Cotidiano

Cientista quer testar plantas amazônicas no espaço em busca de avanços contra Alzheimer

Pesquisa une microgravidade e extratos da Amazônia em busca de novos caminhos contra doenças neurológicas

Luna Almeida

Publicado em 19/11/2025 às 21:34

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A iniciativa ganhou destaque durante a Escola Interdisciplinar FAPESP / Erika de Faria/Temporal Filmes

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Um projeto que mistura biotecnologia, conhecimento ancestral e exploração espacial está colocando o Brasil no centro de uma iniciativa científica inédita. A proposta, liderada pelo pesquisador Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, busca testar extratos de plantas amazônicas em “minicérebros” cultivados na Estação Espacial Internacional. 

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A meta é investigar potenciais tratamentos para doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer, utilizando condições de microgravidade para acelerar processos biológicos impossíveis de reproduzir na Terra.

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A estratégia surgiu após o grupo de Muotri constatar que organoides cerebrais cultivados em órbita apresentam sinais de envelhecimento acelerado. 

O fenômeno, conhecido como Senescência Neural Induzida pelo Espaço (SINS), cria um modelo rápido e eficiente para estudar alterações associadas ao envelhecimento e às degenerações neurológicas. 

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A iniciativa ganhou destaque durante a Escola Interdisciplinar FAPESP, na qual o pesquisador detalhou suas linhas de investigação e os desafios enfrentados pelo projeto.

De minicérebros à busca por moléculas neuroativas

Os organoides, também chamados de minicérebros, são estruturas esféricas formadas por células neurais que simulam funções do cérebro humano. Em 2019, eles foram enviados ao espaço em colaboração entre o laboratório de Muotri e a NASA. 

Após 30 dias em microgravidade, retornaram com sinais de envelhecimento acelerado, permitindo que a equipe observasse uma forte resposta autoimune desencadeada por trechos de DNA retroviral presentes em todos os seres humanos. 

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A descoberta levantou a hipótese de que esse mecanismo pode contribuir para o avanço de enfermidades como o Alzheimer.

A partir daí, o pesquisador decidiu ampliar a abordagem, aproximando o estudo de moléculas tradicionais utilizadas por povos originários da Amazônia. A colaboração envolve Spartaco Astolfi Filho, da Universidade Federal do Amazonas, e comunidades indígenas Huni Kuins. 

O trabalho consiste em isolar compostos de plantas com propriedades neuroativas para testar sua capacidade de proteção ou reversão de danos em tecidos cerebrais envelhecidos artificialmente. 

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A ideia é que parte desses experimentos seja conduzida diretamente no espaço por uma equipe de cientistas-astronautas, com Muotri liderando o primeiro ciclo.

Um projeto que esbarra em cortes e busca alternativas

Os planos, no entanto, foram interrompidos quando cortes no orçamento norte-americano afetaram programas científicos da NASA. A mudança de gestão atrasou a nomeação da nova liderança da agência, desacelerando iniciativas em andamento. 

Muotri explicou que a equipe estava pronta para iniciar os experimentos em órbita antes da paralisação, mas aguarda a normalização da situação institucional.

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Diante das restrições, o pesquisador avalia alternativas por meio de parcerias com empresas privadas da área espacial, como SpaceX, Axiom Space e Vast. Setores da indústria farmacêutica e grupos filantrópicos também são considerados possíveis apoiadores. 

Ele destaca que tratamentos mesmo parcialmente eficazes para doenças neurodegenerativas trariam impacto econômico significativo, já que condições como Alzheimer geram altos custos de saúde pública. 

Outro ponto relevante é a repartição de royalties: caso medicamentos surjam a partir das plantas estudadas, os recursos serão destinados à conservação da Amazônia e às comunidades detentoras do conhecimento tradicional.

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Do espaço para a clínica: avanços paralelos

Enquanto a missão espacial aguarda novos rumos, pesquisas derivadas da exploração em microgravidade já avançam em solo terrestre. 

Muotri destacou que seu grupo identificou uma via molecular relacionada à síndrome de Rett, passível de ser modulada por medicamentos antirretrovirais amplamente utilizados no tratamento do HIV. A partir dessa descoberta, um ensaio clínico no Brasil está em desenvolvimento.

O pesquisador também detalhou outra linha de estudo voltada à síndrome de Pitt-Hopkins, uma condição neurológica severa. 

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Em colaboração com Fábio Papes, da Universidade Estadual de Campinas, uma terapia genética experimental teve recentemente autorização da FDA para início de testes clínicos nos Estados Unidos. 

A fase 1, prevista para avaliar segurança e possíveis efeitos tóxicos, deve começar em breve, com avanço para a fase 2 caso os resultados iniciais sejam positivos. O recrutamento de pacientes está previsto para 2026.

A viagem que pode redefinir terapias do futuro

A proposta de levar minicérebros ao espaço novamente, desta vez acompanhados de compostos amazônicos, continua viva. Para Muotri, a combinação de biotecnologia de ponta, microgravidade e conhecimento tradicional pode abrir caminhos antes inimagináveis na busca por tratamentos neurológicos. 

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Enquanto isso, a comunidade científica observa, entre expectativa e cautela, os próximos passos de um projeto que une ciência, natureza, ancestralidade e a fronteira final da pesquisa biomédica.

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