Santos, 8 de novembro de 2012, plenário da Câmara Municipal. O médico Thomas Maack, de 77 anos de idade, alemão naturalizado americano, havia acabado de receber uma homenagem, e caminha em passos rápidos ao encontro de um senhor de 83 anos de idade que se estava também ansioso pelo iminente reencontro, no corredor de acesso ao plenário.
O abraço é emocionado e longo. O repórter fotográfico do DL, Luiz Torres, registra o momento mágico entre os dois companheiros de cárcere flutuante naquele triste e sombrio tempo da ditadura militar no Brasil.
Foram 48 anos, ou seja: quase cinco décadas, sem que um soubesse notícia do outro. O senhor de 83 anos é Argeu Anacleto, ex dirigente sindical portuário, preso juntamente com o médico, no início da ditadura militar no Brasil, em 1964. Ambos foram trancafiados nos calabouços do navio-prisão Raul Soares.
Thomas Maack, o jovem médico de cabelos de fogo, tinha 29 anos de idade e Argeu, 35 anos. Maack teve que fugir do País pouco antes de sua expulsão ser decretada e as asas do destino o levaram para o exílio em Nova Iorque, onde refez sua vida e reiniciou a carreira médica e hoje, é um dos maiores especialistas em pesquisas e um cientista bastante respeitável mundialmente.
Argeu, por sua vez, viveu por muitos anos a triste sina dos presos políticos: não obter um novo emprego digno, pois estava marcado por ter uma ficha policial de preso político no navio Raul Soares. Ele diz: "Sou um etecétera da sociedade, não tenho faculdade, mas sim dificuldade num País que teve não uma democracia nos tempos sombrios da ditadura, mas sim uma demoníocracia".
Qual o crime dos dois? Nenhum. Maack era médico e professor na USP e Argeu diretor do Sindicato dos Operários Portuários. Duas vitimas da ditadura que tiveram suas almas esculpidas pela tortura e humilhação dentro de um navio-prisão, sem lei e sm respeito à dignidade humana, e que ficou ancorado no Porto de Santos, de abril a novembro de 1964, recebendo presos políticos da ditadura militar e sindicalistas.
Não só uma afronta aos direitos humanos, mas também uma afronta à sociedade santista e ao sindicalismo de Santos. Um navio-presídio ancorado em pleno porto santista, na margem direita do estuário, próximo à Ilha Barnabé, local do trabalho e ganha-pão dos portuários, que em vez de serviço nos ternos e nas lingadas, estavam presos e sofriam todo tipo de humilhação no navio.
O reencontro foi, segundo médico e portuário, um antídoto ao sofrimento da alma daquele período de chumbo da ditadura militar no Brasil.