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Cotidiano

Jovem denuncia negligência em rede de saúde de Cubatão

Alline alega que seu pai não recebeu atendimento adequado nos últimos dois meses; ele morreu dia 15

Publicado em 19/03/2014 às 10:38

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Em um momento de falta de saúde o que menos pode faltar é assistência. No entanto, foi o que faltou para o aposentado José Luiz da Cunha, de 67 anos, segundo a filha Alline Araújo Cunha, de 24 anos, ambos moradores da Vila Nova, em Cubatão.

Desde fevereiro que a família vem enfrentando problemas no sistema público de saúde da cidade. Segundo Alline, tudo começou no dia 18 de fevereiro, quando o pai sofreu um AVC. A primeira dificuldade encontrada foi para conseguir vaga na UTI no Hospital Municipal. O senhor Cunha ficou no semi-intensivo do Pronto-Socorro Central.

“Para que meu pai conseguisse ir para a UTI, precisei apelar para a Procuradoria do Município. A gente sabe que só assim consegue alguma coisa por aqui. Depois de alguns dias, consegui transferir meu pai”, conta Alline, que ainda denuncia as más condições do local em que estava. “O banheiro estava imundo, sem papel higiênico, papel-toalha, sabonete e chão sujo. Avisava que tinha que limpar, mas ninguém me atendia”, reclama.

O pai recebeu alta no dia 24 de fevereiro. Foi liberado para continuar usando sonda de alimentação em casa. “Eu fiz o pedido da sonda da Prefeitura, mas até hoje não recebi nenhuma resposta. Tive que improvisar e colocar outros tipos de alimentação. A mesma coisa aconteceu com a fralda, tive que me virar”, explicou a jovem.
Um dia após sair do hospital, Cunha precisou voltar. O diagnóstico: broncopneumonia. “O médico afirmou que meu pai ficou assim por causa do ar-condicionado do quarto. Que ficou em cima dele o tempo todo. Ele estava doente, não dava pra ter um ar tão gelado em cima dele”.

Hospital Municipal- Conseguir vaga na UTI para José Luiz da Cunha, de 67 anos, foi a primeira dificuldade encontrada, segundo a munícipe (Foto: Luiz Torres/DL)

O aposentado não foi internado, mas desde então, a cada dia ficava ainda mais debilitado. Segundo Alline, a febre cessou, mas a tosse não passava nunca. Por conta do AVC, Cunha ficou com o lado esquerdo todo paralisado. Para levá-lo ao hospital, Alline passava por uma verdadeira odisseia. “Para não ter ir até o hospital carregando ele no colo, praticamente, eu solicitei ajuda ao serviço Programa de Assistência à Domicílio (PAD), da Prefeitura. Na primeira vez veio um clínico que tirou a sonda que meu pai usava, mesmo não sendo especialista, e mal encostou nele e nem pediu exames. Quando pedi o serviço pela segunda vez, a Prefeitura me informou que não poderia atender o meu pai porque ele não tinha feridas (escaras) no corpo e que havia outros casos mais graves aguardando atendimento”.

E assim, Cunha e Alline seguiram, segundo ela, buscando ajuda, sobrevivendo e correndo atrás de diretos básicos. Até que, no dia 15 de março, Alline identificou que a pressão do pai estava muito baixa (cinco por três). Quando ela começou a juntar os documentos para correr ao hospital, o pai teve uma parada cardíaca. “Eu me desesperei. Enquanto fazia os primeiros socorros, ligava para o SAMU. Comecei a reanimar o meu pai por duas vezes, mas ele voltava a ter parada. O SAMU chegou depois de um tempo, mas não tocou a campainha e nem entrou no prédio onde eu moro para socorrê-lo. Precisei gritar muito para a enfermeira vir, sem equipamentos, e começar a observar o quadro do meu pai. Ela não fez nada, nem quis colocar ele na máquina. Nem ela e nem o motorista da ambulância. Eles precisaram chamar outra ambulância para poder retirar o meu pai do local. Na ambulância continuaram sem fazer a massagem para reanimar meu pai”.

Ao chegar no hospital, um longo tempo depois, Alline recebeu a notícia de que seu pai tinha falecido. Ela e a mãe passaram mal por conta da pressão alta e, segundo ela, novamente ficaram sem assistência. “Passava médico, enfermeiro e ninguém acudia minha mãe. A única pessoa que se prontificou falou que eu precisava fazer uma ficha para ser atendida. Só depois de tudo isso, minha mãe foi para um quarto”, conta.

E quem pensa que os problemas da jovem acabaram, engana-se. “Demoraram muito tempo para liberar o corpo do meu pai, alegaram que era problema de identificação. Como? Se meu pai foi atendido pelas pessoas que já o conheciam de outros atendimentos”, explica. Por conta desses problemas burocráticos, Alline lamenta não ter conseguido velar o corpo do pai. “O corpo do meu pai chegou ao cemitério às 16h50 do dia 16 (domingo). Às 17 horas, ele foi enterrado. Apenas conseguimos rezar uma oração por ele”.

Para a jovem de 24 anos, tudo o que aconteceu não passa de descaso. “Eu quero respostas. Eles estão lidando com pessoas. É preciso ter o mínimo de respeito com o paciente e com os familiares”, pede.

Prefeitura investigará o caso

Sobre o caso, a Secretaria Municipal de Saúde informou à reportagem do DL que no dia 15 (sábado), às 13h05, o paciente José Luiz da Cunha, de 67 anos, da Vila Natal, conduzido pela ambulância da Personal, deu entrada no PS Central. “Foram feitas manobras de ressuscitação, todas sem sucesso, sendo em seguida constatado o óbito. Houve ainda acolhimento à filha do paciente, Alline Cunha, que passou mal ao ser informada do óbito do pai, sendo a mesma medicada e liberada”. A secretaria explicou ainda que a munícipe havia contratado recentemente um serviço social de luto, que realizou todos os trâmites quanto ao enterro.

A Prefeitura garante ainda que todos os procedimentos envolvendo o tratamento do paciente serão apurados, desde os atendimentos anteriores até a emergência do último dia 15. Os servidores envolvidos serão ouvidos para apuração de responsabilidades, estando sujeitos a punições administrativas, caso se configure alguma falha. “A Prefeitura, por meio da Ouvidoria da Saúde, está em permanente contato com a munícipe denunciante para levantamento de informações e prestação de toda a assistência necessária neste difícil momento”, informou através de nota.

O Governo Municipal esclarece ainda que todos os computadores do Pronto Socorro Central e Hospital Municipal são bloqueados contra sites não permitidos, inclusive Facebook e Youtube. E todos os funcionários do complexo são orientados quanto a isso, bem como recebem treinamento permanente para o bom atendimento aos munícipes. Caso seja comprovada qualquer infração, os envolvidos serão responsabilizados e penalizados.

Caso a família de um munícipe falecido não tenha condições financeiras de arcar com as despesas funerárias, a Prefeitura oferece esse serviço gratuitamente, que pode ser solicitado junto ao serviço de assistência social da Municipalidade.

Todos os procedimentos de limpeza e higiene do Hospital Municipal seguem a critérios internacionais, reconhecidos por instituições independentes. O mesmo acontece com os procedimentos médicos de emergência no PS, inclusive com a adoção de medidas como o Protocolo de Manchester, que prioriza o atendimento aos casos mais graves, baseado em um sistema de cores. Cubatão é uma das primeiras cidades do País a adotar a medida, que em breve será ampliada a toda a rede pública nacional.

Por fim, a Prefeitura destaca que mantém canais permanentes de contato com a população para o aprimoramento permanente da saúde pública. Informações, denúncias e sugestões podem ser enviadas à Ouvidoria da Saúde.

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