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Cotidiano

Francisco usa a simplicidade para reconquistar o mundo

Primeiro papa não europeu em mais de 1.300 anos, primeiro papa latino-americano, primeiro pontífice jesuíta da história, Francisco foi eleito 'Pessoa do Ano' pela revista americana Time

Publicado em 24/12/2013 às 12:24

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Ausente dos rankings especializados na eleição do conclave, votação secreta que o elegeu pontífice em 13 de março deste ano, e ignorado na sucessão de Bento XVI nas casas de apostas da Argentina, onde nasceu, Jorge Mario Bergoglio chega ao fim de seu primeiro ano à frente da Igreja Católica como uma das figuras de maior popularidade do mundo. Influenciado pela sugestão de d. Cláudio Hummes, cardeal arcebispo emérito de São Paulo, "de não esquecer dos pobres", logo após sua eleição no conclave em 13 de março de 2013, escolheu o nome papal de Francisco.

A opção remete ao santo mais popular da Igreja Católica, cultuado por seu amor à simplicidade, aos pobres e excluídos, aos animais e à natureza. O fato acabou se tornando estratégia hábil e eficaz para tentar reverter o desânimo que se abateu sobre o catolicismo desde o século 20, traduzido no País, por exemplo, na diminuição expressiva do número de brasileiros que se dizem católicos.

Primeiro papa não europeu em mais de 1.300 anos, primeiro papa latino-americano, primeiro pontífice jesuíta da história, Francisco foi eleito 'Pessoa do Ano' pela revista americana Time, desbancando Edward Snowden, o ex-analista que vazou detalhes da espionagem governamental americana. O papa que considera "indispensável" o uso da internet para abordar o evangelho é também campeão de referências de 2013 na rede de relacionamentos Facebook em todo o mundo. No microblog Twitter, papa Francisco é seguido atualmente por mais de 10 milhões de pessoas.

Para d. Orani Tempesta, cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, o "jeito simples de Francisco" tem sido determinante para a notoriedade do pontífice. "Ele fala para todos. Possui um dom natural de se expressar que atinge as periferias existenciais, como ele mesmo costuma falar. Ele fala para o povo. Dirige conselhos, aborda com amor as pessoas, vai ao encontro das dificuldades vivenciadas pela humanidade nas mais variadas situações. Apresenta o rosto materno da Igreja que acolhe a todos e a cada um", analisa.

Jorge Mario Bergoglio chega ao fim de seu primeiro ano à frente da Igreja Católica como uma das figuras de maior popularidade do mundo (Foto: Gregorio Borgia/Associated Press)

Mais de dois milhões de pessoas compareceram às audiências abertas do papa Francisco na Praça São Pedro desde sua eleição em março, quatro vezes mais gente do que o papa Bento XVI conseguiu reunir em 2012. Segundo o Vaticano, foi vendido mais de 1,5 milhão de ingressos para as 30 audiências gerais do papa desde sua eleição.

"Ele tem um modo novo e interessante para dizer as mesmas coisas. Para a Igreja e os católicos trouxe novo ânimo", avalia o cardeal d.Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, um dos nomes que esteve entre os mais cotados para suceder Bento XIV na época do conclave. "Penso que a explicação para a popularidade do papa está na importância da mensagem que ele transmite e na instituição que representa. A esses fatos alia-se a sua grande capacidade de comunicação. Podemos dizer que o papa Francisco chamou a atenção do mundo para uma agenda própria", explica d.Odilo.

Na pauta desta agenda entram a fome, que Francisco chamou de "escândalo mundial", críticas à "idolatria ao dinheiro" e até assuntos terrenos da própria Igreja. Após a eleição de Francisco, pela primeira vez em 125 anos o Banco do Vaticano publicou suas contas - segundo o informe financeiro, a receita quadruplicou em 2012, atingindo 86,6 milhões de euros. A nomeação de seu secretário pessoal, Alfred Xuereb, para supervisionar a instituição é parte da faxina que Bergoglio já iniciou na Cúria Romana, contratando consultorias e reduzindo número de funcionários.

Também pode ser creditado ao feitio do novo pontífice o sermão do bispo d. Oscar Ojea em um domingo de dezembro na catedral de San Isidro, em Buenos Aires. Ojea leu a comunicação, replicada em outras paróquias e capelas argentinas, em que a Igreja Católica do país pede perdão pelo crime de pedofilia do padre José Antonio Mercau, anunciando ainda que indenizará as quatro vítimas dos abusos do clérigo. Esta é a primeira vez que a Igreja Católica pede perdão e indeniza de forma voluntária um grupo de vítimas da pedofilia.

Humor

O papa Francisco arrebanha suas ovelhas também na base do bom humor. Durante o voo entre Roma e o Rio de Janeiro, em julho de 2013, brincou com os que "lamentaram" sua nacionalidade argentina. "Vocês já têm um Deus brasileiro, queriam um papa brasileiro também?", disse, em referência à máxima nacional. Low profile, costuma carregar sua própria valise e, ao ser eleito, o portenho, nascido e criado no bairro de Flores, ligou para seu jornaleiro em Buenos Aires para avisar que cancelaria a assinatura do jornal La Nación, já que agora moraria em Roma.

Mas, além do estilo nada comum aos que exercem cargos de tamanho poder, o papa vem fazendo um discurso de menos intolerância e mais compaixão sobre temas como aborto, homossexualidade e contracepção. Não à toa, o 266º papa da Igreja Católica acaba de ser eleito por uma revista gay 'Personalidade de 2013'.

"Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?", comentou o papa em entrevista durante o voo de volta para a Itália, após a Jornada Mundial da Juventude, entre 23 e 28 de julho no Brasil. Disse ainda que a igreja se fecha "em regras pequenas" e que não deve "interferir espiritualmente" na vida de gays e lésbicas. Foi o suficiente para a revista americana "The Advocate" justificar a distinção.

Pesquisa do Datafolha no mês anterior à JMJ traz números que exibem a opinião dos católicos brasileiros em relação a esses temas polêmicos: 22% declararam ser contra a lei que criminaliza o aborto, 36% se disseram contra a legalização da união entre casais homossexuais, 42% afirmaram ser contra a adoção de crianças por casais gays e 16% se posicionaram contra a lei que criminaliza a homofobia.

"Ele é a mudança! (risos)", diz d.Orani. "Cada Papa atualiza a Igreja ao seu tempo. O papa Francisco traz suas experiências, sua personalidade, e uma linguagem atual das questões eclesiais e sociais. O tempo está nos fazendo conhecer o 'novo' do Papa Francisco. Ele já falou, em recente entrevista, de sua conversa sobre reforma na Igreja com um cardeal idoso, há alguns meses, que lhe disse: 'O senhor já começou a reforma da Cúria com a missa cotidiana em Santa Marta'. Isso o fez pensar: a reforma começa sempre com iniciativas espirituais e pastorais, antes que com mudanças estruturais".

Queda

O agora papa emérito Bento XVI, ao anunciar que renunciaria ao cargo, no dia 11 de fevereiro de 2013, afirmou que não tinha mais forças para a tarefa. Em seu pontificado de oito anos teve de enfrentar o escândalo de padres acusados de pedofilia e o vazamento de documentos secretos no chamado VatiLeaks.

No Brasil, nunca o catolicismo viveu tamanha crise. A mesma pesquisa Datafolha de julho de 2013 indicou que apenas 57% dos brasileiros maiores de 16 anos se declaram católicos. Os números de uma pesquisa do pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia a Estatística (IBGE) já mostravam em 2010 o encolhimento do catolicismo no País. Em 1940, 95% dos brasileiros se declaravam católicos. Em 1991, eram 83%. Em 2010, esse número já havia baixado para 64,6%.

"A perda de fiéis não nos deixa indiferentes, mas é preciso dizer que isso acontece também em outras religiões tradicionais e até em grupos mais recentes", argumenta o cardeal de São Paulo. "Por outro lado, em várias partes do mundo, a Igreja católica está em crescimento; no Brasil houve um aumento significativo de seminaristas e de padres nas últimas décadas. O fenômeno sócio-religioso da 'migração religiosa' é complexo e está marcado pela cultura do nosso tempo. A atuação do papa Francisco e dos católicos, animados por ele, poderá ter uma incidência positiva em relação à adesão de pessoas a Deus. Esperamos que isso ocorra", pondera d. Odilo.

Ânimo

Para d. Orani, a vinda do Papa ao Brasil deixou grandes marcas de conversão. "Fortaleceu a fé, reacendeu ânimos, mostrou a imagem de uma Igreja jovem, viva, alegre. Essa visita não poderia passar despercebida, ou deixar as coisas como estavam antes. Claro que temos um novo cenário: católicos animados, pessoas que querem conhecer a Igreja e a fé católica, pois viram um grande evento em seu país e se sentiram tocadas pelos testemunhos de milhões de pessoas unidas pela mesma fé e pelos mesmos ideais e, com o testemunho vivo do Sucessor de Pedro, fizeram a experiência com o 'doce Cristo na Terra', expressão utilizada por Santa Terezinha em referência ao papa."

Para o arcebispo do Rio de Janeiro, a Jornada Mundial da Juventude foi "uma grande festa, um encontro de irmãos de fé", deixando legados econômico, ecológico, social, pastoral e ecumênico. O impacto da JMJ na economia do Rio de Janeiro foi de R$ 1,285 bilhão de acordo com uma pesquisa encomendada pelo Ministério de Turismo.

"Aprendemos que é possível reduzir o impacto ambiental. Durante toda a semana da Jornada, foi gerado menos de 10% do lixo registrado apenas na noite do último réveillon. Deixou um legado social: inauguração de um ala psiquiátrica, no Hospital São Francisco da Providência de Deus, que recebeu o nome de Polo de Atenção Intensiva à Saúde Mental (PAI), destinada ao tratamento dos dependentes químicos", cita d. Orani.

"Também foi criado um ônibus para o tratamento de dependentes químicos, chamado de Passaporte da Cidadania, que acolhe e trata moradores de rua envolvidos com as drogas", diz o arcebispo do Rio. "Podemos falar também em um legado para a imagem do Rio em todo o mundo. Foram cerca de 6.500 jornalistas de mais de 70 países cobrindo o evento, colocando a Cidade Maravilhosa e o Brasil nos olhos do mundo durante uma semana. A maioria dos estrangeiros estavam na cidade pela primeira vez e 93% deles afirmaram querer retornar".

De resto, é preciso esperar, afirma d. Odilo. "Em matéria de convicções e atitudes religiosas, é difícil fazer cálculos. Seria mais apropriado dizer que o Papa, em sua visita ao Brasil, fez uma generosa semeadura. Os frutos virão a seu tempo", diz o cardeal.

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