Localizada no povoado de João Honório, na divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro, a Fazenda Santa Clara resiste ao tempo como um símbolo grandioso e incômodo da história brasileir / Divulgação/Iepha
Continua depois da publicidade
Com 6 mil metros quadrados de área construída, três andares e uma arquitetura monumental que impressiona à primeira vista, a Fazenda Santa Clara, localizada em Santa Rita de Jacutinga (MG), é considerada a maior construção rural da América Latina. Mais do que um ícone do período colonial, o imóvel carrega em suas paredes a história do Ciclo do Café, da formação econômica do Sudeste e de um dos capítulos mais duros do Brasil: a escravidão.
Erguida entre o fim do século XVIII e meados do XIX, a fazenda chama atenção pelo simbolismo numérico: são 365 janelas, em referência aos dias do ano; 52 quartos, representando as semanas; e 12 salões, alusivos aos meses.
Continua depois da publicidade
A grandiosidade arquitetônica, no entanto, contrasta com a função histórica do local, que foi um grande centro de reprodução de pessoas escravizadas, abrigando cerca de 2.800 escravos.
As paredes de pau a pique sustentam o conjunto arquitetônico tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e também pelo IEPHA-MG. Mais de 10 mil telhas cobrem o imóvel — muitas delas, segundo relatos históricos, moldadas 'nas coxas' dos escravizados, origem da expressão popular que atravessou gerações.
Continua depois da publicidade
Das 365 janelas, 28 são falsas, pintadas na parede. Segundo o atual coproprietário Victor Emmanuel de Paula Nogueira, herdeiro da quarta geração da família Fortes Bustamante, a estratégia servia para disfarçar os espaços onde ficavam as senzalas, que não possuíam ventilação ou iluminação adequadas. 'Cada metro quadrado esconde mistérios e histórias', afirma.
Entre os pontos que mais chamam a atenção estão as escadas de pedra conhecidas como ‘Pai Nosso’ e ‘Ave Maria’, envoltas em lendas e tradições populares, além da Capela de Santa Clara, que possui uma divisória onde pessoas escravizadas assistiam à missa separadas dos senhores.
A história da Fazenda Santa Clara começa oficialmente em 1824, quando o comendador Francisco Tereziano Fortes de Bustamante recebeu uma sesmaria do governo imperial. As obras foram concluídas em 1856, e o imóvel passou depois para sua viúva, Maria Tereza de Souza Fortes, a Viscondessa de Monte Verde.
Continua depois da publicidade
Com a abolição da escravidão, a fazenda entrou em declínio econômico, sendo adquirida em 1924 pela família do coronel João Honório de Paula Motta, antepassado dos atuais proprietários.
Segundo o historiador José Reis, trata-se de uma raridade entre as antigas fazendas cafeeiras ainda existentes. 'Um passeio pela Santa Clara é voltar ao passado. Ela revela tanto a riqueza quanto as contradições do Brasil colonial', resume.
A imponência da fazenda já serviu de cenário para produções marcantes da televisão brasileira, como as novelas 'Abolição' (1988) e 'Terra Nostra' (1999), ambas da Rede Globo. Atualmente, o local é uma das opções turísticas mais procuradas da região, especialmente por visitantes interessados em história e patrimônio cultural.
Continua depois da publicidade
Apesar disso, a situação de conservação é delicada. A falta de recursos para restauração resultou no desabamento recente de uma parede da senzala, levando à suspensão das visitas internas. Hoje, apenas roteiros externos são permitidos, permitindo observar a imponência do conjunto arquitetônico, mas sem acesso aos ambientes internos.
Localizada no povoado de João Honório, na divisa de Minas Gerais com o Rio de Janeiro, a Fazenda Santa Clara resiste ao tempo como um símbolo grandioso e incômodo da história brasileira — ao mesmo tempo patrimônio, atração turística e memória viva de um passado que ainda ecoa em suas paredes.