Cotidiano
O fenômeno ocorre quando a urbanização altera a paisagem natural e eleva a temperatura em determinadas regiões, reduzindo a circulação de ventos e aumentando a retenção de calor
Basta caminhar pela orla da Ponta da Praia para perceber o avanço da verticalização / Renan Lousada/DIário do Litoral
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A intensa verticalização e a redução de áreas verdes transformaram Santos na cidade com o pior índice de ilhas de calor do litoral de São Paulo. O fenômeno ocorre quando a urbanização altera a paisagem natural e eleva a temperatura em determinadas regiões, reduzindo a circulação de ventos e aumentando a retenção de calor.
Dados da plataforma UrbVerde, sistema digital de monitoramento socioambiental alimentado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e parceiros, indicam que Santos apresenta coeficiente de 83,3 em uma escala que vai até 100.
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No ranking do litoral paulista, a segunda colocada é São Vicente, com índice de 79,7. Em todo o estado, a capital São Paulo lidera a lista, com coeficiente máximo de 100.
O cálculo considera a multiplicação entre a população vulnerável — especialmente idosos e crianças — e o fator de intensidade térmica, que mede a diferença de temperatura entre setores de cada município.
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Segundo o IBGE, Santos é hoje a cidade mais verticalizada do Brasil. O levantamento aponta que 67,1% das moradias são apartamentos, percentual superior ao de Balneário Camboriú (63,3%) e São Caetano do Sul (52,5%). Entre os censos de 2010 e 2022, o número de apartamentos cresceu 23,2%, passando de 91.228 para 112.401 unidades.
Na prática, o avanço dos edifícios altos tem impacto direto no conforto térmico da população. 'Santos cresceu para cima. É um prédio cobrindo o outro. Falta vento e falta verde', relata a aposentada Heliete Botelho da Silveira, de 75 anos. Para o técnico de enfermagem Odair Benjamin, 54, o plantio de árvores ajuda, mas não resolve totalmente. 'Mais verde amenizaria o problema, mas é paliativo. Solução definitiva não dá mais', afirma.
O aposentado Luiz Yamashiro, 80, que divide a rotina entre Santos e Araraquara, sente a diferença. 'Sinto mais calor em Santos. E a gente cansa mais rápido.'
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Basta caminhar pela orla da Ponta da Praia para perceber o avanço da verticalização. Três grandes edifícios residenciais estão em construção próximos à faixa de areia, cenário que se repete em bairros como Aparecida, Embaré e Boqueirão, onde casas e construções mais baixas vêm sendo substituídas por novos prédios.
De acordo com especialistas, esse tipo de ocupação interfere diretamente na circulação dos ventos marítimos, que historicamente ajudavam a amenizar as temperaturas na cidade.
Para o urbanista e pesquisador da UrbVerde Marcel Fantin, a verticalização é um fator central no problema. 'Ela interfere na movimentação dos ventos, cria bloqueios contra a circulação adequada e desestrutura toda a infraestrutura verde-urbana', analisa.
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Professor do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da USP em São Carlos, Fantin destaca que as ilhas de calor vão além do desconforto térmico. 'Elas aumentam o cansaço físico, reduzem a capacidade de regulação térmica do corpo e abrem caminho para doenças associadas à sobrecarga do coração.'
O pesquisador também lembra que o padrão urbano da costa paulista mudou radicalmente ao longo das décadas. 'Nos anos 1940 e 1950, havia murinhos baixos, quintais verdes, árvores frutíferas e vegetação nas calçadas. Tudo isso se perdeu.'
A Prefeitura de Santos afirma adotar medidas para enfrentar o problema. Em 2024, o município unificou as secretarias de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente. “Não podemos aceitar uma cidade desenvolvida sem respeito à natureza”, avalia o secretário Glaucus Farinello, de 44 anos.
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Em março de 2025, foi lançado o programa Santos Sustentável, que prevê o plantio de 10 mil árvores até 2028, elevando para cerca de 45 mil o total de árvores na área insular, onde vivem mais de 95% dos moradores da cidade.
Entre as ações está a chamada 'acupuntura verde', que substitui áreas asfaltadas por canteiros, hortas e pomares urbanos. Um dos exemplos é a criação de uma mata urbana em um antigo estacionamento, onde foram plantadas 194 mudas de espécies nativas da Mata Atlântica, como pitangueiras.
Outra iniciativa recente é o Parque dos Morros, criado em julho, com 290 mil metros quadrados, voltado à preservação da biodiversidade, proteção da fauna e regeneração ambiental.
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Porto e logística também contribuem para o aquecimento
Além da verticalização, a intensa atividade portuária também influencia o cenário térmico. O fluxo constante de caminhões e cargas no Porto de Santos, o maior da América Latina, contribui para a elevação das temperaturas em áreas urbanizadas.
Para especialistas, o desafio de Santos passa por repensar o modelo de crescimento urbano, equilibrando desenvolvimento, infraestrutura e preservação ambiental. Em uma cidade cercada pelo mar, o bloqueio da brisa e a perda de áreas verdes transformam o calor em um problema cada vez mais presente no cotidiano da população.
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