Cotidiano
Conduzida por pesquisadores europeus, a investigação comparou viagens com DMT com experiências de quase morte (EQMs) induzidas por paradas cardíacas
Além do interesse científico, o DMT começa a ser estudado como possível aliado no tratamento de transtornos psicológicos severos / Freepik
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Luzes intensas, sensação de deixar o corpo, passagens por túneis, encontros com seres misteriosos e a forte impressão de transcendência. Esses são relatos comuns tanto de pessoas que estiveram à beira da morte quanto de usuários de dimetiltriptamina (DMT), uma poderosa substância psicodélica presente em plantas como a ayahuasca. As informações são do portal The Conversation.
Agora, um estudo recente lança luz sobre o que essas experiências compartilham e, mais importante, o que as diferencia.
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Conduzida por pesquisadores europeus, a investigação comparou viagens com DMT com experiências de quase morte (EQMs) induzidas por paradas cardíacas, mapeando em detalhes sensações, imagens e emoções relatadas por dezenas de participantes. O resultado é uma análise inédita e detalhada sobre como o cérebro humano responde a estados extremos, seja por trauma físico ou por substâncias alucinógenas.
Tanto nas EQMs quanto nas experiências com DMT, os participantes relataram dissociação do corpo, viagens por espaços sobrenaturais, visões de luz intensa e interações com seres não humanos. A semelhança sugere que há mecanismos cerebrais compartilhados nesses estados alterados de consciência, como alterações em áreas responsáveis pela percepção do corpo, do espaço e da identidade.
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No entanto, o estudo encontrou diferenças fundamentais entre os dois fenômenos. Enquanto EQMs frequentemente incluem revisões da vida, reencontros com entes falecidos e decisões simbólicas sobre retornar ou não à vida, as experiências com DMT tendem a ser mais abstratas, surreais e impessoais, com presenças descritas como seres alienígenas ou entidades cósmicas.
“É como se as EQMs fossem narrativas moldadas por experiências emocionais e culturais, enquanto o DMT nos lançasse em um outro tipo de realidade, intensa, mas sem conexão direta com a vida pessoal do usuário”, explica um dos autores do estudo.
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Desde a década de 1990, cientistas especulam se o DMT seria liberado naturalmente no cérebro durante o momento da morte, como forma de “preparar” a mente para o fim. Embora pesquisas em ratos tenham detectado a presença de DMT no cérebro em momentos críticos, ainda não há evidência sólida de que o mesmo ocorra em humanos.
Além disso, o corpo humano possui enzimas capazes de degradar rapidamente o DMT, o que levanta dúvidas sobre sua real influência em estados de quase morte. Por outro lado, sabe-se que outros neurotransmissores, como a serotonina, aumentam significativamente em situações extremas, e muitos de seus efeitos são psicodélicos, podendo inclusive suprimir ou competir com a ação do DMT.
Um dos achados mais intrigantes do estudo é que o conteúdo simbólico das experiências, como ver parentes falecidos ou criaturas sobrenaturais, pode depender mais da bagagem cultural e emocional do indivíduo do que da substância em si. Ou seja, enquanto os "cenários" da experiência seriam moldados por processos cerebrais universais, as "narrativas" construídas a partir deles variam de pessoa para pessoa.
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Esse padrão também aparece nas práticas de povos indígenas que usam a ayahuasca, bebida tradicional que contém DMT. Para essas culturas, a viagem psicodélica é uma forma de acessar o mundo espiritual e os ancestrais, algo que ecoa nos relatos modernos de EQMs.
Além do interesse científico, o DMT começa a ser estudado como possível aliado no tratamento de transtornos psicológicos severos. Como simula aspectos das EQMs, a substância pode ajudar pessoas com ansiedade existencial, luto prolongado ou medo da morte, especialmente quando acompanhada de apoio psicoterapêutico. Ensaios clínicos com ayahuasca já estão em andamento para avaliar sua eficácia nesses contextos.
Por mais que a ciência avance, alguns relatos de EQMs continuam desafiando explicações puramente neurobiológicas. Casos como o fenômeno “Pico em Darien”, em que pessoas descrevem com precisão eventos ou mortes que desconheciam no momento da EQM, permanecem enigmas. Embora raros, esses relatos mantêm acesa a chama do mistério em torno da consciência e do que ocorre nos limites entre a vida e a morte.
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Para os cientistas, a próxima fronteira é registrar em tempo real a atividade cerebral durante esses estados extremos. Mas, até lá, DMT e experiências de quase morte seguirão sendo janelas fascinantes — e ainda abertas, para entender como a mente humana experimenta o fim, ou o que acredita ser o fim.