Cotidiano

Comunidades ciganas ainda sofrem preconceito na região

Ciganas relatam olhares ‘tortos’ ao se identificarem e lutam pelo respeito ao seus direitos garantidos por lei

Vanessa Pimentel

Publicado em 04/03/2017 às 10:30

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Maria Sueli, Conceição Galante, Fernanda Martins, Suzana e Imar Lopes dizem que não saem caracterizadas na rua para evitar ofensas e comentários preconceituosos / Rodrigo Montaldi/DL

Imar Lopes Garcia tem 60 anos e mora em uma casa no morro da Nova Cintra, em Santos. Dividem o teto com ela seu marido, três dos dez filhos e uma irmã, todos ciganos. O lar é simples e aconchegante. O portão da entrada é de madeira e dá acesso há um quintal ladeado por plantas e ervas consumíveis. Há também muitos penduricalhos, sinos dos ventos e uma música alegre - conforme ela, típica dos ciganos.

“Esta casa ao lado é do João, esta outra é da Maria. E a minha? A minha é a casa dos ciganos, não é a casa da Imar. Ciganos não têm nome para alguns”, responde ela ao explicar o que acontece quando alguém vem lhe procurar em casa. E completa: “Engraçado você me perguntar qual o maior problema que enfrentamos ‘atualmente’ e eu responder preconceito, ‘ainda’”.

Imar, ao lado de Maria Sueli Bueno, são líderes do clã Tsara-Romai na Baixada Santista. Junto com outras mulheres, elas se mobilizam pela causa e trabalham na difusão da cultura cigana na região. Para evitar olhares preconceituosos, deixam de usar as roupas tradicionais quando saem na rua. Questionadas se essa atitude não seria uma forma de esconder sua cultura, respondem que sim. “Mas a mágoa e o sofrimento me ensinaram que nem sempre é bom bater de frente”, justifica Imar.

Segundo elas, o traje colorido e com pedrarias representa nada mais que a alegria, mas para alguns é sinônimo de pessoas que mexem com feitiçaria. A fama de que preveem o futuro e a facilidade em manipular ervas talvez ajude a bagunçar ainda mais a cabeça de quem não conhece as tradições desse povo.

“Você é jornalista, já não vem com esse dom? É a mesma coisa com os ciganos. Nós temos a sensibilidade mais apurada, com as ervas também, não é feitiçaria. Estudamos para lidar com tudo isso”, explica Maria Sueli.

Já a leitura das linhas das mãos e do baralho se dá através da intuição. “Se você pegar uma carta não vai saber o que está lendo, por isso é necessário o ensinamento dos mais velhos e saber usar a sua própria intuição. É ela quem lhe diz o que se desenhou”, explica Sueli.

Trabalho

Na cultura cigana, os homens geralmente trabalham com vendas e as mulheres, se precisarem de dinheiro, saem para ler a sorte dos mais místicos. Caso contrário, ficam em casa para cuidar da família e dos mais velhos.

Kelly Regina Lopes é uma das filhas de Imar e trabalha com terapia holística. “Uso cristais, massagens, ervas e a cromoterapia (tratamento com luzes e cores). Os cristais, por exemplo, são colocados nos chacras (centros energéticos do corpo) para ajudar a controlar o estresse, depressão ou energias em desequilíbrio”, explica ela.
Os ciganos não têm religião específica, mas acreditam em Nossa Senhora Aparecida e têm Santa Sara Kali como padroeira.

“Há ciganos católicos, evangélicos, mulçumanos, do candomblé. Somos livres”, comemora Imar.  

Origens. “É uma pena que se fale tão pouco sobre a nossa cultura. É esse desconhecimento que gera o medo e o preconceito”, explica Imar. Porém, segundo ela, os próprios ciganos têm dúvidas sobre as suas origens, já que as histórias que rondam esse povo são praticamente baseadas em suposições. Sem documentos históricos ou registros, os relatos foram transmitidos de geração para geração de forma oral, o que deu espaço para muitas lendas em torno da comunidade.

Algumas pesquisas trabalham com a hipótese do surgimento deles na Índia, pois  cerimônias, como o casamento, e os dialetos dos ciganos têm semelhança com várias línguas de lá. Os povos também são nomeados de acordo com o local de onde vêm, por exemplo: os de origem portuguesa e espanhola chamam-se Calons. Já os que vieram da Romênia são considerados Kalderash.

Imar afirma que a cidade de Santos abrigou o primeiro acampamento cigano da Baixada Santista. Segundo ela, eles vieram pelo Porto e se fixaram ao lado da Santa Casa. “Não tem nenhum registro sobre isso. Se a gente deixar, a nossa história se perde”, diz ela.

Mudança de comportamento à vista

Elas dizem que a comunidade não gosta de tocar no assunto, mas a sociedade cigana ainda é patriarcal. Imar só aprendeu a ler quando já era adulta, mas desde então, lê sobre tudo, de política ao machismo. Ela diz que sempre influenciou as filhas a estudarem e se orgulha em dizer que uma delas está no último ano de engenharia. “Eu acho que não vai deixar de ser cigana porque tem uma faculdade”, explica. Dos dez filhos, cinco são formados.

Sueli diz que os ciganos mais velhos ainda são conservadores, mas começam a perceber que a mudança de comportamento é inevitável. As ciganas mais jovens já questionam o casamento prometido e lutam para estudar. Antes, aprendiam apenas a escrever o nome.

“No fundo, o medo das mudanças é o medo de que a cultura cigana se perca”, diz Sueli.

Usar calça não é permitido na presença de um homem, assim como o casamento delas com não ciganos. Já os homens, podem.

As seis mulheres que conversaram com a Reportagem são consideradas “sedentárias” pelo fato de morarem em casas e não em acampamentos. Segundo elas, as tradições citadas encontram mais resistência por quem mora em barracas e consequentemente, tem menos acesso à informação e às mudanças do mundo.

“As coisas sempre mudam, faz parte da vida. Temos orgulho de ver ciganas psicólogas, advogadas, médicas, mas certas coisas fazem parte da nossa cultura e o respeito dos outros por ela é fundamental”, explica Imar.

Lei

No Brasil, desde 2007 os ciganos são protegidos pela Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (PNPCT), instituída por meio do Decreto nº 6.040 e que garante os direitos dos ciganos em todas as esferas.

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