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Cotidiano

'Fábricas' de corais são aposta para multiplicar recifes no Nordeste

No litoral de Pernambuco, cientistas preparam colônias em tanques com água e 'berços' no fundo do mar

Folhapress

Publicado em 18/11/2023 às 16:00

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O projeto, batizado de Biofábrica de Corais, funciona como uma startup de biotecnologia e restauração de ecossistemas recifais / Reprodução/ Biofábrica de Corais

Como verdadeiros condomínios imersos na água, os recifes de corais têm papel fundamental como abrigo para espécies marinhas -neles são encontrados 65% dos peixes do mar. Garantir a preservação, a reprodução e a recuperação desses seres vivos ameaçados pelas mudanças climáticas se tornou um desafio para ambientalistas.

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No litoral de Pernambuco, tanques em laboratórios e "fábricas" no fundo do mar viraram refúgios para criar corais que depois são transferidos para outros pontos da costa do Nordeste.

No Brasil, os corais ocupam cerca de 3.000 km ao longo da costa. Só do sul da Bahia até o Maranhão, estão em um espaço de aproximadamente 170 km2.

Uma das áreas de proteção ambiental marinha do país fica localizada em Tamandaré, no litoral sul de Pernambuco, a 104 km do Recife. A cidade também abriga o Cepene (Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Nordeste), onde biólogos e oceanógrafos atuam no monitoramento da biodiversidade local.

Chamada de Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, ela é a maior unidade de conservação federal marinha costeira do Brasil, fundada em 1997. Sua área é de mais de 4.000 km2, ao longo de 120 km de praias e mangues.

"Antes, a situação era de uso, turismo e pesca descontrolados. Um ano antes da criação da área fechada, tivemos o primeiro branqueamento forte de corais na área", diz o oceanógrafo Mauro Maida, da Universidade Federal de Pernambuco. O branqueamento, que tem sido acelerado pelo aquecimento dos oceanos, é o processo mais temido pelos especialistas, pois a perda da cor indica um quadro de desequilíbrio que pode levar à morte dos corais.

Além das mudanças climáticas, os riscos para os corais vêm da poluição dos mares, do turismo desordenado, da pesca predatória, da especulação imobiliária e de espécies invasoras. De acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da ONU), até 90% dos recifes de corais do mundo podem ser perdidos até 2050.

"Já propusemos [ao ICMBio, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] um novo decreto para ampliar a área de proteção para abranger novas áreas de reprodução", conta Maida.

A Folha de S.Paulo mergulhou nas águas da unidade de conservação. Para fazer isso, um barco realiza o transporte por cerca de 15 minutos, a uma distância de cerca de 1,5 km da faixa de areia.

O mergulho, feito com apoio de cilindros de oxigênio e mergulhadores profissionais, a cinco metros de profundidade, permite a visualização nítida dos recifes, com inúmeras espécies de peixes, algas e até o exótico ouriço-do-mar.

Os recifes de corais se conectam por meio de um esqueleto de carbonato de cálcio. O Brasil possui mais de 60 espécies de corais, algumas delas exclusivas do país. Parte desses ecossistemas é protegida por 21 unidades de conservação marinha, sendo uma delas a de Tamandaré.

No dia a dia, o espaço é aproveitado por pesquisadores, estudantes, operadores de turismo e turistas.

Uma das características dos recifes de corais é a filtração da água do mar, o que auxilia na melhoria da sua qualidade. Por esses e outros benefícios trazidos por eles, um estudo recente, publicado pela Folha de S.Paulo, aponta que os recifes de corais geram até R$ 167 bilhões ao Brasil.

Esse peso na economia, calculado por pesquisadores, leva em conta, entre outros pontos, o papel que eles têm na proteção costeira e na promoção do turismo. O levantamento inédito foi feito pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Na sede do Cepene, em Tamandaré, uma das salas abriga reservatórios de água com estruturas segmentadas para apoiar na reprodução dos corais sob controle de temperatura --com ar-condicionado ligado na casa dos 30°C. Grupos específicos ficam aglutinados separadamente para facilitar a reprodução.

As caixas d'água são abastecidas por águas de torneiras. Uma saída de água em cada unidade permite que a irrigação seja constante.

A coloração também é observada, pois é um indicativo da saúde dos corais, que ficam cerca de dois a três meses nessa etapa. Quando estão no momento adequado, são transportados para Porto de Galinhas, no litoral sul de Pernambuco. Se estiverem brancos, há um sinal de degradação e de maior necessidade de recuperação.

O projeto, batizado de Biofábrica de Corais, funciona como uma startup de biotecnologia e restauração de ecossistemas recifais com atividades concentradas em Porto de Galinhas, balneário de Ipojuca (PE).
Quem comanda o espaço é a venezuelana María Gabriela Moreno, que deixou o país de origem há seis anos para trabalhar no litoral de Pernambuco.

As chamadas fazendas de reprodução de corais ficam submersas no próprio mar, mas são visíveis via mergulho com snorkel na superfície por causa da água transparente. Para turistas, o custo de visitar o local com um mergulho vai de R$ 200 a R$ 1.300, a depender do tipo de atividade.

Os laboratórios flutuantes recebem pedaços de corais encontrados no fundo do mar que são plantados nos "berços", estruturas formadas por materiais biodegradáveis. Cada espécie tem um "berço" específico para facilitar a adaptação.

As mesas são formadas por tubos de PVC. A partir disso, os corais se desenvolvem. Em caso de alguma falha durante o percurso, os pesquisadores pegam o animal e levam-no até barcos que ficam de apoio na superfície para suporte com eventuais ajustes na formação.

Em caso de êxito, como acontece na maioria dos casos, os corais se ampliam e novos recifes são instaurados no fundo do mar após três meses, a partir das estruturas inicialmente improvisadas.

"A recuperação acontece após a criação de áreas com os corais saudáveis. Para corais com comorbidades e com saúde mais frágil, fica mais difícil a recuperação", diz Maida.

O espaço também recebe turistas, que podem se deslocar em jangadas na praia de Porto de Galinhas. A recomendação é não tocar nos corais embaixo d'água, até para evitar eventuais infecções ou queimaduras, no caso do coral de fogo, nem dar comidas para peixes.

Os turistas também podem participar do trabalho de recuperação dos corais, ajudando a implantar nos "berços" os pedaços achados no fundo do mar.

Mais de 2.000 fragmentos já foram recuperados pelo projeto. Atualmente, 5.300 mudas estão em cultivo em Porto de Galinhas e em Tamandaré. O objetivo é chegar a 6.000 até o final de 2023.

"Em 2024, a gente quer dobrar esse número ou até chegar a 15 mil corais. Justamente para isso, estamos melhorando a infraestrutura e capacitando pessoas do local para contribuir conosco", afirma Moreno.

Um barco funciona como base e fica na região das fazendas de reprodução com voluntários que ajudam nos cortes e na colocação dos fragmentos de corais nos berços reprodutivos. O jangadeiro Carlos Silva, 52, que trabalha há mais de 25 anos em Porto de Galinhas, é um dos que se sensibilizaram com a causa.

Para a oceanógrafa Amanda Albano, da empresa Bloom (parceira da Fundação Grupo Boticário no estudo sobre os corais), além das iniciativas já em curso, são necessários projetos a médio e longo prazos de produção de conhecimento científico e monitoramento.

"Precisamos ter mais informações e dados, às vezes mais urgentes, para uma resposta mais rápida, para que o país consiga tomar decisões para esse ativo do nosso litoral", diz.

Janaína Bumbeer, gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, frisa que os recifes de corais não são considerados de forma específica nas políticas públicas.

"É preciso uma política nacional e breve para eles. Acredito que falta compreensão da importância por parte dos tomadores de decisão, ainda é algo distante para muitas pessoas, pois é algo importante para a economia e a saúde do próprio país", destaca. 

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