Cotidiano
A ilha principal do arquipélago brasileiro carregou por séculos o peso de ter sido uma das mais temidas colônias prisionais do país
Para consolidar o domínio sobre o território e evitar disputas, o governo português transformou Fernando de Noronha em colônia correcional / thiago japyassu/Pexels
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Hoje sinônimo de beleza natural, águas cristalinas e vida marinha exuberante, Fernando de Noronha já foi cenário de sofrimento, isolamento e punição. Conhecida no passado como “Ilha Maldita”, a ilha principal do arquipélago brasileiro carregou por séculos o peso de ter sido uma das mais temidas colônias prisionais do país.
Descoberta em 1503, a ilha foi ignorada por Portugal até o século XVIII, quando voltou ao centro das atenções estratégicas por sua posição geográfica entre a Europa e o “Novo Mundo”. Para consolidar o domínio sobre o território e evitar disputas com holandeses, franceses e ingleses, o governo português transformou Fernando de Noronha em colônia correcional, um verdadeiro presídio a céu aberto.
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Distante 545 quilômetros de Recife, o arquipélago foi usado para isolar indivíduos considerados indesejáveis ao regime da época. Lá foram enviados ciganos, capoeiristas, criminosos comuns e presos políticos envolvidos em revoltas históricas como a Revolução Farroupilha (1844) e a Revolução Praieira (1849). Em muitos casos, os condenados não apenas cumpriam pena, mas também eram forçados a erguer as próprias celas, além de construções como igrejas, fortificações e estruturas da Vila dos Remédios, que permanecem de pé até hoje.
A Fortaleza de Nossa Senhora dos Remédios, localizada no topo de uma colina com vista para o centro histórico da ilha, é um dos marcos dessa era. Ela integra um complexo militar que chegou a ser considerado o maior sistema de fortificação do século XVIII no Brasil, com dez estruturas espalhadas pela ilha.
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A vida dos detentos era marcada por condições degradantes. As celas eram estreitas e mal protegidas contra o clima severo da ilha, que alternava calor escaldante e chuvas intensas. Muitos prisioneiros permaneciam acorrentados, alguns com pesadas bolas de ferro presas aos tornozelos. A Ilha Rata, uma das ilhotas do arquipélago, funcionava como uma solitária ao ar livre para castigos psicológicos.
A tentativa de fuga era dificultada com o desmatamento de áreas inteiras, como as de árvores de mulungu, para impedir a construção de jangadas. Mesmo assim, o medo de naufrágio ou recaptura mantinha a maioria dos detentos sob vigilância constante.
O nível de isolamento era tão extremo que, em 1822, após a independência do Brasil, os habitantes de Fernando de Noronha continuaram hasteando a bandeira portuguesa por dois anos, sem saber das mudanças políticas no continente.
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Além das estruturas militares, os detentos também trabalharam em oficinas de marcenaria, ferraria e sapataria. A Igreja de Nossa Senhora dos Remédios, construída em 1737, é mais uma obra que remonta ao tempo da colônia penal.
A “Aldeia dos Sentenciados” também faz parte desse passado sombrio. Ali, presos considerados indisciplinados eram obrigados a dormir sobre leitos de pedra ou toscas camas de madeira, em ambientes insalubres e desumanos.
Com o fim gradual da função prisional, Fernando de Noronha foi reincorporada ao estado de Pernambuco em 1988. Desde então, passou por um processo de revalorização e tornou-se um dos destinos turísticos mais exclusivos do Brasil, reconhecido como Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco e símbolo de conservação ambiental.
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Mas por trás dos cenários paradisíacos e das águas transparentes que hoje atraem visitantes do mundo inteiro, há uma história marcada pela dor, pelo exílio e pela luta de homens e mulheres que, mesmo isolados do mundo, ajudaram a construir os alicerces de uma das ilhas mais belas e, por muito tempo, mais temidas do Brasil.