Cotidiano

De vilã indesejável a protagonista: mosca pode ser salvação da ciência brasileira

Estudos mostram que 75% dos genes associados a doenças humanas têm equivalentes na famosa mosca-das-frutas

Ana Clara Durazzo

Publicado em 14/08/2025 às 12:00

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Investir no uso da drosófila não significa abrir mão de modelos mais complexos, mas sim otimizar recursos públicos e ampliar as possibilidades de inovação científica / Freepik

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A ciência brasileira atravessa um momento decisivo. Após uma década de cortes orçamentários e desfinanciamento crônico, pesquisadores lutam para manter a produção científica qualificada diante de recursos cada vez mais limitados.

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Nesse cenário de restrição, buscar modelos de pesquisa que combinem baixo custo, rapidez e alto impacto deixou de ser apenas uma escolha, tornou-se questão de sobrevivência.

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É nesse contexto que a Drosophila melanogaster, popularmente conhecida como mosca-das-frutas, desponta como protagonista improvável. Enquanto para o público leigo ela é apenas um incômodo doméstico, para a comunidade científica internacional representa uma poderosa ferramenta de pesquisa, responsável por descobertas que já renderam seis prêmios Nobel. As informações são do portal The Conversations.

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Poder genético e semelhança com humanos

O que torna um inseto de poucos milímetros tão relevante para a ciência? A resposta está no DNA. Estudos mostram que 75% dos genes associados a doenças humanas têm equivalentes na drosófila. Isso significa que mecanismos envolvidos em condições como câncer, Alzheimer, Parkinson, diabetes, distúrbios cardíacos e até infecções virais podem ser reproduzidos e investigados nessas moscas.

A facilidade de manipulação genética e a rapidez nos experimentos permitem que cientistas utilizem o inseto para análises toxicológicas, farmacológicas e de envelhecimento, com resultados comparáveis ou até superiores, aos obtidos em modelos de maior custo, como roedores.

Vantagem econômica em números

Um dos principais atrativos da drosófila está no custo. Pesquisas com moscas custam apenas 10% do valor gasto em experimentos com camundongos, segundo o geneticista Hugo Bellen, do Baylor College. Em comparação com culturas de células de mamíferos, mantidas em larga escala no Brasil, a vantagem é ainda mais clara: manter um laboratório de drosófilas chega a ser três vezes mais barato. Nos gastos com consumíveis, a diferença sobe para sete vezes menos.

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Ou seja, não se trata apenas de uma alternativa mais acessível, mas de uma plataforma economicamente superior, capaz de entregar resultados de ponta sem comprometer a qualidade científica.

O paradoxo brasileiro

Apesar das vantagens, o Brasil ainda subutiliza a drosófila como modelo de pesquisa. Enquanto países líderes em ciência maximizam seus recursos com a mosca-das-frutas, por aqui ainda se priorizam plataformas mais caras, mesmo nas fases iniciais dos estudos.

Para especialistas, essa escolha representa um desperdício de recursos escassos e compromete a competitividade da ciência nacional. Em um cenário de austeridade, insistir em modelos mais caros é um freio à inovação.

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O papel das agências de fomento

A mudança, apontam pesquisadores, depende de uma ação mais estratégica das agências de fomento brasileiras, como CNPq, CAPES e FAPs estaduais. A criação de editais específicos para pesquisas com drosófilas poderia consolidar esse modelo como um eixo estratégico de resiliência científica, incentivando uma nova geração de cientistas e acelerando descobertas biomédicas no país.

Um futuro possível

Investir no uso da drosófila não significa abrir mão de modelos mais complexos, mas sim otimizar recursos públicos e ampliar as possibilidades de inovação científica. Para além do baixo custo, trata-se de uma escolha política: fortalecer a base de pesquisa nacional e garantir que o Brasil não perca terreno em áreas estratégicas para a saúde, a tecnologia e a soberania científica.

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