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Cotidiano

Estupro e morte rondam mulheres e crianças de Santos

Bairros. Situação é alarmante no Paquetá, Mercado, Vila Mathias e Vila Nova, localizados próximos ao Centro da cidade

Carlos Ratton

Publicado em 19/03/2017 às 09:30

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Mulheres são perseguidas à noite pelas ruas do Paquetá, Mercado e outros bairros da área central de Santos / Matheus Tagé/DL

Domingo, 29 de janeiro. Carla Roberta Barbosa, de nove anos, é encontrada morta na frente da garagem de uma empresa, na Rua Constituição, no bairro Paquetá, região Central de Santos. Segundo familiares, a menina saiu de casa para brincar com outras crianças que moram no bairro, mas demorou para voltar. A garota estava seminua e com sinais de que havia sido estuprada. O caso foi amplamente divulgado pela imprensa.

Domingo, 5 de março. Uma jovem de 21 anos, identidade desconhecida, é jogada com o carro ainda em movimento na Rua São Francisco, no Centro, após ter escapado de estupro. Ela teria dito aos policiais que a socorreram que os marginais estavam com uma criança dentro do veículo, que teria sumido dias antes na região do Mercado Municipal. A situação não teve repercussão.

Apesar das diferenças, os casos têm muito em comum. Além dos marginais ainda estarem soltos, ambos os casos refletem a realidade dramática de mulheres e crianças que moram e brincam nas ruas dos bairros do Paquetá, Mercado, Vila Mathias e Vila Nova e cercanias, localizados próximos ao Centro de Santos.

Tudo acontece principalmente à noite e em finais de semana e feriados. O Diário do Litoral foi a fundo e descobriu histórias de várias mulheres que moram na região e resolveram dar depoimento desde que suas identidades fossem preservadas. A descoberta foi estarrecedora e mostra que viver nesses bairros é mais do que desafiar a sorte, é driblar a morte que está em cada esquina, cada imóvel abandonado e rua mal iluminada. E, porque não dizer, até dentro de casa.

Na rua

“Eu fui vítima de assédio junto com uma amiga no caminho da escola. No trajeto pela Rua da Constituição, um homem colocou o órgão genital para fora e começou a gesticular. Nós saímos correndo e nos escondemos em uma oficina mecânica. Esse cara passou a seguir a gente todos os dias. Fizemos um retrato falado dele na polícia, mas ele continua solto. É comum ver ele rondando o Centro. Agora há pouco ele mexeu comigo novamente”, conta Maria.

Em casa

Ela revela que uma amiga, moradora da Rua João Pessoa (Centro), num dia de chuva pediu para a filha subir no sótão para ver porque estava ocorrendo uma goteira na sala. A menina, de 17 anos, subiu e encontrou um homem que tentou agarrá-la. O homem teria entrado por um acesso do apartamento vizinho.

“Ele fugiu e essa menina até hoje só sai de casa acompanhada dos irmãos. Tudo ocorreu dias depois do caso da criança de nove anos. A família está traumatizada. Existem relatos ainda que um homem, em um carro preto, circula em busca de crianças e jovens desacompanhadas”, conclui.

Joana (nome fictício) tem contato com várias mães da região e revela que o medo é generalizado. “Tem amigas de minha filha que não estão mais indo à escola devido ao que ocorreu com a moça de 21 anos.

Minha filha me questiona onde está a polícia e eu digo para ela que não existe nessa área da cidade. As mães choram dia e noite por conta do psicológico abalado. Muitas não saem de casa com medo de, na volta, encontrar um invasor, principalmente nos finais de semana”, revela.

Prostitutas surradas

A Reportagem acabou descobrindo que os criminosos não tem o menor escrúpulo e respeito com o ser humano. Segundo informado por Mariana (outra mulher cujo nome real está preservado) as prostitutas sofrem caladas há meses. As que mais sofrem são as que trabalham nas adjacências da Rua General Câmara (Centro), em locais mais isolados. Ela também faz referência ao carro preto. “Ele pega a garota de programa, mantém relações sexuais e depois bate e joga para fora do carro sem pagar no cais do Porto de Santos. Se houvessem câmeras como na praia, ele seria identificado”, acredita.

Fabiana conta que muitas moças que moram na região ficam constrangidas em procurar a polícia porque os próprios policiais discriminam. Eles dizem o seguinte: olhem os shortinhos que vocês vestem! Depois não querem ser estupradas. Uma mãe tentou gravá-los, mas foi ameaçada de ser presa por desacato”, revela, garantindo que as ­mulheres e crianças dos bairros próximos ao Centro não conseguem ver ‘uma luz no fim do túnel’. “É viver com o fantasma do estupro rondando e seguindo seus passos. Um horror”.

Coletivo confirma o drama das mulheres 

Dida Dias e Luciana Jorge, do Coletivo Feminista Maria Vai com as Outras, formado em outubro do ano passado com objetivo de lutar pelos direitos e combater a violência contra as mulheres, não só confirmam a dura realidade, como revelam que ela acontece por conta da falta de políticas públicas e investimentos no Centro de Santos, praticamente abandonado por sucessivas administrações, incluindo a ­atual.

“As mães estão com medo e sem saber como lidar com essa realidade. A situação da jovem de 21 anos nos foi revelada no último dia 7, véspera da comemoração do Dia Internacional da Mulher (8 de março). Até agora, nenhum dos dois casos foi desvendado. Por isso, recentemente, fomos cobrar resultados no ­Palácio da Polícia”, ­afirma Dida.

Luciana conta que ao levar uma amiga para casa à noite, nas imediações do Mercado Municipal, foi surpreendida por um homem. “Quando minha amiga foi pegar a chave para abrir a porta, o homem, que estava seminu, saiu do meio de veículos estacionados em sua direção. Ela entrou pela janela do meu carro e, mesmo com meio corpo para fora, eu arranquei. Só no meio da Avenida Conselheiro Nébias é que encontramos policiais, que nos acompanharam até a casa dela, mas o homem sumiu. Como não houve vítima, a Polícia não quis registrar ocorrência”, relata.

Luciana revela que a área do Paquetá e do Mercado servem não só como armadilha, mas como desova de vítimas de estupro. Tudo em função da falta de iluminação, de câmeras públicas de vigilância, efetivos da Guarda Municipal, da Polícia Militar, equipamentos de lazer, esportivos e culturais. “Sem alternativas, mulheres e crianças deixaram de conversar e brincar na rua. Estão apavoradas e vivem trancadas nos cômodos onde moram. O que em muitos casos nem adianta”, afirma.

As integrantes do Coletivo não poupam críticas à falta de investimentos e equipamentos públicos na região mais frágil e vulnerável do município – entre a linha férrea (hoje ­Veículo Leve Sobre Trilhos) e o Porto de ­Santos. “Nem à ­padaria pode-se ir após às 18 horas. Quem ­gosta de cometer crimes, se ­aproveitar da fragilidade das mulheres e da ­inocência das crianças, encontra ambiente ­propício no Paquetá e região”, conta Luciana.

Diferença

Dida Dias não se conteve em lembrar da diferença entre a Santos de antes e depois da linha do VLT. “Se do lado praia existe lazer, espaços culturais, mais opções de transporte, iluminação, segurança, zeladoria e comércio variado, o outro lado serve quase como desova de pessoas vítimas de violência. Santos é a melhor cidade para se viver, onde? Se não houver políticas públicas urgentes voltadas para a região, veremos muitos casos semelhantes a da pequena Carlinha (Carla Barbosa)”, acredita Dida.

Ela vai mais longe. Descobriu que não são poucos os casos de homens de outros bairros da cidade, principalmente os mais sofisticados, que se dirigem ao Centro e imediações em busca de drogas e, principalmente, de ‘presas fáceis’. Segundo conta, “eles buscam meninas para usar e jogar fora. Para eles, no Centro e bairros carentes moram apenas mulheres sem valor, sem dignidade, que não merecem ­respeito”.

É preciso mudar os conceitos

Acompanhando o depoimento de Dida e Luciana, a advogada Débora Camilo disse conhecer situações semelhantes aos relatados pelas mulheres encontradas pelo Diário. Ela acredita que essa violência contra mulheres e crianças ocorre por inúmeros fatores, mas principalmente pelo abandono das áreas mais carentes pela Prefeitura de Santos.

Salienta que a Guarda Municipal deveria ter um papel comunitário e a Polícia Militar deveria mudar o conceito de cidadão, pois vê a população pobre como inimiga, quando é a que mais ­precisaria ser ­resguardada.

“A polícia adota tratamento diferenciado. Quem mora no Gonzaga é atendido de uma forma, quem mora no Centro outra. Se o que aconteceu com a menina Carla fosse na praia, a repercussão seria muito maior.

As pessoas do Centro não são vistas como cidadãs pelo governo e pelas ­autoridades policiais”, dispara.

O caso da menina está sendo investigado pela Delegacia Anti-Sequestro (DAS). Paralelamente, mães do Paquetá criaram um Movimento intitulado Justiça para a Carlinha, que visa acompanhar o caso e cobrar uma rápida solução. Com relação ao caso da moça de 21 anos, a Reportagem ligou para a Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, que informou não ­haver qualquer registro de tentativa de estupro nos moldes ­apresentados, entre os dias 5 e 7 de março últimos, na região da Rua São ­Francisco.

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