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Cotidiano

Ilha Diana: entre a cruz e o Porto

Impactos da instalação de terminal portuário causa apreensão em reduto caiçara

Publicado em 18/07/2016 às 08:00

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Vida caiçara contrasta com o vai e vem de navios e contêineres / Rodrigo Montaldi/DL

Na pacata Ilha Diana, último reduto exclusivo de famílias caiçaras, em Santos, o clima é de apreensão. A chegada do vizinho, o terminal portuário da Embraport, a partir de 2010, prometia o desenvolvimento e a geração de empregos àquela região. No entanto, os impactos provocados pelo empreendimento já causam sérios problemas à comunidade de pescadores, que não sabe mais como sobreviver diante da falta de recursos e do descaso.

“Antes da Embraport era tanto pescado que a gente tinha até que vender mais barato para não perder. Hoje a gente pega muito pouco. Mais para consumo mesmo. Deram emprego para nós no começo da instalação, na pior fase do terminal. Todo mundo da Ilha que quis foi empregado. No período da obra nós éramos necessários para cercar o empreendimento. Nativos que conheciam o cotidiano da região e carregavam toras de madeira nas costas”, disse o pescador Eduardo Hipólito, de 44 anos. Ele atuou como líder de obras na Odebrecth, empresa que esteve à frente da construção do terminal portuário.

Segundo Hipólito, que nasceu na Ilha Diana, a instalação do complexo limitou a pesca naquela região. “A maior área pesqueira foi aterrada por eles. A gente não pode navegar dentro do limite imposto pela empresa. Vamos para o canal de Bertioga, mas lá também tem pescador. As famílias vivem da pesca e com a redução dos pescados estão sendo obrigadas a migrar para outra área de atuação”, afirmou. Entre as espécies mais encontradas na ilha estão a tainha, o parati e o robalo. Os bagres, antes em abundância, agora raramente são vistos.

Com a limitação pesqueira, as cerca de 60 famílias que vivem na ilha hoje passa por dificuldades.

“Estamos sobrevivendo, porque viver é quando a gente trabalha e vive bem. No inverno não estamos pegando nada. As mulheres estão ajudando os maridos fazendo faxina e salgado para vender na cidade. É o jeito, porque não dá para esperar o defeso. Antigamente uma criança de seis anos da ilha já aprendia a pescar. Hoje não mais”, destacou Hipólito.

O nativo da ilha também disse que depois do terminal outras espécies de  animais não foram mais vistas naquela região. “Tucano aparecia bastante, macacos, capivara, raposa, cotia (...). Agora não se vê mais nada disso. Ganharam prêmio por instalação de projeto ambiental, mas tem que ver o que o impacto provocou na comunidade”, disse o pescador.

Oportunidade. A estudante do quarto ano de Engenharia Civil Angela de Souza Lima, de 32 anos, também sente na pele os impactos provocados pela instalação do terminal. De família de pescadores, a jovem, que encara um financiamento estudantil para terminar a faculdade, já não vê mais perspectivas na ilha. “Os filhos da gente não vive mais da pesca. A gente incentiva os filhos a estudar, a fazer outra coisa porque não sabe pescar. Muita gente já saiu daqui”, afirmou.
 

Angela ressaltou a condição de exclusividade da Ilha Diana na região. “Somos a última comunidade caiçara de Santos e nem apoio da prefeitura temos. A gente já não sabe quanto tempo conseguimos sobreviver. Será que os meus netos vão ficar aqui?”, questiona. “O mato que tem aí em frente (da Embraport) é só uma ‘cortina’. Aterraram tudo. A degradação do meio ambiente acabou com a qualidade de vida das pessoas”, ­destacou.

A estudante também denuncia a alta velocidade da barca utilizada pela empresa para o transporte de seus funcionários. Ela quase foi atropelada quando navegava em um barco rumo à ilha. “A lancha é grande e passa muito rápido, em alta velocidade. Em um dia de neblina, quando estávamos no barco, por pouco não fomos atropelados”, disse.

Emprego. A auxiliar administrativo Maria Luiza Hipólito, de 33 anos, trabalhou na área de Recursos Humanos da empreiteira que construiu o terminal. Depois, dispensada, nunca teve oportunidade na empresa. “Disseram que eu era inapta para o cargo, mas tem gente que trabalhou comigo, mas não mora aqui, e está empregada. Prometeram empregos. Fizeram um curso de vistoriador de contêiner, mas não chamaram ninguém. Todo mundo fez, mas quando diz que é daqui não contratam. Quando contratam dão um jeito de ser pela terceirizada”, destacou.

De acordo com os moradores, apenas duas pessoas que moram na Ilha Diana trabalham na Embraport. “Sonho de trabalhar lá eu tenho. Mas sei que essa briga não vai parar aqui e não vão dar emprego para nós. Invadiram a nossa casa, acabaram com a nossa vida e não deram nada em troca”, destacou Maria Luiza.

Turismo. Os moradores disseram que a Embraport dá suporte para um projeto de turismo sustentável na ilha. Uma empresa terceirizada atua no agenciamento e na capacitação dos participantes. Mas isso não é suficiente. “Alegam que fazem investimento no turismo. Mas o projeto já era desenvolvido na comunidade desde 2000. Eles só colocaram em apostila e ‘profissionalizaram’ o que a gente já fazia”, afirmou Patricia dos Santos.

A Ilha Diana fica a 30 minutos do Centro de Santos e o acesso é feito por catraia que sai de hora em hora de terminal localizado atrás da Alfândega.

Comunidade quer mais diálogo com a empresa e exige direitos

O presidente da Sociedade de Melhoramentos da Ilha Diana, Alexandre Lima, disse que o diálogo com a empresa é muito ruim e que a Embraport não cumpre corretamente as condicionantes impostas no licenciamento de instalação e operação expedido pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama).

“Não dá apenas para sobreviver de turismo. O convívio harmonioso com a Embraport seria empregar as pessoas e cumprir as condições estabelecidas no licenciamento. Eles fazem as coisas para nós achando que estão fazendo um favor. As condicionantes são atendidas por fotos maquiadas que fazem parecer que o pouco é muito. Eles dão migalhas. Atendem da forma que eles querem e não como deve ser”, destacou.

Até a tradicional festa realizada todo mês de agosto na comunidade não é feita há três anos. Isso porque a prefeitura não concluiu a obra de ampliação da igreja e de construção do centro comunitário e da nova policlínica. Os moradores também reivindicam a ampliação do atendimento médico, que se limita atualmente a uma vez por semana e no plantão de uma enfermeira até às 15 horas no posto de saúde da ilha.

Lima destacou os encontros realizados pelo Observatório Litoral Sustentável, que discute os impactos provocados pelos grandes empreendimentos na região. “Estamos sabendo o que é a palavra condicionante por causa do Instituto Pólis. Estamos cobrando o que é nosso de direito”, afirmou.

Obras

A Prefeitura de Santos informou, por meio de nota, que já concluiu os processos de compra de material e de contratação de mão de obra para executar os trabalhos na igreja, policlínica e centro comunitário, que estão paralisadas há três anos.  A Administração Municipal informou que vai redefinir o cronograma dos trabalhos e a conclusão deve ocorrer até o final do ano.

Sobre o atendimento na Policlínica da Ilha Diana disse que é feito por técnicos de enfermagem de segunda a sexta feira e semanalmente há consultas médicas e de enfermagem e que os atendimentos são realizados sem necessidade de agendamento. Segundo a Secretaria de Saúde não há demanda reprimida na unidade que justifique a ampliação.

Moradores aprendem a fiscalizar licenciamento

Todos grandes empreendimentos, como o do terminal portuário em questão, necessitam de licenciamento de órgãos ambientais como o Ibama e a Cetesb, no caso do estado de São Paulo. As exigências são chamadas de condicionantes e devem ser cumpridas pelas empresas. O Observatório Litoral Sustentável atua na capacitação de moradores de comunidades afetadas por essas instalações, de modo que eles fiscalizem o cumprimento dessas normas.

“O Observatório está fazendo um processo de monitoramento social. Significa que os moradores da Ilha Diana terão de avaliar o cumprimento das condicionantes relacionadas a eles da Embraport e de outros empreendimentos. A ideia é que a gente tenha uma leitura da comunidade das condicionantes que estão sendo cumpridas naquele território. Num primeiro momento a gente fez uma reunião na Ilha Diana e percebemos que a população não sabia o que era o processo de licenciamento, no qual estavam envolvidos por serem uma comunidade impactada por um grande empreendimento. Na verdade eles são impactados por mais empreendimentos além da Embraport, mas as únicas condicionantes específicas na Ilha Diana se referem ao empreendimento da Embraport”, explicou Danielle Klintowitz, coordenadora da Câmara Temática Grandes Empreendimentos, Setor Imobiliário e Transformações da Baixada Santista, do Observatório Litoral Sustentável.

No próximo dia 27 de julho, uma nova reunião será realizada com os moradores para tratar do assunto.

“Faremos uma dinâmica com a comunidade. Ele inclui um processo de tradução dessa condicionantes que são obrigações da Embraport. A gente fez um levantamento delas. A partir daí a comunidade terá uma clareza do que são essas obrigações e comunidade poderá refletir sobre as condicionantes”, afirmou Danielle.

Embraport diz que cumpre as exigências do Ibama

Procurada, a Embraport disse, por meio de nota, que cumpriu integralmente todas as exigências legais assumidas perante o IBAMA, promovendo inclusive consultoria ao Programa Vida Caiçara – Educação Ambiental e Turismo de Base Comunitária – o qual tem como objetivo fomentar o turismo e estimular a geração de renda dos moradores, sendo este o principal meio de interlocução da empresa junto à comunidade.

A empresa disse ainda que, desde o início de suas operações, buscou gerar empregos direta ou indiretamente aos moradores da Ilha Diana “fato este que possui atualmente moradores e membros da família de moradores da Ilha em seu quadro de funcionários. Contudo, novas contratações não tem sido realizadas devido ao atual momento de crise que vive o país”, informo a nota.
A Embraport afirmou que atividades desenvolvidas pelo terminal não geram qualquer impacto ao meio ambiente bem como a comunidade do entorno.

Tamanho. O terminal portuário está localizado na Margem Esquerda do Porto de Santos, na Ilha Barnabé e conta com 653 metros de cais, 207 mil m² de pátio e capacidade de movimentação anual de 1,2 milhão de TEUs (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés). Foram investidos R$ 2,3 bilhões no empreendimento, cujo acionistas majoritários são a Odebrecht TransPort e a DP World.

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