Testes rápidos de Covid-19 da Santa Casa vêm causando polêmica nas redes sociais e entre especialistas / Nair Bueno/DL
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"Testes rápidos são mais eficazes quando usados de forma planejada e massiva pelo poder público, como parte de uma estratégia de vigilância para monitorar infecção entre profissionais de saúde, contribuir para o isolamento dos doentes e identificar a circulação do vírus em áreas sem registro de infectados. Venda indiscriminada de testes pode fazer com que população mais rica tenha acesso facilitado a esses produtos, em detrimento de quem de fato precisa. Se isso ocorrer, haverá uma falsa amostra do número de infectados, o que dificulta a definição de políticas públicas que beneficiem toda a população".
A informação acima é de médico epidemiologista Antonio Silva Lima Neto, membro do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para enfrentamento da pandemia. Ele foi entrevistado pela repórter Nayara Felizardo, de The Intercept Brasil. Sua ponderação técnica joga luz à iniciativa local, da Superintendência da Santa Casa de Misericórdia de Santos, que está oferecendo, no estacionamento do hospital, testes rápidos de COVID-19 ao custo de R$ 250,00.
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Um vídeo gravado pelo Superintendente Augusto Capodicasa oferecendo o serviço vem causando polêmica nas redes sociais. Numa live, na última terça-feira (7), Capodicasa chegou a ameaçar processar os internautas que se manifestaram contrários à iniciativa.
Ainda segundo Lima Neto, além de prejudicar as medidas de controle da pandemia, os testes aplicados e avaliados pelos próprios pacientes podem contribuir para colapsar ainda mais o sistema de saúde. "As pessoas irão ao hospital sem necessidade, motivadas pelo desespero de um teste positivo que pode simplesmente estar sendo mal interpretado, ou estar entre aqueles em que o exame falha", alerta. O Diário entrevistou especialistas locais, que complementaram a opinião de Lima Neto.
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IMPRECISO.
The Intercept alerta ainda que os testes rápidos têm 75% de chance de erro nos resultados negativos. Por ter diagnóstico tão incerto e que exige interpretação médica dos sintomas clínicos, a venda de testes rápidos é permitida apenas para uso profissional. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) revela que o autoteste para COVID-19 é proibido e todas as marcas de teste para covid-19 vendidas no Brasil precisam de um registro da Agência.
Mesmo nos produtos autorizados pela ANVISA, o Ministério da Saúde detectou "limitações importantes" e uma chance de 75% de erro nos resultados negativos e 14% nos resultados positivos. Isso ocorre porque os testes rápidos só identificam a presença de anticorpos após três a sete dias do início da infecção.
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SANTA CASA.
A Assessoria da Santa Casa revela que os testes rápidos foram comprados com recursos próprios, para monitorar os profissionais de saúde que atuam na linha de frente da Instituição, sendo disponibilizado um lote para atender as pessoas que têm interesse em fazer o exame. Estes testes não foram adquiridos com verba pública, e não têm relação com ações governamentais.
"O valor arrecadado será revertido para manutenção e sustentabilidade do hospital, que neste momento de pandemia, está com diversos procedimentos suspensos".
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Sobre os casos de pessoas que apresentam os sintomas do coronavírus, aconselha a seguir as orientações do Ministério da Saúde, buscando uma unidade de atendimento ou pronto socorro de sua região.
Especialistas regionais também têm restrições
Para avaliar a opinião do médico especialista Antonio Silva Lima Neto, membro do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, o Diário entrevistou dois especialistas de Santos, que também têm restrições ao teste rápido.
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O médico infectologista Marcos Caseiro acredita ser um "total absurdo" o que a Superintendência da Santa Casa está fazendo. "Um contrassenso. Isso gera movimentação desnecessária e a gente não sabe que tipo de kit está sendo usado, o grau de sensibilidade dele e se detecta infecção recente ou passada. O indivíduo testa negativo ou positivo e qual é o significado? Esses testes só têm sentido dentro de uma lógica populacional e não individual. Eles geram mais confusão do que esclarecimento aos pacientes. Não tem sentido montar 'barraquinha' para fazer teste sem solicitação médica. Espero que o Conselho Regional de Medicina (CRM) faça uma intervenção", dispara o médico.
TESTES SEGUROS.
Outro infectologista, o médico Evaldo Stanislau, preferiu não questionar a atitude da Santa Casa, mas informou que a detecção do vírus, de forma válida e segura, para o diagnóstico da COVID-19, tem que ser feita por intermédio de uma espécie de cotonete, que é introduzido no nariz e coleta o material para teste viral.
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Ele também explicou sobre a coleta da orofaringe (parte da garganta logo atrás da boca) e usando as vias baixas. Mas tudo somente entre o terceiro e sétimo dia do sintoma. Os exames rápidos ainda não estão plenamente validados.
"Portanto, o uso deles tem que ser bem indicado sob o ponto de vista médico, para que a interpretação seja precisa. Fazer um teste rápido, de forma precoce e ele testar negativo, não significa que a pessoa não tenha o vírus. Vejo como muita preocupação esses testes rápidos e aconselho o distanciamento social e oferta de exame reconhecido para quem apresentar sintomas, que é o PCR (proteína C-reativa)", finaliza Stanislau.
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