Cotidiano

Estado não cumpre decisão judicial na área da Saúde

Nem quando os casos são de extrema gravidade e envolvem crianças especiais

Carlos Ratton

Publicado em 06/02/2017 às 10:13

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“Há pelo menos três meses eu não consigo o medicamento no AME. Estou vivendo com o que recebi como doação”, diz Neuseli, revelando outros casos semelhentes / Rodrigo Montaldi/DL

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O que a moradora do Bom Retiro Neuseli Ribeiro de Lima, a pequena moradora do Boqueirão Sabrina Gouveia de Almeida e, ainda, o menino Bryan da Silva Cavalcanti, que também morava em Santos, mas hoje está vivendo em Tabaraí, interior de São Paulo, têm em comum? Todos ganharam na Justiça o direito ao tratamento e medicação, mas o Estado de São Paulo não cumpre a decisão. O pior é que, segundo relatam Neuseli e os pais de Sabrina, há dezenas de pessoas passando pela mesma situação.

Neuseli é diabética tipo um, tem 56 anos e usa insulina desde os 15. Em 2009, ganhou na Justiça o direito de obter, gratuitamente, a insulina glargina da marca Lantus, considerada ideal para seu tratamento, pois o efeito dura 24 horas. Um frasco custa R$ 407,00 e dura 28 dias. “Há pelo menos três meses eu não consigo o medicamento no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) da Avenida Epitácio Pessoa. Estou vivendo com dois frascos que recebi como doação, mas o medicamento está acabando”, conta a dona de casa.

Ela revela que não está só. “Já conversei com várias pessoas no AME, em dias diferentes, que estão voltando para casa com as mãos vazias. É pai em busca da insulina para o filho, é filho buscando para o pai. Já liguei na Ouvidoria e a resposta é a mesma: sem previsão. Numa ocasião, uma funcionária mandou eu procurar o governador Geraldo Alckmin, o que acabou acontecendo quando ele (Alckmin) esteve inaugurando a estação Porto do Veículo Leve Sobre Trilhos (VLT), mas ele disse que não sabia da falta do medicamento”, afirma.

O advogado de Neuseli, Daniel de Lima Antunes, afirma que situações como o de sua cliente não poderiam estar ocorrendo no Estado mais rico da Federação. “É uma vergonha. Saúde deveria ser prioridade e não obras, até porque é uma área cuja verba é garantida por lei. Vou providenciar outra ferramenta jurídica para obrigar o Estado a garantir a medicação”, disse.

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Crianças também são negligenciadas  

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Os casos de Sabrina e Bryan caíram nas mãos do defensor público Thiago Santos de Souza. A Reportagem conversou com os pais de Sabrina (12 anos). A menina tem paralisia cerebral e vive numa cama. Há meses, Paula Regina Gouveia, mãe de Sabrina, não consegue a alimentação especial e nem os medicamentos necessários para minimizar o sofrimento da menina no Departamento Regional de Saúde (DRS-IV), em Santos, que foi intimado em 20 de dezembro do ano passado e, mesmo assim, não cumpre ordem judicial. “Ganhamos a ação em 2015.

Ano passado, ficaram seis meses sem me dar os medicamentos. Agora, não estão me fornecendo a alimentação especial de alta absorção e que custa R$ 175,00 a lata. A Sabrina não pode comer comida comum e são necessárias 21 latas por mês. Por não termos condições, apelamos à Defensoria e vencemos. No entanto, o DRS não vem me atendendo há pelo menos seis meses. Descobrimos uma alimentação paralela, que custa R$ 85,00 a lata, mas nem assim estamos recebendo”, afirma Paula, que revela que, em suas idas e vindas ao DRS, presenciou dezenas de pessoas, inclusive idosas, voltarem para casa sem medicação.

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Pai detalha drama 

Rodrigo Gouveia, pai de Sabrina, revela que após anos se dedicando à alimentação caseira via sonda, com acompanhamento de profissionais da nutrição, se viu obrigado a administrar dietas industrializadas à Sabrina, que garantem uma nutrição maior e evita riscos de contaminação, uma vez que essas crianças especiais são delicadas e de saúde frágil.

“Foram enviados todos os exames comprovando o quadro de disfagia (deficiência na deglutição), paralisia cerebral e Síndrome de Lennox-Gastaut (síndrome convulsiva de difícil controle). O processo foi negado porque alegaram que a Sabrina ainda tinha peso e altura dentro dos padrões da Organização Mundial de Saúde (OMS), ou seja, deveríamos esperar ela entrar em um quadro de desnutrição para podermos entrar com o processo”, afirma revoltado.

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Gouveia revela que, passados alguns meses, uma funcionária informou que não estavam liberando verba e as dietas não estavam sendo compradas. “Por seis meses, sobrevivemos com a sobra das dietas e doações entre amigos. A justificativa sempre foi falta de verbas”, afirma Rodrigo, que resolveu apelar à Defensoria. 

“Infelizmente, estamos sem saber o que fazer, porque se com a Justiça do nosso lado já não funciona, imagine todas as famílias que não procuram a Justiça, contam com os serviços públicos e que não tem instrução para fazer toda essa maratona. Como pais, ficamos vendidos porque a vida de nossa filha e de muitas outras crianças e doentes estão nas mãos do precário, duvidoso e insensível poder público”, desabafa.?

Defensor lamenta descaso do Governo Alckmin

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O defensor público da Infância e Juventude de Santos, Thiago Santos de Souza, lamenta a falta de respeito com a Justiça e de sensibilidade do Governo Alckmin com relação às crianças. Ele conta que Bryan é portador de uma doença grave denominada Linfangioma Cervical – que resulta a malformação do sistema linfático e necessita de sessões de embolização em hospital, com aplicação de medicamentos específicos.

“Esse menino já não realizou um procedimento que já foi agendado duas vezes porque o poder público não pagou, trazendo não somente muita angústia à família, como prejuízos à criança”, afirma Souza.

Thiago Souza revela que o juiz de Santos mandou bloquear R$ 16 mil do Estado para realização de exames em Bryan, o que até agora não ocorreu. A família, agoniada, resolveu se mudar para Tarabaí. O defensor afirma que o descaso é tanto, não somente com a Justiça, como com o próprio direito à vida, que mesmo sendo intimado da possibilidade de bloqueio de verbas públicas, o Estado fica inerte. “Certamente com a certeza que não haverá nenhuma consequência pelo reiterado descumprimento de ordem judicial”, finaliza.

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Questionado, Estado diz que vai regularizar situações 

A direção do DRS da Baixada Santista informa que cumpre todas as ações judiciais vigentes, embora entenda que o fenômeno da “judicialização da saúde” privilegia o direito individual em detrimento do coletivo. A direção ressalta que, obrigatoriamente, a pasta estadual precisa seguir a Lei Geral de Licitações para adquirir qualquer produto e deve respeitar os prazos estipulados pela legislação, elaborando atas de registro de preços, promovendo processos de licitação e avaliando a documentação das empresas sob risco de questionamentos e penalidades do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SP).

Com relação ao caso da paciente Neuseli Ribeiro de Lima, o DRS esclarece que houve um desabastecimento temporário da insulina Lantus na unidade, porém, uma nova compra já foi realizada e paciente poderá retirar o medicamento a partir da próxima terça-feira (7). Já sobre o caso da paciente Sabrina, a unidade informa que no dia 19 de janeiro houve uma alteração da dieta prescrita pelo médico para ela. Por isso, um novo processo de compra teve que ser iniciado. Vale ressaltar que a nutrição deverá ser entrega pela empresa fornecedora nos próximos dias.

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Sobre o paciente Bryan, o DRS informa que foi oferecido tratamento para o paciente na rede pública de saúde. Porém, a mãe do paciente entrou com uma ação judicial para que ele fosse atendido na rede privada, especificamente no Hospital AC Camargo, localizado na capital paulista. A unidade informa que cumprirá a decisão judicial, porém, entrará com recurso contra a ação via Procuradoria Geral do Estado, uma vez que a rede pública de saúde dispõe de todos os recursos de que o paciente necessita. A Reportagem continuará acompanhando os casos.

 

 

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