11/2025 às 07:40

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Radialista Walter Dias segue na ativa há 72 anos / Renan Lousada/DL

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Responsável por dar voz ao milésimo gol de Pelé e narrar uma das mais importantes partidas na história da Portuguesa Santista, o radialista Walter Dias segue na ativa há 72 anos. Além de fazer parte do programa Radar Esportivo, da Rádio Ômega Web, ele também é a voz oficial do Estádio Ulrico Mursa, casa da Portuguesa Santista.

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Completando 90 anos no último dia 7 de outubro, ele nunca deixou de demonstrar sua paixão pela profissão e, ao Diário, relembra que, na sua época de adolescência, por um breve momento, poderia ter ido para outra área bem diferente. Só que o destino não quis que isso acontecesse.

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Infância

Aos 9 anos, Walter já gostava de narrar jogos de futebol e começou fazendo isso com as partidas de seus amigos, que, na época, brincavam em um terreno no bairro do Campo Grande.

Só que, nesse mesmo período, sua mãe acabou falecendo, e seu pai se viu obrigado a “separar” os cinco filhos, incluindo o próprio Walter, mandando-os para morar em diferentes partes do Brasil. “Meu pai não tinha condições de nos criar, e eu fui parar em Florianópolis, onde tenho parentes.”

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Ao chegar por lá, seu tio logo lhe pediu que frequentasse a escola e também aprendesse a trabalhar como alfaiate. “Cheguei em um dia, no outro já estava no colégio. Estudava pela manhã e, à tarde, ia para a alfaiataria”, recorda.

Só que, claramente, seu amor falou mais alto. “O meu negócio não era a alfaiataria, mas o rádio mesmo.”

A situação aparentemente começou a mudar quando ele viu por lá o anúncio da abertura de um programa de calouros. “Me inscrevi e ganhei. Fui como narrador e minha prima como cantora.”

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Radialista Walter Dias nunca escondeu seu amor pelo trabalho de narrador esportivo (Renan Lousada/DL)
Radialista Walter Dias nunca escondeu seu amor pelo trabalho de narrador esportivo (Renan Lousada/DL)
O mesmo vale para a Portuguesa Santista e ao Santos Futebol Clube (Renan Lousada/DL)
O mesmo vale para a Portuguesa Santista e ao Santos Futebol Clube (Renan Lousada/DL)
Entretanto, por um breve momento, ele poderia ter seguido por uma área completamente diferente, mas o destino não quis que isso acontecesse (Renan Lousada/DL)
Entretanto, por um breve momento, ele poderia ter seguido por uma área completamente diferente, mas o destino não quis que isso acontecesse (Renan Lousada/DL)

Retorno a Santos

Depois de passar um ano em Florianópolis, Walter retornou para Santos, onde foi criado por sua avó e tia. Na época, ele constantemente acompanhava os jogos do Santos na Vila Belmiro.

Ainda narrando os jogos dos amigos, eles o incentivaram a participar de um concurso para integrar a Rádio Cultura, em São Vicente. “Havia por volta de uns 100 candidatos, e ganhei em primeiro lugar”, recorda.

Entretanto, ele começou a trabalhar na área na Rádio Guarujá, como participante de um programa esportivo, em 1954. Alguns anos depois, Walter passou a atuar na Rádio Clube, onde começou como escuta e dava os recados ao locutor de plantão, até se tornar repórter por volta de 1963.

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Só que, em 1964, ao ir para a Rádio Cacique, por influência do radialista Wilson Brasil, foi convidado a fazer outra atividade: narrar os jogos do Santos Futebol Clube e da Portuguesa Santista. Logo, ele aceitou a oferta.

Por lá, ele ficou até 1970, quando recebeu um convite para trabalhar na Rádio Atlântica, que era a maior da época.

Ernani Franco

Uma das principais referências de Walter era o radialista Ernani Franco, conhecido por suas reações icônicas aos gols do Santos, além de ser um dos maiores defensores do Peixe na imprensa. Mesmo que nunca tenham trabalhado juntos, a dupla vivenciou algo marcante.

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“Quando fui para a Rádio Atlântica, substituí o Ernani Franco e peguei toda a audiência dele. Acredito que não o decepcionei. Sabia da responsabilidade, pois rádio não é brinquedo.”

Ele recorda que chegou a conversar com Ernani várias vezes durante um tempo e ainda voltavam para casa juntos. “Ele deixou o nome gravado na história do esporte santista.”

Briosa

Até hoje, é muito comum se deparar com Walter Dias caminhando pelo Estádio Ulrico Mursa, casa da Portuguesa Santista. Além de ser a voz oficial da Briosa, ele possui uma longa história com o time.

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À reportagem, ele recorda que uma das mais importantes partidas que narrou para a Briosa foi contra a Ponte Preta, em 1964. Na ocasião, a torcida rival já estava comemorando o título do acesso ao então Campeonato Paulista da Primeira Divisão, mesmo antes da partida começar.

“Eu e o repórter Orlando José chegamos em Campinas para transmitir o jogo. A Portuguesa jogou um bom futebol”, recordou Walter, que ainda passou por uma situação inusitada depois do gol da Briosa, feito por Samarone.

“Quando eu gritei gol, vi uma garrafa vindo para a cabine [de narração]. Só deu tempo de me esconder embaixo. Não sei se ainda é aberta hoje em dia, mas antigamente era.”

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Quando a partida terminou, a Portuguesa venceu a Ponte por 1 a 0. Walter recorda que eles saíram do estádio por volta das 22h e conseguiram chegar a Santos à 1h da madrugada. “Foi uma festa muito bonita e muito bacana.”

Ainda nos gramados da Briosa, ele conheceu sua esposa, Neiva, com quem é casado até hoje.

“A Portuguesa tinha um quarto-zagueiro, o Clóvis. Ele tinha uma namorada que era muito amiga da minha mulher. Na festa da Fita Azul, no Ulrico, quando entregamos os troféus e tudo para os jogadores, ele me apresentou à minha esposa e nós ficamos juntos”, recorda Walter.

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“Também enrolei, namoramos oito anos quase [risos]”, comentou o radialista, que ainda lembra o convite da direção do time em relação ao casório.

“Naquela época, os diretores já se davam muito comigo e falaram: ‘Você é da Briosa e vai fazer o casamento aqui e tal’. Eu estou com minha esposa, casei em 68, até os dias de hoje, com a graça de Deus.”

As maletinhas

Por conta do orçamento mínimo durante as viagens, normalmente, ao acompanhar os jogos do Santos pelo Brasil, Walter sempre ia acompanhado de duas malas, nas quais levava o necessário para suprir a ausência de boa parte da equipe da então antiga Rádio Atlântica.

“Ia apenas com a minha maletinha, que tinha microfone e amplificador. Tudo direitinho”, recorda o locutor, que ainda levava uma mensagem de voz para inserir durante as partidas. “Era uma gravação que a Isabel fez e na qual perguntava: ‘Walter Dias, que horas são?’ E eu respondia o horário durante os jogos.”

Por mais que uma partida tenha, em média, duas horas, mesmo que estivesse sozinho, suas transmissões costumavam durar cerca de quatro horas, incluindo o pré e o pós-jogo. “Às vezes ia algum comentarista de esporte, que fazia a cobertura para o jornal, e aproveitava para comentar o jogo comigo.”

O milésimo gol do Rei

Em 16 de novembro de 1969, muitos acreditavam que o milésimo gol de Pelé sairia durante uma partida do Santos contra o Bahia. Na ocasião, o jogo não apenas terminou em empate, como o único gol da partida foi feito por Jair Bala, após o próprio Rei acertar na trave.

Mesmo tendo viajado com o Santos em várias partidas, foi justamente nessa que Walter não conseguiu o dinheiro necessário para ir. “Nessa época, eu estava na Rádio Cacique e eles não tinham condições de bancar uma viagem para outros estados brasileiros”, relembra.

Como a próxima partida seria no Maracanã, que sempre foi conhecido como um dos grandes palcos de Pelé e onde possivelmente o milésimo gol poderia sair, ele não pensou duas vezes.

Logo, tratou de avisar o repórter Leonardo Augusto para ir com ele nessa cobertura. “O primeiro passo era falar com a direção da rádio, que disse: ‘Desde que não dê prejuízo, podem transmitir o jogo’.”

Ambos, então, trataram de correr para conseguir patrocinadores, uma vez que a conversa aconteceu na manhã de segunda-feira e o jogo seria na noite de quarta da mesma semana. Ao conseguir o dinheiro, viram que era o necessário para uma viagem de ‘bate e volta’.

“O Leonardo [repórter] falou para irmos com o Fusquinha dele. A rádio só nos deu dinheiro para gasolina e lanche. Saímos de Santos às sete da manhã”, recorda.

“Chegamos às cinco da tarde no Maracanã. Liguei a cabine, os aparelhos e transmitimos o jogo. Assim que terminou, voltamos, pois não tínhamos condições de pagar o hotel.”

Relação com Pelé

Embora seja, em Santos, dono da voz responsável pelo milésimo gol do Rei, ao longo de sua trajetória Walter realizou diversas entrevistas com Pelé. “O relacionamento foi o melhor possível. Sempre analisei o jogador dentro do campo. Vida particular, cada um tem a sua”, comentou.

Entre as diversas entrevistas com o atacante santista, uma acabou gerando uma situação bastante inusitada. “Entrevistei o Pelé no banheiro, em Curitiba”, recordou o radialista, aos risos.

“No jogo Santos e Coritiba, em Curitiba, acabou o almoço e ele correu. Então falei: ‘Pelé, Pelé, Pelé...’ e ele: ‘O que é? O que você quer?’ e eu: ‘Dá uma palavrinha e tal’. E fiz a entrevista”, recorda Walter, que explica que, naquele tempo, não existiam os diversos critérios rigorosos para realizar uma entrevista.

“Naquele tempo, era uma caixa que se tinha que carregar nas costas, um gravador de fita grande.”

Futuro do rádio

Sobre o futuro do rádio, Walter comenta que as redes sociais diminuíram a popularidade deste meio de comunicação. “Hoje você vê o jogo pela rede social. Há uma série de ferramentas para assistir às partidas”, comentou.

Ele ainda reflete que hoje o cenário está bem diferente. “Eu fico, de vez em quando, pensando, que naquela época ia a tudo que era lugar para narrar partidas ao vivo. Hoje, se eu sou narrador, vou estar sentado numa cadeira radiando o jogo com uma imagem. Eu abriria falência”, brincou.

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